ISRAEL BANE A UNRWA

 

Elaine Senise Barbosa

11 de novembro de 2024

 

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e seu governo dominado pela extrema-direita parecem pouco interessados em manter um mínimo de respeito às leis de guerra e às leis humanitárias, muitas das quais criadas exatamente para combater violações de direitos humanos experimentadas pelo povo judeu durante séculos. É cada vez mais evidente que Netanyahu cede aos apetites expansionistas dos partidos ultranacionalistas em troca de evitar eleições gerais antecipadas e correr o risco de perder o cargo e sair preso. Tudo é permitido, inclusive entrar em conflito aberto com a ONU e suas agências.  

Há duas semanas, em 28/10, o Parlamento de Israel aprovou uma lei que proíbe a Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA) de operar em Israel e uma outra, proibindo qualquer contato de autoridades israelenses com seus representantes. Na prática revogou-se o acordo, firmado em 1967, pelo qual a agência podia prestar auxílio a refugiados palestinos em territórios sob controle de Israel. Foram 92 votos a favor e apenas 10 contrários à decisão que tornará ainda mais difícil a chegada de ajuda humanitária aos civis palestinos.

Na guerra em Gaza, o número de mortos já atinge a marca de 50 mil, em sua maioria civis. A guerra de vingança não trará de volta as 1,2 mil vítimas israelenses assassinadas pelo Hamas em 7 de outubro do ano passado.

Cartaz Unrwa=Hamas

Manifestação da extrema-direita israelense contra a UNRWA

A decisão de banir a UNRWA não chega a ser surpreendente, pois há anos Israel acusa a agência de oferecer suporte ao Hamas, tendo inclusive apresentado queixa contra a organização junto à ONU. De fato, poucos meses após o início da guerra contra o Hamas alguns funcionários da organização foram apontados como integrantes do grupo terrorista palestino e a ONU foi obrigada a abrir investigações, ainda não concluídas.

Contudo, a acusação recai sobre 12 pessoas, desde então afastadas de suas funções, enquanto a UNRWA conta com 30 mil funcionários no total, sendo 13 mil só na Faixa de Gaza. Certamente é mais do que um arroubo retórico a declaração de Boaz Bismuth, membro do Likud, o partido de Netanyahu, e autor do projeto de lei aprovado: “Qualquer um que se comporte como terrorista não tem direitos em Israel… UNRWA é igual a Hamas, ponto final”. Lembra bastante a tática de gritar “antissemita” toda vez que se cobra do governo israelense um maior compromisso com as leis de guerra e o direito humanitário.       

O suíço Philippe Lazzarini, responsável pela agência humanitária, negou a associação com o grupo terrorista, ao mesmo tempo em que acusou o governo de Israel de violar o direito internacional e promover uma campanha para desacreditar a organização. Lazzarini lembrou que a UNRWA perdeu 233 funcionários no ataque terrorista de 7 de outubro de 2023.

Philippe Lazzarini, diretosrda UNRWA

Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da UNRWA

“Essas ações não são, como alegado, sobre a neutralidade da UNRWA, ou sobre seu trabalho humanitário. Elas são sobre a proteção da UNRWA do status dos refugiados palestinos. Elas buscam minar unilateralmente uma solução política futura e contrariam decisões da Corte Internacional de Justiça e resoluções da ONU. Elas são uma afronta à própria noção de estado de direito. Para ser claro, o objetivo aqui é tanto legalmente errado quanto factualmente mal concebido. Os direitos dos refugiados palestinos, incluindo o direito de retorno, foram estabelecidos em uma resolução da Assembleia Geral da ONU que antecede a criação da UNRWA e, portanto, permaneceriam em sua ausência, assim como os campos de refugiados de Gaza e da Cisjordânia.”

O Departamento de Estado dos EUA manifestou forte preocupação frente ao banimento das atividades da UNRWA, uma vez que a entidade “desempenha um papel insubstituível na prestação de assistência humanitária”, principalmente nas condições atuais da crise na Faixa de Gaza e, agora também, na Cisjordânia.   

 

O que é a UNRWA?

A Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (em inglês, United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees) é a única que se dedica a um grupo específico de refugiados. Foi criada pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1949 para cuidar dos milhares de palestinos que tiveram de sair de suas casas após a criação do Estado de Israel, evento denominado nakba (“catástrofe”) pelos palestinos. A agência iniciou suas operações em 1º de maio de 1950.

Após ser atacada pelos árabes na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a península egípcia do Sinai, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, sob domínio da Jordânia, e as colinas sírias do Golã. Uma nova maré de refugiados surgiu e a ONU transferiu à UNRWA a responsabilidade de fornecer assistência básica para os deslocados, tanto nos territórios ocupados por Israel quanto nos países vizinhos (Jordânia, Líbano e Síria). Fora dessas áreas, refugiados palestinos são atendidos pelo ACNUR. Data dessa época o acordo que o parlamento israelense acaba de invalidar.

UNRWA predio destruido

Sede da UNRWA em Jabalia, o maior campo de refugiados em Gaza

A ONU reconhece os palestinos e seus descendentes como refugiados e, em razão da ausência de um Estado Palestino, o número de pessoas registradas pela UNRWA aproxima-se de 6 milhões. Isso significa que a própria agência, cujos funcionários são majoritariamente palestinos, também transformou-se numa organização complexa, que recebe ajuda financeira de vários governos e instituições, especialmente dos Estados Unidos. A instituição é comandada por um Comissário Geral, que se reporta diretamente à Assembleia Geral da ONU

Abrigo, alimentação, educação, assistência médica são oferecidos em dezenas de campos de refugiados, a partir dos quais surgiram muitas das cidades precárias que têm sido duramente bombardeadas na Faixa de Gaza. A agência, por exemplo, teve papel crucial na campanha de vacinação emergencial contra a poliomielite realizada em Gaza a partir de setembro deste ano e que acaba de ser concluída.

As duas leis de banimento proíbem operações da UNRWA em território de Israel, não nos territórios ocupados. Contudo, o fluxo de ajuda humanitária chega a Gaza e à Cisjordânia através de território israelense. Na prática, as leis tornam quase impossível a continuidade das operações nos territórios ocupados. Excluída a agência, quem prestará a ajuda humanitária?

  

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