Apresentamos a quarta parte da série sobre a imigração nos Estados Unidos, dividida da seguinte maneira: 1- País de colonos ou país de imigrantes?; 2- O perigo amarelo; 3- Os mexicanos; 4- A Era dos Direitos Humanos; 5- Guerra às drogas e ao terror global.
A nação orgulhosa de ser representada pela Estátua da Liberdade, com o poema de Emma Lazarus fixado em seu pedestal, ingressou na Segunda Guerra Mundial decidida a exercer uma nova posição no cenário internacional: a de guia da regeneração moral do mundo, a fim de encerrar aquela era de conflitos mundiais. Para tanto, o histórico isolacionismo expresso pela Doutrina Monroe deveria ser abandonado em favor de uma atitude internacionalista e multilateralista. Todo esse giro de perspectiva sobre o lugar dos EUA no mundo foi o mesmo que levou o país a conduzir a criação da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Não foi sem muita resistência interna, porém, que esse novo paradigma foi adotado, com reflexos também sobre a questão da imigração. Foi uma época de recuo dos movimentos nativistas no cenário político, é certo, mas ainda assim, apesar da vitória sobre o nazismo e do discurso de defesa do “mundo livre” apregoado pela Doutrina Truman, os Estados Unidos continuavam a ser o país da segregação racial sustentada pela Suprema Corte. Na era dos direitos humanos, persistiam as infames leis Jim Crow que ainda sobreviveriam mais duas décadas antes que o establishment se convencesse da inviabilidade de sustentar aquela contradição.
Não por acaso, a Lei dos Direitos Civis, de 1964, foi acompanhada, no ano seguinte, de uma nova lei de imigração que abandonava as política de cotas imigratórias que caracterizara o país na primeira metade do século XX. Daí que o pesadelo nativista se realizou: os EUA começaram a se tornar uma nação multirracial e multicultural.
Os acordos assinados no final da Primeira Guerra Mundial, no âmbito da Liga das Nações e do então recém-criado Comitê para Refugiados deram à luz um novo tipo de imigrante: o “refugiado”, um personagem que se tornou comum no leste europeu no final da guerra, quando países desapareceram e pessoas simplesmente perderam a cidadania, tornando-se apátridas.
Nos EUA, a maré imigratória do início do século havia sido brecada pelas cotas super restritivas impostas pela lei de imigração de 1924. Mas, nos anos 1930, a ascensão dos fascismos na Europa trouxe novas ondas de imigrantes para a América Dourada, bastante alquebrada pela Depressão. Muitos dos novos recém-chegados tinham credenciais de “refugiados”, adicionando uma responsabilidade moral sobre aquelas pessoas. Cristalizava-se a filosofia dos Direitos Humanos.
Em 1940, com a guerra à porta e a defesa do país em discussão, o Congresso decidiu unir o Bureau de Imigração e o Bureau de Naturalização para formar o Serviço de Imigração e Naturalização (Immigration and Naturalization Service – INS). O novo órgão deixou a alçada do Ministério do Trabalho para tornar-se parte do Departamento de Justiça, refletindo o novo olhar sobre a questão da imigração, cada vez mais associada ao tema da segurança nacional.
A partir de julho de 1941 ficou decidido que, caso o país entrasse em guerra, o INS supervisionaria a internação de estrangeiros suspeitos. A previsão tornou-se realidade depois do dia 7 de dezembro, quando o Japão atacou a base americana de Pearl Harbor, no Havaí. Três dias depois, 1.291 japoneses, 857 alemães e 147 italianos já haviam sido postos sob custódia do INS, simplesmente porque eles tinham a lista de todos os “estrangeiros”.
Boa parte daquelas pessoas residia no país havia décadas e foi presa sem acusação formal; muitos demoraram meses para conseguir a primeira audiência (sem advogados), antes de serem liberados ou enviados para campos de internação. Até o final da guerra, quase 17,5 mil japoneses, 11,5 mil alemães, 2,7 mil italianos e seus descendentes foram internados pelo Serviço de Imigração e Naturalização.
Ao entrar de fato no conflito e assumir certos compromissos, o governo dos Estados Unidos foi obrigado a lidar com a questão dos refugiados, apesar das resistências internas à abertura. Tentando se equilibrar, o presidente Franklin Roosevelt propôs a criação de um Comitê Consultivo sobre Refugiados Políticos para organizar uma conferência internacional, mas não sem antes frisar que quaisquer que fossem as futuras decisões, elas não se sobreporiam às leis nacionais em vigor. Ou seja, os EUA manteriam sua política restritiva de cotas para a imigração.
Pior, em plena era nazista, o antissemitismo de muitos agentes do governo dificultava terrivelmente a imigração dos judeus. Entidades judaicas nos Estados Unidos se engajaram em campanhas para denunciar essa discriminação, mas foi o apoio de associações como a ACLU (American Civil Liberties Union), sem vínculos diretos com a comunidade judaica, o elemento decisivo para a opinião pública dar crédito às denúncias de preconceito contra homens em postos chaves do Estado, tanto na burocracia quanto no Exército.
Para escapar das críticas e mover as peças em favor da pretensão de reorganizar a ordem geopolítica internacional, o governo Roosevelt adotou uma postura mais proativa, criando o UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation Adminstration), em 1943. A entidade obteve a adesão de 44 nações e destinava-se a auxiliar milhões de refugiados com comida, roupa e serviços médicos.
Três anos depois, já sem guerra, a UNRRA deu lugar à Organização Internacional para os Refugiados (OIR), que ainda tinha alguns milhões de casos para resolver em 1946 e 1947. Com a estruturação da ONU, a OIR foi incorporada pelo ACNUR, fundado em 1951. Além de judeus, havia refugiados do leste europeu, oriundos de países que haviam sido ocupados na guerra e tornaram-se área de influência soviética.
Família favorecida pela lei das Noivas de Guerra
Confrontado com sucessivos relatórios sobre as dificuldades para emissão de vistos para refugiados criadas por funcionários americanos, mais uma vez Roosevelt buscou uma solução conciliatória – mas sem enfrentar o preconceito racial que estava na raiz do problema. Com a criação do War Refugee Board, o governo destinou uma área em Fort Ontário, Nova York, para receber mais de mil refugiados de quase 20 nacionalidades. Era um campo de refugiados onde as pessoas deveriam aguardar os processos burocráticos para a obtenção de direitos de permanência e documentos.
O lado positivo da nova face internacionalista do Estado americano manifestou-se na rápida concessão de cidadania para esposas e filhos de militares que serviram no exterior e constituíram famílias com estrangeiras. A Lei das Noivas de Guerra previa a entrada, sem fila e sem cotas, para todos que fizessem a solicitação até dezembro de 1948. E, apesar de ter sido prevista originalmente para as europeias, em seguida admitiu filipinas, indianas, coreanas e japonesas.
No quadro da proclamação dos direitos humanos, ninguém mais deveria passar pelos horrores vistos na guerra e receber refugiados era uma questão moral acima de tudo – em memória às vítimas do passado… Nos Estados Unidos, o novo presidente Harry Truman decretava, ainda em 1945, que metade das cotas de imigração destinadas aos europeus seria preenchida por refugiados.
A tentativa de fazer o Congresso aprovar uma lei específica para refugiados judeus reacendeu o velho debate sobre qual tipo de pessoas o país deveria receber a fim de “preservar sua identidade”. Enquanto os nativistas insistiam no tipo europeu protestante ocidental, um novo setor da sociedade, mais aberto às responsabilidades no cenário mundial e alinhado à Casa Branca, defendia o fim das cotas impostas pela Lei de Imigração de 1924, racista e xenófoba. Eles falavam em nome da igualdade e dignidade de todas as pessoas, em linha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU e diretamente patrocinada pelos EUA. Esses internacionalistas argumentavam que o país não poderia liderar o “mundo livre” se não estivesse disposto a ajudar os refugiados a viverem livres.
No caso do físico Albert Einstein, os interesses no desenvolvimento do programa nuclear falaram mais alto que o antissemitismo
Assim surgiu a primeira legislação específica para refugiados: a Lei para Pessoas Deslocadas (Displaced Persons Act), em 1948. A solução era falha, pois o que fazia era conceder a metade das entradas já previstas para os refugiados, deixando os imigrantes tradicionais com menos 50% de vagas. E havia uma restrição em nome da segurança nacional: pessoas anteriormente envolvidas com movimentos de esquerda ou antiamericanos estavam sumariamente excluídas. Essa lei foi prevista para expirar em 1952, quando se supunha que a questão dos refugiados teria sido resolvida.
Os selecionados eram, geralmente, europeus do norte com maior escolaridade – especialmente formados na área de ciências, pois o governo procurava cérebros para desenvolver o programa espacial, mas não judeus. Não havia restrições a ex-integrantes do regime nazista, cujo passado poderia ser apagado se o indivíduo pudesse contribuir para a ciência e a tecnologia de interesse militar. A CIA (Central Intelligence Agency), criada em 1949, controlava um certo número de vistos, para garantir a rápida imigração de cientistas com esse perfil.
Esse movimento de abertura ao estrangeiro provocou a mobilização dos nativistas e a retomada do debate sobre as leis de imigração. Existiam dois pontos de vista: uma corrente via o tema da imigração como algo a ser trabalhado como símbolo de política externa; outra, de nativistas e xenófobos, priorizava a segurança nacional e enxergava imigrantes refugiados como possíveis espiões.
O primeiro grupo defendia a flexibilização das regras de imigração, a começar pela preferência pelo padrão branco europeu, porque, argumentavam, o sistema existente provocava o ressentimento de outras nações em relação à superpotência, em plena era da descolonização afro-asiática e do surgimento de uma centena de novos atores no teatro da política internacional e da ONU. Já o segundo grupo alertava para a infiltração comunista, frequentemente associada aos “interesses judaicos” (milhares de imigrantes judeus tinham origem polonesa ou russa), e para estrangeiros “não assimilados”, vistos como ameaça ao american way of life. Para esses ferrenhos anticomunistas e nativistas, o melhor caminho para preservar a segurança nacional era uma política migratória limitada e seletiva.
Do debate saiu a Lei de Segurança Interna (Subversive Activities Control Act ou McCarran Internal Security Act), em 1950. Naquele tempo de Guerra Fria, o Congresso vivia a escalada macarthista e a preocupação com o “perigo vermelho” se impôs. Imigrantes eram potenciais espiões, sabotadores, conspiradores revolucionários. Em nome da segurança, as pessoas poderiam ser processadas por simples associação. Até 1 de março de 1951, 54 mil alemães e 12 mil soviéticos tinham sido proibidos de entrar nos Estados Unidos com base em argumentos de segurança.
O célebre senador Joseph McCarthy explicava a estrutura de organização do Partido Comunista nos EUA, em 1950
Como explica um artigo de David Cole no jornal The Washington Post: “Era uma lei que permitia a exclusão e expulsão de imigrantes cuja ideologia, posição e associações políticas fossem consideradas ‘incorretas’. […] Eram aplicados aos estrangeiros uma série de princípios e práticas que seriam considerados uma afronta à Constituição e às liberdades individuais, caso aplicados aos cidadãos. Por exemplo, culpa por associação, perseguição motivada pela crença pessoal, censura às críticas contra o governo e procedimentos secretos de coação.”
Em 1952, no último ano do governo Truman, o Congresso aprovou a Lei de Imigração e Nacionalidade (INA – Immigration and Nationality Act ou McCarran-Walter Act). Quase nada mudou: o sistema de cotas foi mantido com alterações mínimas; as competências intelectuais dos solicitantes de vistos continuavam a ser privilegiadas; mantinha-se a prioridade à imigração de familiares. A extensão desse último benefício aos asiáticos foi a novidade. Cem vagas por país.
A INA teve como pano de fundo a Revolução Chinesa (1949) e a Guerra da Coreia (1950-1953), eventos que fizeram os EUA estenderem a Doutrina Truman para o Oriente, buscando melhores relações com os países asiáticos para afastar o espectro do comunismo. Ainda assim, para agradar os restricionistas, o Congresso criou um teto máximo de entrada de dois mil asiáticos por ano. E seguiam inquestionáveis as velhas regras de exclusão baseadas em preconceitos físicos e morais: alcoólatras; viciados; jogadores; prostitutas e cafetões; deficientes físicos e mentais; gente com aparência física incomum; homossexuais declarados, todos estavam excluídos da possibilidade de obter visto de permanência.
Em contrapartida, o Congresso concedeu à Presidência o direito de aceitar grupos específicos de refugiados em caráter de emergência, reconhecendo as rápidas oscilações experimentadas no quadro da Guerra Fria. E também o seu contrário: o presidente poderia suspender a entrada de grupos de estrangeiros considerados perigosos aos interesses americanos. (Em 2017, Donald Trump apoiou-se nesse antigo dispositivo para barrar a entrada de pessoas provenientes de uma lista de países muçulmanos.)
Em janeiro de 1953, o general Dwight Eisenhower tomou posse na presidência dos EUA e logo encaminhou ao Congresso um pedido de mudanças na lei de imigração destinadas a favorecer refugiados do sul da Europa, especialmente italianos e gregos, não contemplados com a Lei para Pessoas Deslocadas, de 1948. O resultado foi a Lei de Ajuda aos Refugiados (Refugee Relief Act), que autorizava a emissão de até 214 mil vistos a mais do que o total anual previsto.
As sucessivas mudanças nas leis de imigração tornavam evidente o dinamismo da política internacional na época da Guerra Fria e a perda de sentido do velho sistema de cotas. Foi nesse contexto que apareceu a famosa afirmação: “nenhum ser humano é ilegal”. E, cada vez mais, para as vítimas das crises humanitárias muitas vezes resultantes das intervenções realizadas pelos próprios Estados Unidos, a imaginada solução estava em imigrar para os EUA.
Em 1956, quando os húngaros se levantaram contra o poder soviético e foram reprimidos, Eisenhower usou o poder conferido ao presidente pela Lei de Imigração e Nacionalidade para receber um número muito maior de refugiados vindos de lá. Outra lei emergencial, em 1958 admitiu a entrada de açoreanos, duramente atingidos pela erupção vulcânica no arquipélago (Azorean Refugee Act).
Com a tomada do poder em Cuba pelos revolucionários de Fidel Castro, em 1 de janeiro de 1959, houve uma fuga maciça da classe média cubana para a Flórida, distante menos de 20 quilômetros de barco. Dois anos depois, quando John Kennedy assumiu a presidência, ele resolveu dobrar a aposta no embate contra o regime cubano e seus aliados soviéticos. Depois da desastrada operação na Baía dos Porcos, o governo americano estava decidido a receber todos os cubanos sob o rótulo de refugiados, em estratégia para desestabilizar o governo de Havana.
Apresentando sua proposta ao Congresso, Kennedy disse: “o restabelecimento bem-sucedido de refugiados … em condições de liberdade, dignidade e auto-respeito” está relacionado “aos objetivos políticos do mundo livre”. O programa estaria de acordo com a “tradição americana de ajudar os oprimidos, promovendo a fé nos caminhos do mundo livre” e exemplificando “o humanitarismo fundamental que constitui a diferença básica entre sociedades livres e cativas” (Cuban Refugees).
O Programa para Refugiados Cubanos (Cuban Refugee Program), criado em 1962, foi o primeiro a ser feito de forma ordenada, com grande apoio e recursos do governo federal para assistência de alimentação, saúde e educação. Em 1966, a Lei de Regularização Cubana formalizou a situação de milhares de cubanos indocumentados.
Os cubanos receberam mais um tratamento diferenciado: enquanto os refugiados comuns tinham um prazo para solicitar a cidadania e, caso não a obtivessem, deveriam partir, os cubanos tinham garantido o direito de permanência (mesmo porque, no caso da primeira geração de emigrantes, o sonho de quase todos era retornar a Cuba após a queda do governo comunista).
No início dos anos 1960 a sociedade americana passou por uma profunda transformação provocada pelos jovens nascidos no pós-guerra. A geração da rebeldia e do rock’n roll foi também a dos movimentos pelos direitos civis dos afro-americanos e das mulheres.
Martin Luther King, uma das figuras icônicas da era dos direitos humanos
Nos Estados Unidos, o discurso de “guardião da democracia” tornava-se insustentável enquanto uma parte expressiva da população, os afro-americanos, era discriminada legalmente por preconceito racial. Em 1964, o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, assinou a Lei dos Direitos Civis pondo fim ao regime do “iguais, mas separados”. Ao menos legalmente, o racismo deixava de ser validado.
No mesmo embalo reformista, em 1965 ocorreu a aprovação de uma nova Lei de Imigração e Nacionalidade (Immigration and Nationality Act ou Hart-Celler Act), proposta inicialmente por Kennedy e aprovada sob Johnson, que fez grande cena televisiva, assinando o documento aos pés da Estátua da Liberdade, com Nova York ao fundo. Identificada pela sigla INA, foi a lei que aboliu as cotas de imigração por nacionalidade, embora mantivesse inelegíveis os LGBT e os portadores de deficiências físicas e mentais (essa restrição só caiu em 1990).
Os critérios que orientavam a concessão de vistos eram basicamente três: reunificação familiar, emprego (especialmente para os mais qualificados) e refúgio. Eram concedidas 170 mil vagas para o Hemisfério Oriental e 120 mil para o Ocidental, sendo 6% desse total destinado a refugiados (17,4 mil). Ao contrário do que afirmou Johnson (“o projeto de lei que assinamos hoje não é revolucionário”), ele significou uma profunda mudança cujas consequências não foram bem avaliadas à época.
Acabar com a lei de imigração baseada em cotas ambicionava o reencontro com os poderosos símbolos impressos na Estátua da Liberdade
A lei teve um efeito imprevisto. Os nativistas, temerosos da perda do padrão étnico norte-europeu, decidiram priorizar a concessão de cidadania a imigrantes com familiares já cidadãos, acreditando que os brancos seguiriam sendo a maioria. O que não se percebeu foi o declínio da imigração européia naquele período de estabilidade do Estado de bem-estar social na Europa.
O resultado histórico acabou sendo oposto ao esperado. Como explicou a revista The Atlantic, numa análise dos efeitos da lei 50 anos depois: “A ênfase aumentada na reunificação familiar, em vez de replicar a estrutura étnica existente da população americana, levou ao fenômeno da migração em cadeia. A naturalização de um único imigrante de origem asiática, africana ou hispânica abriu as portas para seus irmãos e irmãs e seus cônjuges, que por sua vez podiam patrocinar seus próprios irmãos e irmãs. Em algumas décadas, a unificação familiar tornou-se a força motriz da imigração americana, e favoreceu exatamente aquelas nacionalidades que os críticos da Lei de 1965 esperavam manter de fora, porque essas eram as pessoas mais determinadas a se mudar.”
O envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã (1963-1975) trouxe um elevado número de refugiados à sua porta. Mas o total de vistos estipulados para refugiados pela INA era pouco mais de dez mil por ano, muito insuficiente. A guerra espalhara-se por toda a Indochina, gerando um fluxo de refugiados que se espraiava do Vietnã para o Laos, o Camboja e a Tailândia. Os governos de Gerald Ford (1974-1977) e de Jimmy Carter (1977-1981) criaram sucessivos programas direcionados a esses desterrados.
A questão perdurou. Em 1987, uma lei federal (Amerasian Homecoming Act) facilitou a admissão dos filhos de soldados americanos com mulheres vietnamitas, bem como de seus parentes. De acordo com Kay Johnson, no artigo “Children of the Dust”, 23 mil dos chamados amerasians e 67 mil de seus parentes entraram nos Estados Unidos.
Refugiados da guerra do Vietnã
Em 1980, o governo Carter aprovou uma nova Lei de Refugiados, que elevava para 50 mil o número de vistos possíveis de serem concedidos a cada ano. O governo também adotou o critério da ONU segundo o qual o refugiado seria “qualquer pessoa que, motivada por um fundado medo de perseguição causada pela raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política, busca refúgio no exterior” e, portanto, teria direito de asilo.
Assim formulado o conceito, distinguiam-se duas situações, a do refúgio e a do asilo (para os quais foram concedidos 5 mil vistos). O refugiado goza de um reconhecimento público de sua condição junto às organizações humanitárias; já o asilado deve passar por um processo no qual o governo do país no qual ele solicita proteção reconhece o perigo à sua vida e admite recebê-lo. A lei estabelecia que um refugiado poderia solicitar residência permanente após um ano de sua chegada; já os asilados deveriam antes ser reconhecidos como refugiados para, depois de mais um ano, pedirem permanência. A naturalização poderia ser solicitada após cinco anos.
Para cuidar desses assuntos, foi criado o Escritório para a Coordenação de Assuntos de Refugiados (Office of U.S.Coordinator for Refugee Affairs) e o Escritório para o Reassentamento de Refugiados (Office of Refugee Resettlement). Os dois órgãos destinavam-se a unir e padronizar os procedimentos adotados no tratamento a refugiados, por meio da criação de políticas voltadas ao reassentamento dessas pessoas, bem como sua reinserção no mercado de trabalho e no novo ambiente cultural.
A principal consequência da lei de 1965 foi mudar o perfil étnico dos Estados Unidos, favorecendo o boom de imigrantes latinos e asiáticos. Na seleção para a concessão de vistos, jovens com boa formação escolar, de todos os continentes eram facilmente admitidos, abrindo a porta para a chegada posterior dos familiares Atualmente se observa esse fenômeno especialmente entre jovens chineses e indianos.
O gráfico seguinte esclarece a transformação do perfil imigratório para os EUA nos últimos cinquenta anos.
Fonte: MPI, “Regions of Birth for Immigrants in the United States, 1960-Present”
Em 1965, os imigrantes legalizados respondiam por apenas 5% da população americana; meio século depois, em 2015, representavam 14%. Nesse mesmo intervalo, milhões de pessoas de todo o mundo imigraram para os Estados Unidos, sendo os latino-americanos mais da metade desse contingente. Os imigrantes asiáticos formaram um quarto desse total; os europeus, apenas 12%.
As novas leis de imigração, porém, foram especialmente negativas para os “hispânicos”, pois eles começaram a ser contados dentro do teto de 120 mil vistos emitidos a cada ano para o continente americano, o hemisfério ocidental. Isso significou uma redução de 40% da imigração legal em relação aos patamares dos anos 1970, quando já tinha caído por conta do término do Programa Bracero. Como a atração pelas oportunidades de trabalho se soma à demanda por mão de obra barata, a imigração ilegal terrestre cresceu continuamente desde o início do século XXI.
A novidade é que, sob o impacto do atentado às Torres Gêmeas, em 2001, e da política de “guerra ao terror”, os imigrantes – legais ou ilegais – são cada vez mais hostilizados. Ponto para os nativistas.
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