O Direito Internacional os classifica como “deslocados internos” (internally displaced persons, ou IDP). Eles não são, precisamente, refugiados, pois vivem dentro das fronteiras de seus países. São vítimas de conflitos armados, violência generalizada ou catástrofes naturais que, expulsas de seus locais de residência, sobrevivem em campos oficiais de deslocados, sob a proteção de terceiros ou em lugares improvisados. Atualmente, segundo estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), são quase 40 milhões, mais que a população canadense.
Os deslocados distribuem-se em 31 países. Na sua maioria, encontram-se na África e no Oriente Médio. Mas o país com o maior número de deslocados é a Colômbia, à frente da Síria e da República Democrático do Congo. Na Europa, destaca-se a Ucrânia, com mais de 1,8 milhão de IDPs.
A guerra civil está na raiz dos maiores deslocamentos internos de populações. Os mais de 7,7 milhões de deslocados colombianos, cerca de 15% da população, fugiram de suas cidades e povoados durante o longo conflito entre o Estado e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que se estendeu entre 1964 e 2017. A imensa maioria dos IDPs colombianos fugiram da violência em áreas rurais para se abrigarem na relativa segurança das principais cidades do país.
A guerra civil síria, que se transformou em guerra regional, provocou não apenas o maior deslocamento migratório internacional desde a Segunda Guerra Mundial como também dramáticos deslocamentos internos. O conflito iniciou-se em 2011 e, em 2014, contavam-se mais de 7,6 milhões de IDPs. Segundo estimativas, em março de 2015, quase 11 milhões de pessoas, perto de metade da população síria, haviam fugido de seus lares.
A República Democrática do Congo conhece crônicos conflitos armados internos desde a Primeira Guerra do Congo (1996-1997), que provocou a queda da longa ditadura de Mobutu Sese Seko e a ascenção do regime de Laurent Kabila e, após seu assassinato, de Joseph Kabila. Uma Segunda Guerra do Congo (1998-2003) entrelaçou-se com o conflito regional do Ituri, iniciado em 1999, e foi seguida pelo conflito do Kivu, iniciado em 2004, no extremo leste do país.
As violências nas faixas de fronteiras com Ruanda, Burundi e Uganda prosseguem até hoje. O número de deslocados reduziu-se para cerca de 2,2 milhões em 2016, mas saltou para mais de 4,3 milhões em 2017. Os grupos armados são financiados pelo controle sobre minas exportadoras de minérios utilizados na fabricação de celulares e outros equipamentos eletrônicos.
Na África, Sudão, Sudão do Sul, Somália, Etiópia e Nigéria destacam-se como focos de vastos deslocamentos internos. Em todos esses casos, os IDPs são vítimas de tragédias humanas.
No Sudão, as violências generalizaram-se pelo entrelaçamento da segunda guerra civil (1983-2005) com a Guerra de Darfur, iniciada em 2003, que se transformou em vasta operação de limpeza étnica contra os não-árabes da região ocidental sudanesa. O Sudão do Sul nasceu da partição do país, em 2011, mas uma guerra civil o conflagrou dois anos depois, gerando ondas de refugiados e maciços deslocamentos internos.
As instituições centrais de Estado desapareceram, na Somália, em 1990. De lá para cá, o país atravessa uma guerra civil incessante, pontuada por períodos de intensificação de hostilidades. Um desses períodos iniciou-se, no sul, em 2005, provocando deslocamentos internos maciços.
Forças quenianas e, em seguida, forças multinacionais da União Africana permitiram o estabelecimento de um governo federal em 2012. Contudo, o governo não controla a Somalilândia, no norte, e vastas porções do território meridional nas quais operam os jihadistas do Al-Shabab e outros grupos controlados por senhores da guerra regionais.
Na Etiópia, pelo contrário, a fuga em massa de populações de suas áreas de residência é um fenômeno recente, derivado de conflitos étnicos que se iniciaram no final de 2016. Os choques entre os Oromo, maior grupo étnico do país, e os somalis, no leste, foram seguidos por choques entre os Oromo e os Gedeo, no sudoeste, junto às fronteiras do Sudão do Sul, em 2018. Nos dois casos, a violência tem suas raízes na política etnicista do primeiro-ministro Abiy Ahmed, que firmou um pacto com milícias nacionalistas e supremacistas, especialmente a Frente de Libertação Oromo.
Campo de deslocados Konduga, em Maiduguri, no nordeste nigeriano, em 2015
O deslocamento interno de populações na Nigéria é um fenômeno agudo, mas praticamente confinado ao norte muçulmano do país. Naquela região, a insurgência jihadista do grupo Boko Haram aterroriza os civis e provocou, desde 2014, a fuga de mais de 2,3 milhões de pessoas de suas cidades e povoados. Ao longo de 2018, as forças governamentais retomaram o controle da maior parte das áreas no nordeste, onde operam as milícias jihadistas. Contudo, a estabilização ainda parece distante, devido à corrupção generalizada nas instituições políticas e entre os comandos militares.
No Oriente Médio, além da Síria, Iraque e Iêmen destacam-se na paisagem global dos deslocamentos internos. O Iraque é palco de intensos conflitos armados desde a Guerra do Golfo (1991). A violência interna agudizou-se após a ocupação americana, em 2003, e assumiu dimensões catastróficas com a insurgência do grupo jihadista Estado Islâmico no norte do país, entre 2014 e 2017. A população de deslocados internos saltou de 954 mil em 2013 para mais de 4,4 milhões em 2015. Depois, com a derrota do Estado Islâmico, centenas de milhares de IDPs conseguiram retornar às suas cidades e povoados.
Já no Iêmen, a crise dos refugiados foi desencadeada pela guerra civil que começou em 2015, envolvendo o governo central e os rebeldes xiitas Houthi. O governo tem o apoio da monarquia saudita, que mantém uma campanha militar no país vizinho. Os Houthi contam com o apoio financeiro e militar do Irã.
O Afeganistão experimenta conflitos armados internos desde a tomada do poder pelo Talebã, organização jihadista que se associou à Al-Qaeda e ofereceu proteção ao líder terrorista Osama Bin Laden. A derrubada do Emirado Islâmico, por forças dos EUA em alianças com grupos armados locais, em 2001, deflagrou uma segunda fase da guerra, que prossegue até hoje. O forte aumento recente da massa de deslocados reflete o avanço da guerrilha do Talebã em diversas frentes de combate.
Mianmar é um caso à parte. Não há, no país, uma guerra civil, mas um programa de limpeza étnica conduzido pelos militares contra os Rohingya, minoria étnica de religião muçulmana. A perseguição generalizada acentuou-se em 2011, quando sucessivos massacres provocaram a desaparição de povoados inteiros. Numa triste ironia, a transição democrática no país, que permitiu a ascensão da dissidente Aung San Suu Kyi à chefia do governo, não interrompeu a criminosa campanha militar.
Distribuição de ajuda humanitária a deslocados internos por conflitos armados em Marawi, Mindanao, em 2017
Dos mais de 600 mil refugiados internos nas Filipinas, a maioria foi vítima de catastróficos desastres naturais como ciclones, tsunamis, inundações e terremotos. Desde 1990, o país sofreu 565 desastres naturais que mataram quase 70 mil pessoas e desabrigaram milhões. Conflitos armados desempenham papel secundário, mas não insignificante, nos deslocamentos forçados de populações. Na ilha meridional de Minadanao, em especial, forças do governo central mantêm uma guerra de baixa intensidade com grupos separatistas muçulmanos e, paralelamente, com uma organização jihadista.
Na história europeia recente, as guerras civis na antiga Iugoslávia detonaram crises dramáticas, que produziram centenas de milhares de refugiados e deslocados internos. A Sérvia ainda registra mais de 250 mil IDPs e a Bósnia, mais de 150 mil. Contudo, o caso mais agudo é o da Ucrânia, com 1,8 milhão de deslocados internos.
A crise ucraniana começou com a intervenção da Rússia no leste ucraniano, em represália à revolução popular de fevereiro de 2014, que derrubou o governo pró-russo. Nas áreas orientais do país, onde a língua russa é majoritária, forças especiais russas apoiaram milícias separatistas que estabeleceram um governo de facto sustentado por Moscou. O conflito, que permanece latente, provocou a fuga de centenas de milhares de pessoas de língua ucraniana.
Globalmente, no final de 2017, o ACNUR registrava a existência de 19,9 milhões de refugiados e 39,2 milhões de de IDPs. A população do planeta dos deslocados internos é cerca de duas vezes maior que a do planeta dos refugiados. Como regra geral, os IDPs são ainda mais vulneráveis que os refugiados. De um lado, eles não possuem recursos financeiros para a aventura da emigração. De outro, não podem contar com a proteção, ainda que precária, oferecida por tratados internacionais e tribunais de Estados estrangeiros.
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