O aniversário de 80 anos da Organização das Nações Unidas, celebrado em 26 de junho, passou despercebido, possivelmente um reflexo da crise existencial que marca hoje a octogenária instituição. A criação da ONU, em 1945, foi uma iniciativa de 50 países, hoje somam 193. Contudo, apesar da representatividade, o prestígio da instituição nunca foi tão baixo.
A Organização das Nações Unidas não é um “governo mundial”. A ONU representa a defesa da racionalidade sobre a força no campo da política internacional. Sua existência pressupõe o compromisso dos Estados membros em aceitarem negociar coletivamente seus interesses a fim de evitarem a postura beligerante. Sem o envolvimento ativo dos governos nacionais com as decisões da Assembleia Geral, a ONU se enfraquece.
Nos últimos anos, a ascensão de líderes populistas e autoritários tem agravado a instabilidade internacional. Com frequência eles atacam o “globalismo”, que tem na ONU um símbolo, e promovem relações diplomáticas bilaterais. Essa ação contraria um dos fundamentos da ordem internacional do pós-guerra, o multilateralismo. Estudiosos responsabilizam o bilateralismo por muitos dos problemas concorrenciais que desencadearam as duas Guerras Mundiais.
O multilateralismo, ou seja, o princípio de regras comuns para todos os membros a fim de evitar a competição violenta, é um dos objetivos da ONU. Ali representantes de todos os países buscam entendimentos amplos. E se na origem a preocupação residia na regulamentação do comércio internacional, rapidamente tornou-se um espaço de representação política igualitária para todos os países do mundo.
Na Conferência do Atlântico (1941), o presidente F.D. Roosevelt anuncia ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill que o apoio dos EUA só aconteceria mediante a perspectiva de uma nova ordem mundial. Ali a ideia da ONU começou a ganhar corpo.
Criada em junho de 1945 durante a Conferência de São Francisco, a Organização das Nações Unidas corporificava a nova ordem mundial desenhada pelos Estados Unidos, naquele momento o único Estado com poder nuclear. A nova ordem trouxe uma mudança de paradigma sobre como as relações internacionais funcionavam (o “realismo” europeu) e como deveriam funcionar dali em diante (o “idealismo” americano).
Tendo a ONU como local centralizado da diplomacia mundial, os EUA e seus “Quatro Policiais” exerceriam um papel de guardiões da ordem internacional, com intervenções militares se necessário, em nome da paz mundial. Esses países formaram o Conselho de Segurança (CS).
Composto por Estados Unidos, Reino Unido, França, União Soviética/Rússia e China, os detentores do poder de veto, na prática, as ações do CS costuma ser neutralizadas pelos interesses e alianças desses “policiais”. Em 1945, a novidade na geopolítica planetária era a bomba atômica, uma tecnologia que tornou os Estados mais cuidadosos com a estabilidade internacional. Nesse sentido, o poder de veto permitia o teatro do enfrentamento entre EUA e URSS, ao mesmo tempo que evitava o confronto direto entre as superpotências.
“O veto havia sido concebido em Yalta para garantir que os interesses dos membros permanentes do Conselho de Segurança fossem sempre protegidos, e as superpotências estavam mais do que dispostas a exercer esse privilégio.”(Foreign Affairs)
De acordo com o documento assinado na cidade de São Francisco em 26 de junho de 1945, a nova entidade seria organizada a partir de seis órgãos:
À exceção do Tribunal Internacional de Justiça, instalado na cidade de Haia, nos Países Baixos, os demais órgãos estão reunidos em Nova York, onde fica o edifício-sede da ONU.
Vista aérea da sede da ONU em Nova York
Para viabilizar as ações de assistência humanitária, compromisso fundamental assumido a partir da aprovação, pela Assembleia Geral, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, foram criadas ou incorporadas as seguintes agências:
Delegação brasileira na Conferência de São Francisco. Destaque para a ex-deputada federal Bertha Lutz, figura de proa no movimento feminista no país, trabalhou pela inclusão da igualdade de gênero na Carta da ONU.
Os custos da ONU
Os custos para financiar essa estrutura e, ainda mais, para a execução do trabalho humanitário, são imensos. Em 2024, 323,4 milhões de pessoas dependiam de assistência em todo o mundo. A ONU calculou que precisaria de US$ 49,6 bilhões de dólares para atendê-las. Recebeu 21,2 bilhões de dólares.
Em tese, os membros da ONU pagariam cotas à instituição, proporcionais aos recursos de cada um. Na prática, por razões diversas, muitos Estados não pagam ou pagam às vezes, deixando que os Estados Unidos arquem com a maior parte das despesas. Os atrasos ou não-pagamentos praticados por alguns países tornou-se um ponto de tensões entre os membros, com representantes dos EUA reclamando que pagam a conta para serem criticados.
Com a volta de Donald Trump à presidência dos EUA e de seu movimento nacional populista (MAGA), a orientação isolacionista ganha força no governo e o multilateralismo da ONU é tratado com hostilidade. Cortar os financiamentos para a ONU pode levar a entidade à semi-paralisia. O fim da USAID mostra que o perigo é real. Trump não vê problema em destruir o edifício institucional construído pelos EUA depois de 1945, ele não entende seu significado.
A virada do milênio começou com os ataques terroristas contra alvos nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Espanto mundial! “Guerra ao Terror”! Era a “Doutrina Bush” surgindo com o argumento segundo o qual a destruição do inimigo era questão de sobrevivência nacional e, portanto, justificava-se o atropelo das leis. Por isso, quando o Conselho de Segurança da ONU não quis se engajar numa ação militar, cujo governo do Taleban era acusado de proteger os responsáveis pelos atentados, incluindo Osama Bin Laden, o governo dos Estados Unidos forjou uma aliança militar anti-jihadista, a Aliança do Norte, e partiu para a guerra em outubro de 2001.
Quando a atual Guerra da Ucrânia começou, com a invasão russa em 21 de fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança chamou uma reunião de emergência. A agressão foi condenada, mas a Rússia, que naquele momento presidia o CS, vetou qualquer ação. A partir de 2023 repetiu-se a completa inação do CS no caso da Guerra em Gaza, sobre a qual não se obteve nenhuma sanção contra Israel, sempre vetadas pelos EUA.
E os recentes ataques dos EUA às instalações nucleares do Irã, ignorando as regras e o propósito do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), balançam outro pilar da ONU. Quando o representante russo afirmou que o ataque americano é um convite ao abandono do TNP, a ordem geopolítica que a ONU representa se torna ainda mais frágil.
A imagem da Assembleia Geral da ONU, onde todos os países tem direito igual a voz e voto, representa o ideal de uma ordem internacional democrática e menos conflitiva.
Todos os atores políticos envolvidos reconhecem o desgaste da organização. Os críticos acusam a organização de ser dispendiosa e excessivamente politizada. Os defensores propõem uma nova arquitetura institucional capaz de atualizar as relações de força no cenário internacional, a começar pela composição do Conselho de Segurança.
O trabalho humanitário promovido pelas agências da ONU tornou-se vital para milhões de pessoas ao redor do mundo, especialmente a distribuição de alimentos e a oferta de saúde básica, incluindo vacinação.
No mundo interconectado do século XXI, a ONU continua a oferecer um espaço para o diálogo e a cooperação entre os Estados em questões de ordem global e onde o menor Estado pode fazer ouvir a sua voz. Especialmente, continua sendo um lugar onde os piores inimigos podem sentar-se à mesma mesa, o que o torna fundamental.
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