Na velocidade voraz que comanda o agora, capaz de transformar os “15 minutos de fama” de Andy Warhol numa eternidade e os 30 segundos dos tiktoks da vida no padrão de tempo de comunicação, nosso site 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos comemora cinco anos no ar oferecendo informação confiável e gratuita.
Fieis à ideia de não depender de financiamento externo, foram cinco anos marcados pela regularidade temporal das publicações, pela relevância dos assuntos abordados e pelo cuidado com as informações difundidas. As notícias são sempre checadas. Suas fontes são, muitas vezes, compartilhadas com os leitores através dos links que acompanham cada texto. Tudo para assegurarmos um endereço na web que seja referência de informação confiável sobre os direitos humanos.
Pretensão essa que, por outro lado, ilumina um curioso paradoxo no mundo das redes sociais e suas proprietárias. É que após sofrerem cobranças e pressões em diferentes partes do mundo e, nesse momento, serem objeto de acalorada discussão tanto no Congresso quanto na sociedade brasileira, as bigtechs vêm criando protocolos para regular (e censurar) as plataformas sob seu controle, em nome de combater os discursos extremistas que hoje fazem das redes os lugares mais antissociais do mundo. O resultado observado até agora é a censura de obras de arte clássicas como a Vênus de Milo, o aumento do número de grupos radicais nas redes e menos informação de qualidade. O problema está nos algoritmos ou em quem os programa?
Outro efeito menos percebido pelo grande público, porque a censura é prévia à própria publicação, diz respeito ao método primário de controlar o conteúdo das redes por meio de marcação de palavras “más” como nazismo, genocídio, homofobia, intolerância religiosa e muitas outras. Tais palavras tornaram-se passíveis de censura a priori. Apareceu, bloqueia o conteúdo. Simples: o mal do mundo estaria contido.
Não importa que qualquer pré-adolescente saiba que basta escrever n@ZZ1sm0 ou algo assim e a palavra passa, porque a inteligência criativa ainda é mais poderosa do que a artificial. Não importa que o nosso site se dedique ao tema dos direitos humanos e, portanto, não tenha como evitar usar essas palavras, repetindo-as incessantemente. Estamos periodicamente sujeitos a bloqueios que impedem que um material gratuito e educacional beneficie maior número de pessoas.
Apesar desse tipo de dificuldade, comemoramos o número já conquistado de leitores e de universidades e redes de ensino que nos listaram como fonte de consulta para seus alunos. Vibramos com a chegada de leitores de países da comunidade de língua portuguesa como Angola e Moçambique, pois escolhemos trabalhar para esse leitorado.
Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
Nesses cinco anos, um agradecimento especial aos nossos colaboradores, cujos artigos, escritos gratuitamente, contribuem para o acesso à informação e ao debate qualificado, cruciais para a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Muito obrigada.
E um sentido minuto de silêncio pela perda do brilhante filósofo e professor Roberto Romano, em julho de 2021, vítima da pandemia de Covid-19. Com uma vida pautada pelo compromisso com a defesa dos direitos humanos, Romano nos brindou com duas colaborações nas quais reflete sobre a relação entre o atual extremismo religioso e aquele produzido em determinados momentos da história do cristianismo: Raízes medievais da extrema-direita” e Fundamentalismo cristão semeia a intolerância. Não poderiam ser mais atuais. Obrigada, professor.
Vivemos tempos estranhos. A revolução tecnológica iniciada nos anos 1970 atravessa um momento crucial, no qual meia dúzia de empresas sem nenhum tipo de controle detém a capacidade de influenciar milhões de pessoas em todo o mundo, como nos explica Eugenio Bucci no ensaio Do email ao nada. E, agora, com a “ajuda” de Inteligência Artificial.
Mas será que a solução passa por entregar aos Estados o controle sobre o que pode ou não ser dito? A experiência histórica não recomenda. Não precisamos recuar ao aparato soviético stalinista: agora mesmo, governos com pretensões cada vez mais autoritárias como a China, a Rússia ou Cuba estão usando essas tecnologias para controle social. E, como no genocídio de Ruanda, os meios de comunicação servem a governos interessados em alimentar rivalidades étnicas e religiosas, algumas das quais degenerando em situações que beiram o genocídio, como ocorre com o povo Rohingya e com os uigures chineses.
Aparelhos burocráticos podem apresentar certa constância, mas governos mudam ao sabor das circunstâncias e nunca se sabe que tipo de gente e interesses podem manipular esse imenso poder sobre a circulação de informações. Quem acredita em censura do bem, esquece que boa parte da legislação usada pelos nazistas na Alemanha para reprimir as esquerdas tinha sido criada em governos encabeçados pelos social-democratas, uma década antes.
No Brasil, o simples fato de Jair Bolsonaro deixar de ser presidente já fez o país avançar 18 posições no ranking internacional de liberdade de imprensa. Por outro lado, a volta de Lula da Silva à presidência tem demonstrado que o Partido dos Trabalhadores segue preso a convicções ideológicas herdadas da Guerra Fria, produzindo alguns episódios internacionais constrangedores para um governo que se elegeu falando sem parar em democracia.
Durante os quase dois anos em que o mundo foi impactado pela pandemia de Covid-19, esses paradoxos entre novas tecnologias e qualidade da informação se intensificaram. Os governos usaram a pandemia para aumentarem seu controle sobre a informação, afetando diretamente a liberdade de expressão e a liberdade artística.
A pandemia também intensificou sentimentos xenófobos, já associados a migrantes fugindo de guerras e de pobreza, atribuindo-lhes o papel de vilões que transmitem a doença enquanto vagam pelo mundo. As campanhas atuais lembram aquelas conduzidas contra os judeus na Europa medieval. O medo das pessoas foi tão paralisante que poucos se preocuparam com os imigrantes com contratos temporários de trabalho vivendo em outros países, repentinamente confinados em alojamentos lotados e impedidos de partir. Lembremos: os canteiros de obra para a Copa do Qatar encabeçaram denúncias desse tipo.
Você pode fazer uma retrospectiva de todas as matérias publicadas por 1948 relacionadas à pandemia, clicando aqui, (a ordem de publicação é cronológica).
Em linha com os esforços para trazer as realidades da África para mais perto do nosso universo de conhecimentos, abordamos periodicamente a situação dos direitos humanos no imenso continente, com seus 54 países e a maior população jovem do planeta. É muita informação.
Nos últimos anos, destacamos a expansão de grupos jihadistas em diversos países, sobretudo na região do Sahel, mas também em Moçambique, com organizações que fazem do terrorismo sua forma de militância. Elas se dividem basicamente em duas correntes: os seguidores da Al-Qaeda, contrários a atos que tenham como alvo outros muçulmanos, e seguidores do Estado Islâmico, que não distinguem suas potenciais vítimas pela fronteira da religião.
Outro elemento que desponta é o uso do discurso anti-imperialista e antiocidental para, invocando a soberania nacional, recusar cobranças sobre violações de direitos humanos praticados por governos contra minorias, com destaque para a comunidade LGBT, a mais amplamente perseguida. Não por acaso, esses regimes fizeram movimentos de aproximação em relação à Rússia e à China. São regimes capazes de desafiar as pressões diplomáticas internacionais contra seus aliados, assegurando investimentos e, quando necessário, enviando milícias para dar sustentação aos governantes amigos – uma prática, aliás também exercitada por países ocidentais democráticos.
Direitos humanos são universais. Não podem ser violados em nome da cultura, das tradições ou da religião. Nos últimos anos, registramos violações incontáveis, espalhadas pelo mundo todo. Aguardemos os próximos cinco anos.
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