Sob a pandemia, em 2020, as fronteiras do mundo fecharam-se diante dos refugiados. É esta a constatação principal do relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) publicado em junho de 2021.
A constatação não indica algum recuo nas tendências de crescimento da população global de deslocados à força dos seus lugares de residência. Pelo contrário: as guerras e conflitos internos continuaram a forçar milhões de pessoas a deixar seus lares, cidades e povoados. Contudo, a persistente tendência de alta manifestou-se pelo aumento do número de deslocados internos (IDP).
No final de 2020, contavam-se 48 milhões de IDPs, num total de 82,4 milhões de pessoas expulsas de seus lugares de residência.
Fonte: UNHCR, Global Trends in Forced Displacement – 2020
A Colômbia segue liderando a lista de países com mais IDPs, 8,3 milhões, um fruto amargo e persistente dos longos anos de uma guerra civil ainda não completamente encerrado. Na sequência, aparecem países destroçados por guerras civis ou conflitos armados internos: Síria (6,7 milhões), República Democrática do Congo (5,2 milhões), Iêmen (4 milhões) e Somália (3 milhões).
Mas a pandemia de Covid-19 trouxe, junto com o coronavírus, o pretexto perfeito para a xenofobia estatal. Em maio de 2020, 99 países haviam fechado inteiramente suas fronteiras para os refugiados. No final do ano, ainda contavam-se 63 países com fronteiras aferrolhadas. “A pandemia reduziu as possibilidades de movimentação, mas não encerrou as guerras, os conflitos, apesar dos pedidos de cessar-fogo do secretário-geral da ONU”, explicou Luiz Fernando Godinho, porta-voz do ACNUR no Brasil.
O fechamento de fronteiras refletiu-se em forte queda das chegadas de refugiados e demandantes de asilo. Globalmente, em relação às previsões anteriores, menos 1,5 milhão de pessoas atravessaram fronteiras em busca de segurança. Trata-se de uma brutal redução de quase 60%.
Regionalmente, as maiores reduções verificaram-se na África Meridional, em razão do fechamento de fronteira da África do Sul, e nas Américas, como resultado da radical política anti-imigração conduzida pelo governo de Donald Trump.
Mesmo assim, o estoque total de refugiados continuou a aumentar, passando de 26 milhões em 2019 para 26,4 milhões em 2020.
Na relação dos principais países de origem de refugiados, a Síria continua a ocupar uma triste primeira posição. Depois dela, surge o Afeganistão, onde a guerra torna-se ainda mais extensa e violenta, apesar do acordo de retirada das tropas dos EUA firmado com os insurgentes fundamentalistas do Talebã.
Quase todas as posições seguintes são ocupadas por países africanos submetidos a crônicos conflitos armados internos. A exceção é Mianmar, onde a campanha de limpeza étnica contra os muçulmanos Rohingya deslocou para Bangladesh mais de um milhão de pessoas. Da Venezuela, uma nação destroçada pela ditadura chavista de Nicolás Maduro, originou-se um fluxo de migração forçada de quase 5 milhões de pessoas.
Não se verificaram mudanças dramáticas no quadro dos países de destino. A Turquia segue funcionando como maior local de abrigo de refugiados da guerra síria, seguida de longe pela Alemanha.
A geografia define os maiores corredores de migrações forçadas. O Paquistão abriga a maioria dos refugiados oriundos do vizinho Afeganistão, enquanto o Sudão funciona como destino principal dos refugiados do Sudão do Sul e o Líbano dá guarida a mais de 850 mil refugiados sírios. Já a Colômbia e o Peru são os maiores destinos dos venezuelanos que não dispõem de meios para conseguir refúgio e tentar obter asilo nos EUA.
“As medidas para conter a Covid-19 tiveram impacto direto no funcionamento dos sistemas de refúgio em todo o mundo. O fechamento das fronteiras e as restrições de movimentos estão tornando mais difícil para as pessoas escaparem de guerras e da perseguição em busca de segurança”, constata o relatório.
O Acnur, uma agência da ONU, ancora-se em linguagem diplomática, evitando afirmar que os governos utilizam-se da crise sanitária como pretexto para sabotar os sistemas de refúgio. Há, porém, algumas exceções meritórias, entre as quais destaca-se Uganda. O país africano recebeu milhares de refugiados da República Democrática do Congo, simplesmente exigindo-lhes o cumprimento de quarentena.
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