TRUMP USA COVID CONTRA OS IMIGRANTES

 

Elaine Senise Barbosa

19 de outubro de 2020

 

Donald Trump é responsável por transformar a pandemia de covid-19 em instrumento de guerra à imigração. Além de usar brechas da lei para autorizar a expulsão sumária de pessoas capturadas cruzando a extensa fronteira com o México, o presidente dos EUA não fez um único gesto para tornar os centros de detenção para onde os imigrantes devem ser obrigatoriamente encaminhados em lugares menos insalubres e hostis, como denunciam há muito os detidos e deportados.

Acabam de sair os números consolidados do Departamento de Imigração e Cidadania dos EUA referentes ao ano de 2020 e sua análise indica um tratamento que chega a ferir os direitos humanos dos imigrantes retidos, majoritariamente pessoas obrigadas a saírem de seus países na América Central por questões de segurança, e não criminosos, como já acusou o presidente Trump.

Na realidade, o verdadeiro “crime” é o tratamento dispensado pelo Estado americano às pessoas sob sua custódia. A separação de famílias e o desamparo de menores nos centros de detenção pareciam o ápice da política de hostilidade, mas a pandemia piorou tudo e transformou o medo em pânico entre os presos, que esperam os dias passarem na expectativa de serem deportados ou conseguirem dar entrada ao pedido de residência, mas que, agora, temem sobretudo o contágio e a morte. 

Crianças presas na ICE

Crianças e adolescentes, já separados de seus pais, agora correm o risco de serem contaminados pelo coronavírus

O candidato à reeleição aposta nesse horror para cativar o eleitorado mais xenófobo e nativista que integra parte de sua base de apoio. O uso da pandemia de Covid-19 ao mesmo tempo como arma (contra os imigrantes) e escudo (pelo fechamento das fronteiras) reacende o velho discurso chauvinista que encontra eco em parte do eleitorado republicano.

 

Em nome da “saúde pública”

De olho na reeleição, Trump já vinha radicalizando desde o ano passado a política de fechamento aos imigrantes. A pretexto da pandemia, em abril, o governo bloqueou a entrada de novos imigrantes negando qualquer processo de aquisição de documentos, ao mesmo tempo em que intensificou as ações para detenção e deportação de ilegais. Na pandemia, o argumento da concorrência no mercado de trabalho rapidamente conquista apoio junto ao eleitorado mais pressionado pela desindustrialização.  

A ironia amarga é que a lei que confere poderes excepcionais aos presidentes para decidir sobre imigração foi estabelecida em 1965, substituindo a famosa “lei de cotas” de 1924, e tendo como horizonte a defesa dos direitos humanos que os Estados Unidos desejavam representar na época da Guerra Fria. O direito do presidente da República decidir sozinho, em caráter de urgência, pensado para situações como as crises de refugiados cubanos ou vietnamitas, transforma-se em ferramenta da “guerra à imigração”.

Agora, a pandemia fornece um pretexto perfeito. Em nome da “saúde pública”, Trump fechou completamente o país. O resultado tem sido a captura e deportação imediata de migrantes para pequenas vilas na fronteira com o México, sem nem sequer passar pelos centros de detenção onde os candidatos poderiam registrar seus pedidos e abrir processos de imigração. “Chegam entre 70 e 80 por dia. Pode ser a qualquer hora, mas a maioria é expulsa de madrugada”, disse a uma reportagem da AFP, o encarregado de dar assistência aos imigrantes em uma dessas vilas.

 

Contágio explosivo

De acordo com relatório do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos sobre as detenções nos edifícios da Agência de Imigração e Alfândega (ICE), em 20 de abril havia 220 pessoas contaminadas, número que saltou para 1.312 em 26 de maio: um crescimento de 496% em quatro semanas. Enquanto isso, em meados de março o governo federal deu início às deportações sumárias, que o jornal  The Washington Post denunciou já haver atingido a marca de dez mil pessoas no início de abril.

Os números divulgados escancaram a alta taxa de contágios do coronavírus entre os imigrantes presos e o descaso do governo americano para com a saúde e a vida dessas pessoas. As informações sobre a pandemia ou orientações de prevenção ou equipamentos de proteção são escassas; os recém-chegados não são triados a fim de separar possíveis contagiados. Há relatos de pessoas passando muito mal durante horas sem atendimento algum exceto a ajuda dos companheiros de infortúnios nas celas abertas e geladas. Nos lugares onde ocorre isolamento, é porque existem solitárias minúsculas nas quais o doente é deixado à própria sorte.

Os detidos ouvidos em diversas reportagens, latino-americanos de origens diversas, incluindo brasileiros, são unânimes em denunciar maus-tratos e nenhum cuidado organizado pelas autoridades para evitar o contágio. Pelo contrário, existe uma luta constante para se conseguir itens básicos como máscaras ou lavagem de lençóis. Tais dificuldades evidenciam a intenção de fazer da pandemia um elemento de dissuasão para quem pretende cruzar as fronteiras ilegalmente.  

Para o padre Francisco Javier Calvillo, diretor da Casa do Migrante de Ciudad Juárez (México), um dos pontos mais procurados para cruzar a fronteira, a expulsão de imigrantes nessas condições é uma violação de seus direitos humanos, já que são enviados a um lugar remoto, em meio a uma pandemia, sem medidas sanitárias por parte de nenhum dos dois países.

 

Brasileiros na lista 

A emigração de brasileiros para os Estados Unidos tem crescido ano após ano. Em 2016 eram estimados em 1,2 milhão pela organização Migration Policy Institute, entre os quais de 250 mil a 400 mil estariam com documentação irregular. Apenas neste último ano, 20 mil brasileiros teriam cruzado a fronteira irregularmente, dos quais cerca de 7,6 mil foram detidos pelos guardas de fronteira. Segundo Mark Morgan, chefe do Controle de Fronteiras, os traficantes de pessoas passaram a ver os brasileiros como um mercado amplo e lucrativo a ser explorado, inclusive devido ao aumento de restrições governamentais impostas a pessoas procedentes do Brasil.

Em janeiro de 2020, antes da pandemia chegar ao continente americano, os brasileiros foram incluídos nas mesmas regras que determinam remoção automática para o México de todos os imigrantes indocumentados, onde deverão permanecer enquanto aguardam seus pedidos de residência serem avaliados e concluídos.    

Há mais. O governo americano foi autorizado pelo governo brasileiro a enviar ao Brasil aviões fretados com deportados. De fato, eles foram quase os únicos voos operados pelo aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, enquanto os voos comerciais entre os dois países conheceram brusca redução. De outubro de 2019 até agora, foram 20 voos fretados de deportação para o Brasil, sendo 15 deles depois de março, quando a pandemia estava declarada e a recomendação geral de médicos e agentes públicos era evitar viagens não essenciais.

Sem ligar o nome à coisa, o responsável do governo americano comemorou a  expressiva queda no número de pessoas indocumentadas detidas na fronteira com o México. O inferno é uma promessa – eis a mensagem dos EUA de Trump aos que sonham com a “nação de imigrantes” simbolizada pela Estátua da Liberdade.  

 

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