ROHINGYAS, REFUGIADOS NA PANDEMIA

 

Elaine Senise Barbosa

10 de agosto de 2020

 

A pandemia da Covid-19 vem sendo usada em diversos países como pretexto para a perseguição de minorias, como os Rohingya. De modo geral, os alvos são imigrantes, transformados em bodes expiatórios e responsabilizados pela chegada e disseminação da doença. Nos EUA, Donald Trump aproveitou para restringir ainda mais as leis de imigração. Na Rússia, Vladimir Putin cerceia a entrada de imigrantes trabalhadores oriundos da Ásia Central. Em Cingapura, os alojamentos de trabalhadores imigrantes foram especialmente atingidos pelo vírus. 

Os refugiados, um tipo singular de imigrante, obrigados a deixarem seus países por razões diversas, vivem em campos nos quais as condições de vida já são normalmente duras. Deles, a pandemia cobra um preço avassalador. É o que acontece com o já sofrido povo Rohingya, minoria muçulmana de Mianmar.

Vistos como inassimiláveis, os Rohingya sofrem intensa perseguição xenófoba por parte do governo e de grupos ultranacionalistas incentivados por monges budistas. Há, inclusive, uma percepção cada vez mais disseminada entre especialistas jurídicos e organizações como a ONU de que o governo de Mianmar estimula o genocídio dos Rohingya. Para eles, o cenário tornou-se ainda mais sombrio desde o início da pandemia.

Cox's Bazar

Fonte: Al Jazeera

Transformados em apátridas, fugindo da violência organizada contra suas vilas, aproximadamente um milhão deles deixou o estado de Rakhine, em Mianmar, rumo à vizinha Bangladesh, em 2017. De lá para cá, cerca de 850 mil vivem apinhados nos acampamentos de Cox’s Bazar, sem perspectiva de retorno. Agora, durante a pandemia, o sinal de internet foi cortados nos campos, dificultando o acesso à informação. 

A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) estaria obrigada a tomar posição sobre a tragédia humanitária – mas prefere o silêncio. As denúncias são sobre maus-tratos e tráfico de refugiados Rohingya. Os integrantes da ASEAN traem seu compromisso nominal com os direitos humanos ao curvarem-se à soberania territorial de Mianmar e de Bangladesh.

 

Entregues à própria sorte

Os 26 quilômetros quadrados de Cox’s Bazar estão divididos em 34 campos, que dependem basicamente de ajuda da ACNUR, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) e outras ONGs. Agora, com as dificuldades de deslocamento entre países provocada pela pandemia, essa ajuda foi significativamente reduzida. Os Rohingya dependem da distribuição de água potável, alimentos e combustível – isso significa horas aguardando em filas, onde a aglomeração é inevitável. E cada pessoa recebe apenas 11 litros de água por dia, o que impede lavar as mãos o tempo todo. Outro grave problema é a própria comunicação, pois a maioria é analfabeta e não tem noção da dinâmica do vírus ou como ele se espalha – e, portanto, não sabe como se proteger.

Como explica o bengali George Mithu Gomes, responsável pelos programas da ONG Word Renew: “Deveriam ser realizados testes e controles, e criadas estruturas e locais para quarentena.(…) Nessas precárias condições de vida, não é possível controlar a infecção e o contágio poderia se espalhar rapidamente nos 34 campos de refugiados.” Os Rohingya sabem que se encontram numa encruzilhada mortal: “Nos campos não recebemos os cuidados médicos adequados: se o vírus chegar, morreremos sem tratamento”, diz Mahammod Jubiar, 65 anos.

O MSF relata a queda do número de pessoas atendidas diariamente nos postos dos acampamentos, algo como 100 para 30. Boa parte desses pacientes apresentam dois tipos de problemas: infecções respiratórias e feridas que precisam de curativos trocados regularmente. Sem ajuda, essas pessoas se tornam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Com a chegada das chuvas torrenciais de monções, no verão do hemisfério norte, aumentaram os riscos de surtos de doenças transmitidas pela água, como o cólera.

Rohingyas-feira

Um dos 34 acampamentos de Cox’s Bazar

 

Outra dificuldade que tem sido relatada pelas pessoas que trabalham com os refugiados em Cox’s Bazar é o pavor que muitos deles têm de fazer o teste de Covid-19, por medo de serem enviados para Bhashan Char, no caso de resultado positivo. Bhashan Char é uma ilha artificial que vem sendo preparada pelo governo de Bangladesh para receber os Rohingya, isolando-os mais ainda. O trauma das violências sofridas torna difícil confiar em estranhos.

O vírus tem facilitado a vida dos traficantes de seres humanos, devido à menor fiscalização nos portos e embarcações. Eles retomaram as operações com os Rohingya, que pagam no mínimo US$ 3.500 para serem levados em barcos frágeis até a Malásia, a Tailândia ou outras nações vizinhas do Sudeste Asiático.

O número de naufrágios dessas armadilhas flutuantes é elevado. Só que a muçulmana Malásia, que anteriormente fazia um discurso mais acolhedor em relação aos refugiados, agora usa a pandemia como pretexto para não recebê-los. Há poucas semanas, uma faixa anti-Rohingya foi afixada em frente a uma mesquita, mostrando que a fé compartilhada também pode ser seletiva e intolerante, em nome do medo do contágio.

 

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