LIBERDADE DE EXPRESSÃO, VÍTIMA DA PANDEMIA

 

22 de fevereiro de 2021

Na pandemia de Covid-19, em diversos países, a liberdade de expressão figura como vítima. Segundo relatório da Human Rights Watch (HRW), desde janeiro de 2020 pelo menos 83 governos utilizaram a pandemia como álibi para silenciar opositores e introduzir novos instrumentos para criminalizar a livre expressão. 

A HRW classificou os abusos estatais em cinco categorias principais: 

1. Agressões físicas contra jornalistas ou blogueiros que reportaram erros em políticas de combate à pandemia. Também se encaixam nessa categoria agressões contra manifestantes, oposicionistas e defensores de direitos humanos. Entre 18 países elencados, destacamos Venezuela, Cuba, África do Sul e Índia. 

2. Uso de leis e medidas aprovadas antes e durante a pandemia para prender e processar arbitrariamente críticos das respostas do governo à emergência sanitária. Esta categoria engloba 51 países, incluindo democracias consolidadas como a Austrália, mas destacam-se China, Rússia, Turquia, África do Sul, Egito e Nigéria. 

 

Fonte: Human Rights Watch, Covid-19 Triggers Wave of Free Speech Abuse, 11/2/2021

 

3. Uso de múltiplas ferramentas para censurar a cobertura da pandemia pelos veículos de imprensa e redes sociais. Esse tipo de abuso foi praticado largamente entre países asiáticos e latino-americanos, como evidencia o mapa oferecido pelo relatório da HRW. Destacamos: Brasil, China, Turquia, Egito e África do Sul.

 

Fonte: Human Rights Watch, Covid-19 Triggers Wave of Free Speech Abuse, 11/2/2021

 

4. Suspensão do direito a requerer e receber informações de saúde pública. Nove países incluem-se aqui: Brasil, Namíbia, Nigéria, Argélia, Quirguistão, Belarus, Hungria, Nicarágua e El Salvador. 

5. Proibição e repressão a protestos; uso de medidas de distanciamento social para encerrar manifestações, especialmente se críticas ao governo e não-relacionadas à condução da pandemia. Nove países se destacam: Cuba, Níger, Camarões, Uganda, Turquia, Ucrânia, Rússia, Hong Kong e Sri Lanka

A seguir, uma seleção dos países listados por abusos e violações à liberdade de expressão ao longo da pandemia de Covid-19. 

 

BRASIL

Sob a presidência de Jair Bolsonaro, o Brasil foi enquadrado no relatório da HRW entre as categorias de censura a veículos de informação e redes sociais e imposição de restrições ao acesso de dados públicos sobre a pandemia. 

Quanto à primeira categoria, o governo brasileiro tentou calar críticas à condução da pandemia utilizando a Lei de Segurança Nacional sancionada pela ditadura militar em 1983, solicitando à Justiça a prisão de jornalistas. Desde junho de 2020, a Polícia Federal abriu investigações contra pelo menos quatro críticos ao governo. O episódio mais notável é o processo contra Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo, por texto publicado quando o presidente foi contaminado pela Covid-19. 

As acusações mais recorrentes contra o governo Bolsonaro são de sabotagem contra as medidas anti-Covid-19, que têm motivado, inclusive, o coro de manifestações sobre suposto “genocídio” praticado pelo governo federal, em claro uso impróprio do termo. Além disso, o Ministério da Saúde, após duas trocas de ministros e já sob a gestão do general Eduardo Pazuello, chegou a suspender o acesso aos dados oficiais da pandemia em seu momento mais crítico, como tentativa de mascarar a evolução de óbitos e de contágios no país. 

 

RÚSSIA

O presidente Vladimir Putin utiliza a pandemia para robustecer seu aparato repressivo. Em julho de 2020, reduziu as restrições de circulação em Moscou mas continuou proibindo manifestações na capital sob pretexto sanitário.

Há poucas semanas, manipulando a emergência sanitária, o governo russo reprimiu violentamente os protestos contra a prisão arbitrária de Alexei Navalny, principal figura oposicionista. Houve prisões preventivas e ordens para a remoção das convocatórios nas redes sociais, sob o pretexto de evitar aglomerações.

O governo russo também aproveitou a pandemia para ampliar o controle sobre os imigrantes, especialmente quando vindos da Ásia Central,  recorrendo às novas tecnologia de vigilância social. O  pretexto: rastrear os contágios e obter maior eficácia das quarentenas.  

Trabalhadores da saúde têm reportado silenciamento sobre a situação da pandemia em hospitais, pondo em questão os números oficiais fornecidos pelo governo. O escopo da censura foi ampliado com a aprovação de uma lei contra “notícias falsas”, prejudicando relatórios independentes sobre a Covid-19. A nova lei estabelece sentenças de até cinco anos de prisão e multas vultosas, de até 23 mil euros, para acusados de difundir informações qualificadas como falsas pelo governo.

 

CUBA

O governo cubano encontrou, nas regulações contra a Covid-19, um álibi perfeito para assediar e prender dissidentes políticos que se opõem ao regime. Em 27 de novembro de 2020, as forças de segurança prenderam 14 críticos do governo, em Havana, alegando que um deles não teria realizado o teste para detecção da Covid-19 antes do início de uma manifestação.

Prisões de acadêmicos, artistas, defensores dos direitos humanos e estudantes não são novidade em Cuba. O que há de novo é o uso político da pandemia para expandir o arsenal jurídico contra críticos do governo. 

 

VENEZUELA

A crise política na Venezuela se estende há anos com enfrentamentos entre a ditadura chavista encabeçada por Nicolás Maduro e a oposição. A pandemia forneceu um novo pretexto para reprimir as vozes dissidentes e intensificar o controle à população. O governo, suas forças de segurança e as milícias que o apoiam já prenderam dezenas de jornalistas, trabalhadores da saúde, defensores dos direitos humanos e opositores políticos de Maduro. Os detidos estão sendo enquadrados em crimes de ódio extremamente vagos, ante um judiciário curvado à vontade do Executivo.

O controle estatal sobre a população se intensificou, especialmente contra trabalhadores da área de saúde. Eles estão proibidos de contestar os dados oficiais sob ameaça de duras penas, ao mesmo tempo em que Maduro ocupa os canais de TV para pedir palmas em homenagem aos “heróis da pandemia”. 

 

ÁFRICA DO SUL

A República Sul-Africana, principal democracia do continente, não tem escapado à adoção de práticas autoritárias durante a pandemia, especialmente contra jornalistas. O caso mais chamativo de atentado à liberdade de expressão foi o do jornalista Paul Nthoba, forçado a buscar refúgio no Lesoto após abordagem violenta da polícia.

O parlamento também aprovou uma lei contra a divulgação de notícias falsas sobre a pandemia, colocando em xeque qualquer contestação às informações oficiais do governo e levando à prisão jornalistas e pessoas comuns com a desculpa de combater a desinformação. 

 

EGITO

A ditadura militar de Abdel Fattah al-Sisi está usando a pandemia para expandir o escopo da Lei de Emergência, já suficientemente abusiva, ao invés de reformá-la e adequá-la às necessidades da emergência sanitária. Agora, por exemplo, uma lei contra notícias falsas sobre a pandemia impede críticas à condução da saúde pública, e permite reprimir os protestos organizados contra as restrições à circulação e contra prisões arbitrárias de opositores.  

 

TURQUIA

O regime autoritário comandado por Recep Tayp Erdogan é, atualmente, o que mais prende jornalistas no mundo. Com a pandemia, a vigilância sobre os veículos de comunicação e seus funcionários se intensificou. O governo tem aberto processos criminais contra usuários de redes sociais que discutem a pandemia online. De março a maio de 2020, 1.105 pessoas foram acusadas de fazer propagandas para organizações terroristas por compartilharem “posts provocativos sobre o coronavírus”. 

A Turquia também estabeleceu como alvos os médicos e pesquisadores em posição de destaque em conselhos, por seu suposto poder de difundir o pânico na população. As restrições à circulação são especialmente utilizadas para dificultar qualquer tipo de manifestação ou outras reuniões públicas. 

 

IRÃ

O Irã foi um dos países que assistiu, no início da pandemia, seu sistema de saúde colapsar rapidamente, isto após o regime dos aiatolás desdenhar da importância da nova emergência global em saúde. O início da pandemia foi marcado por médicos reprimidos por tornarem públicas as informações sobre a Covid-19 que contradiziam os anúncios oficiais.

Os jornais também foram alvos do governo quando, a pretexto de controle de contatos, baniu-se a impressão de todas as publicações jornalísticas. Mais grave ainda, em agosto de 2020 o Irã fechou o jornal Jahane Sanat por ter divulgado que os números divulgados pelo governo representavam apenas 5% da contagem verdadeira de casos e mortes pela Covid-19. 

 

CHINA

O país de origem do primeiro surto do novo coronavírus escondeu uma série de informações sobre a pandemia. Sob a ditadura do Partido Comunista Chinês, opositores e críticos foram detidos e silenciados pela vigilância chinesa. O governo bloqueou o trabalho de repórteres independentes para minimizar a real situação da pandemia e emplacar a narrativa de Xi Jinping de “história de sucesso da China” no combate à Covid-19. 

Desde muito antes da pandemia, a China opera um sistema complexo de censores da atividade da população na internet, que são responsáveis por bloquear o acesso a sites e informações consideradas ameaças ao poder do Partido Comunista. Na pandemia, a ação de censura se intensificou para controlar as informações sobre a Covid-19 nas redes sociais chinesas, incluindo o WeChat, principal aplicativo de mensagens instantâneas.

Os censores foram treinados para atuar como trolls da internet, agindo para desacreditar informações desfavoráveis ao governo, como as relacionadas a Li Wenliang, o médico que tentou alertar sobre o início da pandemia e cuja morte provocou uma onda de comoção nas redes sociais chinesas. A narrativa triunfalista do governo chinês assenta-se sobre o controle da informação e a censura àqueles que denunciam as falhas da condução da saúde pública e as violações aos direitos humanos praticadas sob o pretexto sanitário. 

 

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