UMA HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO NOS EUA – PARTE 5

 

6 de abril de 2020

Apresentamos a quinta e última parte da série sobre a imigração nos Estados Unidos, dividida da seguinte maneira: 1 – País de colonos ou país de imigrantes?; 2 – O perigo amarelo; 3 – Os mexicanos; 4 – A Era dos Direitos Humanos; 5 – Guerra às drogas e ao terror global.

 

GUERRA ÀS DROGAS E AO TERROR GLOBAL 

O esgotamento do sistema internacional da Guerra Fria, baseado na disputa armamentista entre duas superpotências, ficou evidente na Era Reagan (1981-1989), quando o então presidente dos Estados Unidos dobrou a aposta de investimentos em tecnologia militar desafiando a capacidade da União Soviética em se manter na disputa. Os soviéticos jogaram a toalha, o Muro de Berlim caiu e a URSS se desintegrou em 1991.

Nos Estados Unidos, os isolacionistas recuperaram o fôlego depois do período de alta dos direitos humanos. A prioridade que atribuíam ao controle das fronteiras contra imigrantes indesejáveis transformou-se em política de Estado com a “guerra às drogas”, lançada por Reagan no ocaso da Guerra Fria. Desde então, a criminalização dos imigrantes “hispânicos” – e, depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, islâmicos –  tornou-se a nota forte da melodia nativista. Imigrantes já não são apenas pessoas tentando refazer a vida, mas indivíduos aprioristicamente mal intencionados.

Na virada no milênio, os atentados da Al-Qaeda às Torres Gêmeas e ao Pentágono fizeram soar o alarme de autodefesa em um país traumatizado pelo ataque. O discurso anti-imigração ganhou força. Muitas das políticas da “guerra ao terror” adotadas pelo Estado depois do 11 de setembro reafirmaram medidas de restrição à imigração em curso desde os anos 1990 e, na verdade, misturaram os dois assuntos.

O fato da campanha à eleição presidencial de Donald Trump, em 2016, ter tido como temas centrais a repressão à imigração e a conclusão do muro na divisa EUA-México é a face mais visível desse discurso chauvinista e nativista que, se não chega a ser uma novidade na história dos EUA, poucas vezes ganhou tanto destaque na Casa Branca.

 

A “bomba populacional” e o neonativismo

No final dos anos 1960, as ideias neomalthusianas sobre o suposto descompasso entre o crescimento da população e a produção de alimentos voltaram a ganhar espaço e se tornaram um foco importante dos debates políticos da época. No mesmo período, o mundo despertava para a questão ambiental e os problemas decorrentes do modelo econômico da civilização industrial.

Nos Estados Unidos, teve grande impacto o livro A bomba populacional (The population bomb), de Paul R. Ehrlich, que alertava para o risco da fome em poucas décadas, caso o país mantivesse a tradição de receber vastas ondas de imigrantes. Ehrlich  argumentava que, além da falta de alimentos, outros recursos como água potável e reservas florestais seriam rapidamente comprometidos. O assunto chegou à opinião pública e, em 1969, o governo Richard Nixon instalou uma comissão para avaliar o problema; logo, a imigração ilegal tornou-se o foco do debate.

Reforçando essa tendência, as fortes oscilações econômicas da década de 1970, incluindo as crises do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar, produziram um declínio do crescimento no qual, mais uma vez, os imigrantes, sobretudo mexicanos, foram acusados de “roubarem nossos empregos”. E assim, nativistas e restricionistas, que vinham se articulando desde o final dos anos 1970 por meio de think tanks e publicações impressas, chegaram mobilizados aos anos 1990. O que distinguia essa nova geração era sua maior organização e capilaridade e, ao mesmo tempo, a preocupação em não parecerem xenófobos, racistas, ou mesmo… nativistas.

No bolso do colete, novos argumentos contra a imigração: o risco de perder o controle dos estados do sul. Para os mais delirantes, numa referência à região francófona canadense, a área poderia se tornar uma “Quebec norte-americana”. a paranoia derivava, em parte, do fato de que os trabalhadores mexicanos estavam se organizando na defesa de seus direitos trabalhistas. Num argumento paralelo, alegava-se uma “injustiça social” decorrente do uso dos serviços públicos de saúde, educação e transporte pelos imigrantes indocumentados, que não contribuíam com impostos para seu financiamento.  

 

A “guerra às drogas”

Os dois mandatos de Reagan foram um divisor de águas em muitos aspectos da vida norte-americana, especialmente no campo das políticas econômicas, com a introdução das reformas liberais preconizadas pela chamada Escola de Chicago.

Em relação ao tema da imigração, houve certa ambiguidade, pois se a Lei de Reforma e Controle da Imigração (IRCA), de 1986, deu um passo inédito ao regularizar a situação de aproximadamente 3 milhões de imigrantes indocumentados, a maioria de origem mexicana, a política de segurança nacional baseada na “guerra às drogas” não apenas reforçou o controle das fronteiras,como criminalizou de vez o imigrante, sempre suspeito de envolvimento com o narcotráfico.

Reagan & Nancy- guerra às drogas

Reagan na sua cruzada. Parte da justificativa para as operações militares na América Latina era a acusação de que as redes de narcotráfico financiavam as guerrilhas comunistas que, nos anos 1980, operavam em países da América Central mas também na Colômbia e no Peru 

Durante o governo Reagan foram estabelecidas centenas de “Diretivas para a Segurança Nacional” (National Security Decision Directive), entre elas a “guerra às drogas”. A ideia tinha sido originalmente lançada por Nixon, no início dos anos 1970. Mas, sob Reagan, combater o narcotráfico significava ir às fontes, aos países produtores de cocaína, combater os carteis em plena fase de expansão de atividades, cujo poder assentava-se sobre o mercado paralelo de lavagem de dinheiro.

De certo modo, os EUA lançavam uma nova versão da velha fórmula da Doutrina Monroe, usando o argumento da “guerra às drogas” para reafirmar sua hegemonia no Hemisfério Ocidental. Essa política justificou desde acordos milionários de enforcement local com o governo da Colômbia para combater os narcotraficantes até financiamentos ocultos na Nicarágua destinados ao armamento de guerrilhas contrarrevolucionárias na América Central. O fato é que, ao associar o narcotráfico à segurança nacional, tornava-se “natural” a autorização para o envolvimento do Exército em operações na fronteira destinadas a combater um novo inimigo da nação: as drogas.

 

Nova Ordem Mundial

A Guerra do Golfo (1991) e, meses depois, a derrocada da URSS, sinalizaram um ápice do poder geopolíticos dos EUA. O presidente George H. Bush, sucessor de Reagan, batizou o pós-Guerra Fria como Nova Ordem Mundial, enquanto o cientista político americano Francis Fukuyama anunciava o “fim da história”, com uma suposta vitória definitiva da democracia liberal.

Todavia, na contra-mão do coro dos contentes, as nações da antiga Iugoslávia e de Ruanda e Burundi se envolveram em dois inacreditáveis genocídios, na Bósnia e em Ruanda, demonstrando que, no vácuo político pós-Guerra Fria, o “passado” era um símbolo fácil de ser mobilizado para recriar identidades e fidelidades. E o que fizeram os EUA frente a essas tragédias humanitárias? Vacilaram muito antes de tomar atitudes tardias e essencialmente inócuas, enfraquecendo a liderança moral que um dia a superpotência reivindicara possuir em seu Destino Manifesto.  

O realinhamento externo, o fim do grande inimigo, a vontade de não exercer mais o papel de força intervencionista de primeira hora… Os Estados Unidos da virada do milênio vislumbravam o futuro mergulhando na quarta revolução tecnológica e impulsionando uma nova fase de expansão da economia mundial. Ao mesmo tempo, repensando a Nova Ordem Mundial, os estrategistas do Estado americano reformulavam o paradigma sobre “segurança nacional”, voltando-se essencialmente para o próprio território. E começaram alertando para a falta de controle na fronteira com o México…

 

Narcotráfico, o inimigo número um

George H. Bush assumiu a presidência dos EUA em 1989. Nos passos do antecessor, manteve o clima de histeria em torno da guerra às drogas, bem como o orçamento militar para vencê-la. Também assinou a reforma da lei da imigração de 1986, visando à regularização de um maior número de indocumentados. A Lei de Imigração e Naturalização (Immigration Act), de 1990, elevou o número de entradas para 700 mil imigrantes nos anos fiscais de 1992 a 1994, e 675 mil pessoas por ano a partir de 1995.

A lei preservava a preferência da reunificação familiar, mas criava vistos específicos para vínculos de emprego com vistas a beneficiar a mão de obra qualificada. Instituía o Programa de Vistos de Imigração para a Diversidade (Diversity Visa Lottery Program ou mais popularmente, Loteria do Green Card), cujo objetivo era equilibrar a distribuição de vistos em favor de imigrantes de países cujos cidadãos estavam sub-representados nos Estados Unidos, em avaliações revisadas quinquenalmente. As exigências de prova de escolarização e compreensão do inglês foram mantidas. Uma modificação pouco alardeada, mas histórica, foi o fim da discriminação aos homossexuais para a concessão de vistos.

Quanto à naturalização, a lei determinava que um oficial do Serviço de Imigração e Naturalização fizesse uma declaração formal aprovando ou negando os pedidos. Quem tiver o pedido recusado tem o direito de solicitar uma audiência de apelação com outro oficial de imigração e, ainda, apelar a um tribunal distrital. 

Charge: trafico na fronteira

Ao assinar a lei, Bush declarou: “A S.358 (classificação legislativa da lei) cumpre vários objetivos da minha administração contra drogas e crimes violentos. Especificamente, prevê a rápida deportação de estrangeiros que, por seus violentos atos criminosos, perdem o direito de permanecer neste país. Esses infratores, que representam quase um quarto da população carcerária federal, comprometem a segurança e o bem-estar de todos os residentes americanos. Além disso, o S.358 aprimora a capacidade deste governo de proteger a fronteira dos EUA, a linha de frente da guerra contra as drogas, esclarecendo a autoridade dos agentes da imigração e do Serviço de Naturalização de fazer prisões e portar armas de fogo.”

 

Uma nova era restricionista

Atentado WTC 1993

Garagem do World Trade Center após a detonação de uma caminhonete cheia de explosivos

A presidência de Bill Clinton (1993-2001) não tinha dois meses quando houve o primeiro atentado a bomba ao World Trade Center, do qual saíram mais de mil feridos e seis mortos. Os autores: extremistas muçulmanos – até então, personagens obscuros no imaginário político mundial. Os terroristas residiam nos EUA. Mesmo assim, o evento selou o norte do governo: prioridade à segurança nas fronteiras e controle de imigração. Desde então esse passou a ser um dos principais temas da política nos Estados Unidos.

Controlar o fluxo imigratório tornou-se crucial para a manutenção da segurança nacional. E as medidas em relação à política de fronteiras se desenvolveram com dois focos: a contenção do inimigo, por medidas de enforcement nas faixas fronteiriças, e o reforço da soberania estatal sobre o território.

Do ponto de vista prático, reforçava-se o entendimento de que o controle territorial estava ameaçado pelo narcotráfico e seu combate passava pela desarticulação das redes de ilegais. Foi o intento anunciado pela Operação Gatekeeper, de 1994, uma ampla operação na fronteira sudoeste, na área de San Diego, que contou com amplo apoio no Congresso com verbas para pagamentos de agentes policiais e equipamentos, e na qual atuaram coordenadamente agências como a DEA, o FBI, o Customs Service e o INS. No ano seguinte, a Operação Safeguard focou as rotas de imigrantes ilegais e contou com equipamentos de uso exclusivo do Exército; pela demonstração de poder bélico dissuasório, é considerada um divisor de águas na política imigratória americana. 

Para dar maior sustentação a tais medidas, o Congresso aprovou, em 1996, um conjunto de leis que representaram o maior retrocesso em termos de políticas imigratórias em quatro décadas. Foram elas:

  • Lei de Reforma da Imigração Ilegal e Responsabilidade sobre a Imigração (Illegal Immigration Reform and Immigration Responsability Act), que combinou os antigos “processo de deportação” e “processo de exclusão” em um único processo de remoção, que começa nos tribunais de imigração e pode chegar à Suprema Corte. Denominada IIRIRA, a lei também concedeu ao Procurador Geral da União autoridade para ordenar a construção de barreiras ao longo da fronteira entre Estados Unidos e México. Após sua aprovação, os estados deveriam parar de oferecer aulas em instituições públicas a estudantes que não possuíssem documentação regularizada. Vários estados, porém, aprovaram leis de igualdade de ensino, permitindo que qualquer pessoa, independentemente do status legal, tenha acesso ao ensino local;
  • Lei Antiterrorismo e Efetiva Pena de Morte (Antiterrorism and Effective Death Penalty Act), que antecipou muitas das medidas retomadas pela Lei Patriótica de 2001. A AEDPA teve forte impacto na lei do habeas corpus, ao limitar o poder dos juízes federais para conceder tal direito. Outra mudança foi a imposição de limites aos recursos de apelação; 
  • Lei de Responsabilidade Pessoal e Oportunidade de Trabalho (Personal Responsability and Work Opportunity Act). A PRWORA concedeu aos estados maior autonomia na administração de programas de bem-estar social e implementou novos requisitos para os beneficiários de assistência social, incluindo um limite de cinco anos para recebimento dos benefícios. Após a aprovação da lei, o número de pessoas beneficiadas diminuiu drasticamente. A lei foi anunciada como uma “reafirmação da ética de trabalho dos Estados Unidos”.

 

Depois do 11 de setembro

George W. Bush, filho de George H. Bush, assumiu a presidência em janeiro de 2001, nove meses antes do ataque da Al-Qaeda às Torres Gêmeas e ao Pentágono, usando boeing civis sequestrados em pleno voo para a operação suicida. O milênio tornou-se realmente novo a partir daquele 11 de setembro.

Bush assina o Patriotic Act

George W. Bush assina o USA Patriotic Act e lança a “guerra ao terror”, em outubro de 2001

No mês de outubro, o presidente assinou o USA Patriotic Act, acrônimo para Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act  (Unindo e Fortalecendo a América com Ferramentas Apropriadas para Interceptar e Obstruir o Terrorismo).

A nova lei reorganizava a política externa americana para o desafio do que foi batizado pelos estrategistas como “guerra ao terror”. Com a atenção capturada pela novidade representada pela Al-Qaeda, pouco se atentou para a decisão de incluir a fronteira com o México e as pessoas que por ali cruzam no mesmo documento aplicado a terroristas. Parte dos títulos do Patriotic Act destina-se à imigração tradicional do sul, da qual a economia dos EUA depende e se beneficia desde o século XIX.

O Título IV, por exemplo, cita diretamente a proteção das fronteiras para prevenção do terrorismo. Entre muitas outras disposições, a lei concedeu poder de polícia ao Procurador Geral da União e ao Serviço Nacional de Imigração para tratarem de assuntos referentes à fronteira e aos imigrantes. O Procurador tinha o poder de decidir manter um estrangeiro detido por até 90 dias, ou até seis meses, se o preso fosse considerado uma ameaça à segurança nacional. 

 

Erguendo muros

Foi nessa época que a proposta de separar os territórios do México e EUA por meio de uma barreira física ganhou força. Em 2006, a Lei da Cerca Segura (Secure Fence Act) autorizou a construção de 700 milhas (1.125 quilômetros) de barreiras entre os dois países. No ato da assinatura, Bush declarou que aquela medida ajudaria a proteger o povo da América e tornaria as fronteiras mais seguras.

Patrulha da Fronteira militarizada

Pode não ser muito eficiente, mas impressiona 

A lei previa “a construção de centenas de quilômetros de cercas adicionais ao longo de nossa fronteira sul; autoriza mais barreiras de veículos, postos de controle e iluminação para ajudar a impedir que pessoas entrem em nosso país ilegalmente. Autoriza o Departamento de Segurança Interna a aumentar o uso de tecnologia avançada, como câmeras, satélites e veículos aéreos não tripulados, para reforçar nossa infraestrutura na fronteira.”

Nessa época, as operações de fiscalização contra trabalhadores indocumentados relaxaram na aplicação de sanções e multas, cujos resultados mostravam-se pouco eficientes e geravam certo desgaste político junto ao eleitorado sulista dependente dessa mão de obra. Em contrapartida, multiplicaram-se as batidas em alojamentos e barrios, evitando-se o “constrangimento” aos empregadores. Rapidamente disseminaram-se pelas cidades as operações de “caça aos ilegais”, com amplo uso de forças policiais locais.

A ampliação de funções e atividades relacionadas à imigração tornaram o Serviço de Imigração e Naturalização (INS) obsoleto e levaram à criação dos Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS), a partir de março de 2003. O novo órgão assumiu a responsabilidade pelas funções de serviço de imigração do governo federal. Sob a reorganização, surgiu o poderoso Departamento de Segurança Interna (DHS, Departament of Homeland Security), ao qual foram subordinados o Departamento de Imigração e Alfândega (ICE) e a Alfândega e Patrulha da Fronteira (CBP).

Enquanto isso, nativistas e restricionistas ganhavam apoio inimaginável e surfavam na onda da xenofobia. Nessa época, ainda mais importante que o imigrante hispânico, ganhou força outro personagem no papel de vilão: o imigrante muçulmano. O fato de líderes jihadistas  apontarem os EUA como o “grande Satã” ajudou a construir a ideia de “choque de civilizações” opondo cristãos a muçulmanos.

Cartaz anti-islâmico

“Tudo o que preciso saber sobre o Islã, aprendi no 11 de setembro”

 

 Sonhando além dos muros

Barack Obama chegou à Casa Branca em 2009 com a promessa de uma reforma imigratória. Entretanto, devido à forte oposição do Congresso dominado pelos republicanos,  a proposta da chamada Lei DREAM (Development, Relief and Education for Aliens Minors Act) ou Lei de Desenvolvimento, Ajuda e Educação para Menores Estrangeiros, não saiu do papel.

A situação crítica e desumana a que se estava chegando, de jovens adultos e crianças sendo presos e deportados por terem chegado ainda pequenos com seus pais e permanecerem indocumentados, levou Obama a criar o DACA – Ação Diferida para os que chegaram na infância (Deferred Action for childhood arrivals), em 2012. Trata-se de uma ordem executiva assinada pelo presidente, sem aprovação do Congresso, destinada a proteger jovens temporariamente, enquanto aguardam a regularização de sua situação – embora o DACA não garanta naturalização ou residência a ninguém, evitando apenas deportação sumária.

O argumento é que esses jovens cresceram nos EUA, estudaram ali a vida toda, vivem como americanos, tendo perdido qualquer relação com seus países de origem, inclusive a língua natal. Foram contemplados pelo programa indivíduos que tivessem menos de 31 anos em 15 de junho de 2007, diploma de ensino médio e nenhum registro criminal. Aproximadamente 800 mil pessoas foram beneficiadas pela iniciativa. Outra mudança feita pelo governo Obama foi eliminar as incursões de fiscalização de surpresa sobre trabalhadores temporários, retomando a vigilância e penalização para os empregadores, como era antes das alterações realizadas por George W. Bush.

Entretanto, nem tudo ficará bem na fotografia dos oito anos do governo do democrata Obama. Ele será justamente responsabilizado pelo maior número de deportações feitas por um presidente dos EUA, ao menos antes de Trump. Só no período 2009-2016 foram mais de 2,7 milhões de deportações.

 

A avalanche centro-americana

Segundo a análise do site especializado MigraMundo: “Por trás destes números (de deportações), existem importantes lições sobre a mudança nas dinâmicas que estão acontecendo nas fronteiras dos Estados Unidos. Apreensões pela Patrulha da Fronteira estão historicamente com níveis tão baixos quanto os do início da década de 1970, o que significa que o número de pessoas que tentam cruzar a fronteira sem documentação caiu significativamente. Hoje, a maior parte das deportações são de pessoas que vivem no interior do país. Ainda assim, estes números caíram desde 2014, quando a nova aplicação de prioridades entrou em vigor.” 

Desde o início desse século, observam-se novos padrões para a imigração dos latino-americanos. A tradicional imigração mexicana vem se reduzindo consistentemente. Em primeiro lugar, pelo próprio desenvolvimento interno da economia mexicana, já capaz de empregar uma parte importante de sua população, ao mesmo tempo em que recuam as taxas de natalidade, como costuma acontecer nos países cujas populações tornam-se majoritariamente urbanas. Além disso, o endurecimento dos controles das fronteiras tem resultado nos números mais baixos de presos mexicanos nos últimos 40 anos pelas forças policiais. Sem falar que as taxas de retorno para o México estão maiores que as de entrada nos EUA.

Atualmente, a maioria dos mexicanos que cruza a fronteira domina o inglês, busca carreiras universitárias e profissões qualificadas. As novas massas de imigrantes se originam da América Central, fugindo da violência e da pobreza em seus países de origem, em busca de asilo nos EUA. Muitas mães, famílias e menores desacompanhados têm chegado à fronteira com o México e procurado espontaneamente a Patrulha das Fronteiras para pedir proteção.

Em resposta, numa tentativa de impedir a chegada de mais imigrantes e refugiados, o governo Obama reinstituiu a prática de detenções familiares, outro legado vergonhoso. Também houve denúncias, nesse período, de que a Patrulha da Fronteira estaria simplesmente se recusando a aceitar qualquer pedido de asilo.

O governo de Donald Trump intensificou ainda mais essa prática, já denunciada por ferir os direitos humanos dos imigrantes. Desde então, famílias e crianças têm passado longos períodos encarceradas, sofrido separações prolongadas e indefinidas, recebendo cuidados médicos precários. Muitas pessoas, mesmo crianças muito pequenas, estão sofrendo distúrbios psicológicos, incluindo depressão, ansiedade e dificuldades para dormir.

Charge: estatua da liberdade

Populismo e xenofobia em alta

A eleição de Trump à presidência dos EUA é um marco em muitos sentidos, mas em especial para a história das políticas imigratórias. Nunca um líder da nação foi tão abertamente xenófobo e preconceituoso, como se pode observar pelas diferentes propostas de lei enviadas ao Congresso desde a sua posse, em 2017. Elas pedem o fim do DACA; propõem uma nova lei de imigração (Raise Act) para reduzir à metade o número de imigrantes e refugiados que o país recebe anualmente, sob o argumento de reduzir o desemprego e melhorar os salários; reivindicam verbas para completar a construção do muro na fronteira com o México. Todas essas propostas, porém, seguem à espera de aprovação pelo Congresso.

Aguarda na fila também o “Muslim Ban”, imposto logo no início do seu governo como ordem executiva para banir viagens ou concessão de vistos a indivíduos de sete países – dos quais, por sinal, nunca emanaram ataques terroristas em território americano. Na lista original, figuraram Irã, Iraque, Síria, Líbia, Iêmen, Somália e Sudão. Depois, Iraque e Sudão foram removidos da lista, mas o  Chade, majoritariamente muçulmano, foi adicionado.

A proposta de lei atende oficialmente pelo nome “Protegendo a nação da entrada do terrorismo estrangeiro” (Protecting the Nation from Foreign Terrorist Entry into the United States). A “proteção” é bastante duvidosa. Mas sabe-se com certeza que, entre 2015 e 2017, mais de 40% dos refugiados que entraram nos EUA eram nacionais dos países muçulmanos banidos pela lista de Trump. 

 

Trump e o Muro

Donald Trump: “another brick in the wall”

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