CENSURA NAS REDES: RÚSSIA IMITA A CHINA

 

Demétrio Magnoli

26 de agosto de 2019

 

A China tem, na sua “Grande Muralha virtual”, o maior e mais sofisticado sistema de censura das redes do ciberespaço. Agora, a Rússia de Vladimir Putin deflagra uma série de iniciativas destinadas a copiar o modelo chinês.

No último 27 de julho, mais de 1,3 mil manifestantes foram presos em Moscou durante um protesto contra o veto ao registro de candidatos independentes às eleições para o parlamento local, em setembro. O cerco às liberdades políticas na Rússia abrange os mais diversos campos do “mundo real”. O Kremlin controla com mão de ferro o Judiciário e os órgãos eleitorais, intimida a imprensa e reprime manifestações oposicionistas com violência crescente. O “mundo virtual” funciona como um dos últimos espaços abertos à divergência política. Por isso, tornou-se alvo do regime putinista.

Xi Jinping definiu o arcabouço conceitual do modelo chinês na segunda Conferência Mundial de Internet, evento promovido pela China, em 2015: “Devemos respeitar o direito de cada país de escolher independentemente o seu próprio caminho para o desenvolvimento cibernético”. O “caminho próprio” de Xi Jinping envolveu a edificação de uma internet nacional, fechada sobre si mesma, com conteúdos monitorados e censurados pelo Partido Comunista Chinês.

Censura nas redes: Rússia imita a ChinaA ChinaNet, para usar o termo cunhado pelo blogueiro Michael Anti, começou a ser construída no final da década de 1990, por meio do software “Escudo Dourado”, que propiciou a espionagem oficial de dados transmitidos pela internet e o bloqueio de endereços de IP e nomes de domínio. Em 2002, pela primeira vez, a China bloqueou o Google. Dois anos depois, o Google lançou a versão chinesa, autocensurada, de seu site e, mais recentemente, parece ter iniciado a construção do Dragonfly, um mecanismo de busca inteiramente adaptado ao padrão de censura do regime chinês.

Ao longo dos anos, os chineses aprenderam a utilizar as tecnologias de redes privadas virtuais (VPNs) e inúmeros atalhos criativos para circundar o bloqueio oficial. O contra-golpe de Xi Jinping veio em 2015, com o lançamento do “Grande Canhão”, um sistema capaz de detectar e substituir fluxos de dados que circulam pela rede. O novo software de censura revelou-se capaz de derrubar as VPNs que davam acesso a sites, blogues e redes “perigosos”. Ao mesmo tempo, o governo editou um conjunto de leis que criminalizam a publicação online de conteúdos “subversivos”

 

Putin, um aluno aplicado

“A internet tornou-se o principal campo de batalha na luta pela opinião pública”. O enunciado de Xi Jinping, proferido em discurso sigiloso que acabou vazando, de agosto de 2013, hoje serve como estrela-guia para o governo russo.

Censura nas redes: Rússia imita a China

Edifício da Duma, em Moscou. As leis de censura à internet foram aprovadas pela maioria parlamentar do partido Rússia Unida, de Putin

No início de março, a Duma (parlamento russo) aprovou duas leis gêmeas criminalizando “fake news” e “insultos” a autoridades, agências estatais, símbolos do Estado e à “sociedade”, na apropriadamente vaga definição legislativa.

Segundo as novas leis, que entram em vigor no início de novembro, cabe ao Roskomnadzor, órgão estatal de supervisão da mídia, a identificação das “fake news” e dos “insultos”. A legislação bloqueia caminhos alternativos. De acordo com ela, todos os sites da Web devem pedir registro no Roskomnadzor, sob pena de serem bloqueados no país.

As leis formam a pedra inaugural de um projeto muito mais ambicioso, apoiado sobre quatro pilares:

  • Proibição de VPNs. Uma lei, de julho de 2017, proibiu o uso de serviços de proxy, inclusive VPNs. A Anistia Internacional classificou a lei como “um golpe profundo sobre a liberdade da internet” na Rússia.
  • Banimento do Telegram. O ensaio geral deu-se em abril de 2018, quando a Rússia bloqueou o aplicativo, em represália à sua recusa de cumprir uma ordem judicial de oferecer aos serviços de inteligência acesso às mensagens criptografadas.
  • Internet Soberana. O projeto de lei, em tramitação, obrigaria o redirecionamento de todo o tráfego russo na rede por pontos controlados pelo Estado russo. Paralelamente, seria criado um Sistema de Nomes de Domínio nacional. Segundo Andrei Soldatov, analista russo de cibersegurança, “é um caminho para isolar a Rússia, como um todo, da internet”.
  • Alinhamento com a China. As ambições do regime chinês não se circunscrevem às fronteiras nacionais. Sob Xi Jinping, a China passou a organizar seminários internacionais sobre novas mídias e gerenciamento da informação. Tudo indica que altos funcionários da inteligência russa participam desses encontros. A projetada RUnet seria uma cópia adaptada da ChinaNet.
Censura nas redes: Rússia imita a China

Moscou, julho de 2017. Vladimir Putin condecora Xi Jinping com a Ordem de Santo André, criada por Pedro I, O Grande, em 1698

Putin invoca, em defesa da RUnet, um argumento de “segurança nacional”: o suposto risco de um ataque geral americano para derrubar a rede na Rússia. No debate parlamentar sobre as novas leis que restringem a liberdade de expressão na internet, o deputado oposicionista Sergei Ivanov desnudou as verdadeiras intenções do Kremlin: “Isso nada tem a ver com proteger a internet russa de ataques estrangeiros. Vocês sabem como funciona a internet chinesa – há uma lista de sites banidos que não podem ser acessados da China e uma lista de palavras-chave que não podem ser alvos de pesquisa. É o que vocês querem?”.      

Há uma triste ironia em tudo isso. Os serviços de inteligência russos notabilizam-se como centros de produção e difusão de notícias falsas destinadas a interferir em campanhas eleitorais nos EUA e alimentar as correntes da direita nacionalista na Europa. Contudo, o regime de Putin utiliza a expressão “fake news” como rótulo para sufocar a liberdade de expressão na internet russa.

 

 

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