ACUSAÇÃO BASEADA EM PROVAS

 

Elaine Senise Barbosa

21 de setembro de 2020

 

Um novo relatório da ONU baseado em provas acusa o regime venezuelano de Nicolás Maduro de ser responsável por usar deliberadamente de violência contra inimigos políticos e contra a massa de pobres e paupérrimos que habitam as periferias das grandes cidades. Os autores do documento reuniram provas de padrões de ação estatal e violência repressiva que permitem seu enquadramento jurídico na categoria de crimes contra a humanidade.

A Missão do Conselho de Direitos Humanos, incumbida de obter provas, entregou seu relatório final em Genebra em 16 de setembro. Os texto informa que o grupo de trabalho “investigou 223 casos, dos quais 48 foram estudos de casos exaustivos, no informe de 443 páginas. Adicionalmente, a Missão examinou outros 2.891 casos para corroborar os padrões de violações e crimes.”

A Missão Internacional de Investigação Independente (Independent International Fact-Fiding Mission) foi criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2019, a partir do levantamento inicial apresentado pela Alta Comissária para Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet. Esse relatório preliminar resultava de 11 dias de visita de uma missão do Alto Comissariado à Venezuela, em março de 2019, somada a viagens a países vizinhos para entrevistar imigrantes e refugiados venezuelanos, em abril, e à visita oficial de Bachelet a Caracas, em junho. Desse esforço resultaram encontros com líderes políticos, sindicalistas e representantes de entidades civis não governamentais.

A abundância de indícios resultou na criação dessa Missão da ONU, encabeçada agora por Marta Valiñas, e destinada a investigar e obter provas das acusações. As muitas provas e evidentes padrões levaram ao recurso de uma expressão bastante contundente: “crimes contra a humanidade” – é dessa escala de violência e arbitrariedade que o regime de Maduro é acusado. A cadeia de comando é inegável e há provas em abundância.

El Helicoide foi construído nos anos 1960, em Caracas, como símbolo do futuro: um shoping-center drive-thru, com direito a hotel cinco estrelas. Mas o dinheiro acabou, o futuro sumiu e o edifício foi ocupado pelo Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), a polícia política do regime chavista. No Helicoide, registraram-se inúmeras sessões de tortura 

 

Responsabilizando os superiores hierárquicos

A Missão de Investigação tinha o ano de 2014 como limite de recuo para análise dos casos. Foi naquele ano que os cidadãos saíram às ruas em protesto contra a crise de desabastecimento, investindo contra um Maduro oscilante, sempre dependente do suporte dos militares. Naquele momento, o regime, fazendo interpretação própria da ideia de “Destino Nacional”, decidiu usar a força bruta para reprimir e aterrorizar a população. A violação de direitos humanos tornou-se, então, elemento indispensável da estratégia para manter o poder a qualquer preço.

Segundo o relatório, “a Missão constatou que as autoridades estatais de alto nível técnico exerciam o poder com a supervisão das forças de segurança e organismos de inteligência identificados no informe como responsáveis por essas violações”. E mais: “O presidente Maduro e os ministros do Interior e de Defesa tinham conhecimento dos crimes. Eles deram ordens, coordenaram atividades e forneceram recursos em apoio dos planos e políticas em virtude dos quais foram cometidos os crimes.” 

A chefe da comissão, Marta Valiñas, disse que: “Longe de serem atos isolados, esses crimes foram coordenados e cometidos de acordo com as políticas estatais, com o conhecimento ou apoio direto de comandantes e altos funcionários do governo”. Muitos desses casos foram documentados por organizações internacionais e, por isso, a acusação não se restringe ao presidente e seus ministros, mas a 45 homens e mulheres em posições de comando que os investigadores da ONU responsabilizam diretamente. 

Em fevereiro de 2018, o TPI abriu um exame preliminar dos crimes e violações dos direitos humanos cometidos durante os protestos. A entrega de provas pela Missão certamente reforçará o pedido de investigação aberto junto ao Tribunal Penal Internacional no início de 2018, encaminhado por advogados brasileiros.

 

“Culpem o imperialismo”

ministro venezuela csnu

O embaixador da Venezuela na ONU alega, contra todas as evidências, que a violência parte dos manifestantes 

Como de hábito, o governo de Maduro e seus porta-vozes nas embaixadas negam a validade das informações, acusam má-fé, interesses ocultos, trama dos imperialistas e golpismo dos opositores internos. Resposta óbvia para um governo responsável pela maior crise humanitária da América Latina, causada pela emigração em massa de cidadãos venezuelanos.

No final de 2018, um informe da Organização dos Estados Americanos (OEA) constatou a emigração de quase 3,5 milhões de venezuelanos. Em 2020, já são quase 6 milhões. São números que colocam a crise migratória venezuelana no mesmo patamar do fluxo de refugiados gerado pela guerra na Síria, calculado em 5,5 milhões. 

É vergonhoso que determinadas correntes de esquerda, ainda encantadas com a utopia bolivariana de Hugo Chávez, mantenham apoio ao regime de Caracas. Eles fecham os olhos à evidência de que as maiores vítimas do chavismo são o povo mais pobre, exatamente quem não tem condições de abandonar o país. O país vive à mercê de grupos paramilitares organizados sob a tutela do temido Sebin. 

O relatório é um novo marco na denúncia internacional dos crimes do regime de Maduro. Contudo, não se deve alimentar maiores esperanças na sequência do caso pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU. O órgão é dominado por regimes ditatoriais ou autoritários, como China, Rússia e Cuba, o que representa uma zombaria de seu próprio nome.  

 

ASSISTA: ONU exige responsabilização para crimes
https://www.youtube.com/watch?time_continue=6&v=icIM9mpy4Bs&feature=emb_logo

 

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