Tribunal de Nuremberg ou Julgamentos de Nuremberg… quando o assunto diz respeito ao desfecho da Segunda Guerra Mundial, esses são nomes sobre os quais muito se escuta. Na verdade, foi uma série de Tribunais Militares organizados pelos países Aliados para julgar as lideranças nazistas e ocorreram na cidade de Nuremberg, na Alemanha ocupada, logo após o fim da guerra.
Na Europa, o fim do mais violento conflito bélico da história humana deixou um continente materialmente devastado e socialmente marcado por manifestações de violência e barbárie. O Holocausto tornou-se o paradigma do horror totalitário. Ao contrário do que ocorrera com os armênios – vítimas do primeiro genocídio da história e invocados por Hitler para demonstrar que grandes tragédias eram rapidamente esquecidas -, dessa vez entendeu-se ser necessário tratar dos horrores da guerra como uma experiência coletiva, capaz de fazer refletir sobre as terríveis contradições existenciais da humanidade, agora potencializadas pela tecnologia.
Como lidar com a capacidade de destruição em massa? Como falar sobre o que é horroroso? Como entender que milhares de pessoas tenham visto outras milhares serem perseguidas e mortas sem esboçar reação?
O despontar dos Estados Unidos como liderança inconteste e as transformações provocadas pelo surgimento da Doutrina Truman, de contenção ao comunismo, reconfiguraram a geopolítica mundial fundando a Guerra Fria e levando para o lado oposto a União Soviética, eleita arqui-inimiga. Depois de quase quinhentos anos, os países da Europa Ocidental perderam a hegemonia mundial e tiveram que aceitar sua nova posição de coadjuvantes.
Mas entre a rendição nazista, em 1945, e a divisão da Alemanha, em 1949, enquanto o velho mundo europeu se achava sob escombros e as perspectivas de futuro eram incertas, houve um intervalo de três anos, de 1945 a 1948, durante os quais Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França trabalharam conjuntamente para restabelecer valores civilizatórios fundamentais, como a validade das leis, a justiça ponderada e o direito à defesa, com os quais foram julgados os acusados por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Os personagens reunidos em Nuremberg sonhavam com um futuro onde as leis fossem mais fortes que as armas.
Na vida real, a primeira bomba atômica da história era lançada sobre a cidade de Hiroshima dia 6 de agosto de 1945 dando início a uma nova corrida armamentista.
Hiroshima devastada com uma única bomba, quase cem mil vidas destruídas. Em 1945, as promessas de paz mundial foram confrontadas por um novo poder de destruição em massa.
Ao contrário do que fizera após o término da Primeira Guerra, dessa vez os Estados Unidos assumiram o papel de liderança global e puseram em prática seu projeto de “reforma do mundo”, uma expressão do idealismo que orientava o pensamento estratégico e diplomático da nação.
A chamada filosofia idealista se baseia em ações justificadas por princípios morais e éticos. Pressupõe a bondade imanada de todos os indivíduos e o interesse coletivo no bem-estar geral como estímulo para ações cooperativas de desenvolvimento. Esse trabalho colaborativo só pode ser construído por Estados democráticos, que não buscam a expansão militar e territorial. Estados dominados por elites autoritárias querendo afirmar o próprio poder geram guerras e instabilidade. Daí a necessidade de garantir a liberdade individual, base da democracia, protegendo cada ser humano dos abusos de poder que os Estados podem cometer.
O idealismo trazido pelos EUA opunha-se ao chamado realismo europeu, rompendo os paradigmas que haviam balizado a ordem mundial desde o século XIX. Uma mensagem de esperança era um bálsamo para o caos deixado pelos europeus: o sistema internacional poderia ser organizado com base na cooperação e no multilateralismo. Uma arena internacional na qual os Estados pudessem negociar abertamente seus interesses e tomar decisões conjuntas poderia evitar novas guerras. Tudo isso lastreado por consensos expressos por meio do direito internacional. Seu ápice seria a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em dezembro de 1948 na Assembleia Geral das Nações Unidas, destinada a servir de “bússola” para a paz mundial.
Na Conferência de Paris, em 1919, LLoyd George (Reino Unido), Vittorio Emanuele Orlando (Itália), Georges Clemenceau (França) e Woodrow Wilson (EUA). O americano defendeu a paz não revanchista, sem sucesso.
A ordem do pós-guerra pressupunha a descolonização afro-asiática. Na leitura idealista dos EUA, que desde os Tratados de Paris, de 1919, defendia o princípio da autodeterminação dos povos, a universalidade dos direitos humanos pressupunha governos escolhidos democraticamente por indivíduos livres e iguais. Esse foi o assunto do primeiro encontro entre o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, e o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Winston Churchill, em 1942, na Conferência do Atlântico, que selou a entrada do país americano na Segunda Guerra Mundial.
Primeiro, porque os mecanismos da economia capitalista não comportavam mais aquele tipo de organização territorial do mercado, causador das disputas que conduziram às duas grandes guerras. Segundo, porque a ideologia racista que sustentava o colonialismo também havia provocado a maior política de extermínio até então vista, justificada por um suposto argumento de pureza de sangue.
Contudo, uma funda contradição feria de morte a visão idealista dos Estados Unidos: o racismo institucionalizado por meio das leis de segregação racial que vigoravam no próprio país e ainda demorariam quase duas décadas para cair.
Enquanto os soviéticos defendiam a execução sumária dos líderes nazistas, Washington acreditava que a vitória impunha o dever de darem uma resposta não revanchista para os desfechos da guerra. Para inaugurar uma nova ordem internacional na qual a dignidade humana fosse um pressuposto de valor universal era preciso garantir que o horror nunca mais se repetisse, e isso incluía o tratamento a ser dado aos perdedores da guerra.
Em outubro de 1943, os representantes dos governo dos Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e China assinaram a Declaração de Moscou. Ali tratou-se pela primeira vez de um termo de paz, no qual se exigia a rendição incondicional dos países do Eixo; assumia-a se o compromisso de decidir conjuntamente, como Nações Unidas, o tratamento a ser dado aos vencidos, além da reconstrução da paz e da ordem internacional como Nações Unidas.
“Que reconhecem a necessidade de estabelecer o mais cedo possível uma organização internacional geral, baseada no princípio da igualdade soberana de todos os Estados amantes da paz e abertos à adesão de todos esses Estados, grandes e pequenos, para a manutenção da paz e da segurança internacionais” – diz o ponto 4 do documento.
Em tópico separado e não assinado pela China, definiu-se a situação da Itália: “Todos os elementos fascistas ou pró-fascistas devem ser afastados da administração e de instituições e organizações de caráter público. (…) Chefes fascistas e generais do exército conhecidos ou suspeitos de serem criminosos de guerra serão presos e entregues à justiça.”
O entendimento geral era de que a partir do armistício os integrantes do Eixo responsáveis por atrocidades, massacres ou execuções seriam enviados para os países onde cometeram os crimes, para serem julgados por tribunais locais, a partir de leis do país, respeitando-se assim a soberania das nações. Já os crimes de guerra que não diziam respeito a uma localidade geográfica específica seriam julgados a partir de um tribunal dirigido pelo Conselho Aliado.
Em 8 de agosto de 1945, dois dias depois de Hiroshima e um dia antes de Nagasaki, na capital britânica, representantes do Conselho Aliado se reuniram para assinar o Acordo de Londres, também chamado de Carta de Nuremberg. Ele criava o Tribunal Militar Internacional (TMI) para tratar dos crimes de guerra do “Eixo europeu”, ou seja, incluía a Itália e excluía o Japão.
O documento traçava a competência do tribunal, criava um estatuto para regulamentar seu funcionamento e o rito processual pelo qual deveria passar cada uma das acusações imputadas àqueles que se sentaram no banco dos réus. Aos acusados foram dadas garantias processuais de defesa; o direito de falar; apresentar provas e testemunhas; e interrogar as testemunhas de acusação.
Tribunal de Justiça de Nuremberg, cenários do julgamento histórico
Decidiu-se que o Tribunal teria sede permanente em Berlim. “As primeiras reuniões dos membros do Tribunal e dos Procuradores-Chefes serão realizadas em Berlim, em local a ser designado pelo Conselho de Controle da Alemanha. O primeiro julgamento será realizado em Nuremberg, e quaisquer julgamentos subsequentes serão realizados nos locais que o Tribunal decidir.”
Nuremberg, cidade das grandes comemorações nazistas, foi escolhida por seu caráter simbólico: era uma resposta às Leis de Nuremberg, de 1935, que impuseram a segregação legal dos judeus invocando a diferença racial. Mas não foi um julgamento do Holocausto, que ainda estava sendo descoberto em sua extensão.
Após intensos debates, decidiu-se que a competência do TMI não abarcava os crimes cometidos antes de 1º de setembro de 1939. A corte julgaria os crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade perpetrados pelos homens mais influentes do regime nazista. Cada um dos quatro aliados – EUA, URSS, Reino Unido e França – forneceria um juiz e uma equipe de promotoria.
Nos bastidores, onde imperava a política, debatia-se como tratar a Itália e os criminosos fascistas, muitos dos quais haviam se bandeado para o lado Aliado desde 1943, a começar pelo rei Victorio Emanuel III. E havia as pressões do momento, como a guerra na vizinha Grécia para evitar que os comunistas tomassem o poder, como estava acontecendo na Iugoslávia. Manter o apoio dos italianos era tido como crucial para assegurar o controle do Mediterrâneo, além disso, como se perceberia rapidamente, a maioria dos italianos não estava disposta a transformar os heróis de ontem em criminosos de guerra.
“O privilégio de abrir o primeiro julgamento da história por crimes contra a paz do mundo impõe uma grave responsabilidade. Os erros que procuramos condenar e punir foram tão calculados, tão malignos e tão devastadores, que a civilização não pode tolerar que sejam ignorados, porque ela não pode sobreviver à sua repetição”.
Essa foi a primeira declaração feita pelo Procurador-Chefe do TMI, indicado pelos Estados Unidos, Robert H. Jackson, juiz da Suprema Corte e um dos negociadores da Carta de Londres. A ele coube preparar as acusações contra os principais réus.
E os quatro juízes principais:
Geoffrey Lawrence, do Reino Unido, veterano da Primeira Guerra Mundial, serviu como presidente do Tribunal, posição que lhe conferia o voto de desempate (embora as condenações e sentenças exigissem a maioria dos votos dos quatro juízes da corte).
O promotor Robert H. Jackson, a quem cabia conduzir as acusações, fala na abertura do julgamento.
Os EUA indicaram o ex-procurador-geral, Francis Biddle, para a função de juiz. Sua trajetória foi marcada pela defesa dos direitos civis e políticos, opondo-se à segregação racial que vigorava em seu próprio país. Foi oposição contundente à decisão do governo Roosevelt de internar em campos de internação pessoas de ascendência japonesa.
A URSS escolheu o controverso general Iona Nikitchenko, conhecido por haver presidido um dos mais notórios julgamentos dos Processos de Moscou, promovidos por Joseph Stalin entre 1936 e 1938, que sentenciou a fuzilamento dois supostos dissidentes do Partido Comunista, Lev Kamenev e Grigory Zinoviev.
A França foi representada pelo jurista e professor de direito penal e ciências criminais Henri Donnedieu de Vabres, que saiu de anos de ostracismo após negar jurar lealdade ao regime colaboracionista de Vichy. Destacou-se nos debates pela oposição à acusação de conspiração.
A promotoria elencou 24 pessoas para serem julgadas. Uma grande novidade do Tribunal de Nuremberg foi a decisão de julgar indivíduos por violação das leis internacionais, pois até então o Direito Internacional tinha como objeto apenas a relação entre Estados.
Martin Bormann, um dos homens mais poderosos do reich, procurado por crimes contra a humanidade.
Portanto, seguiu-se a cadeia de comando das organizações nazistas. Os alvos da acusação eram membros do Partido Nazista, agências estatais e militares, como o Gabinete do Reich; o Corpo de Liderança do Partido Nazista; as SS (“esquadrão de proteção”); a SD (Serviço de Segurança); a Gestapo ( polícia secreta do Estado); as forças SA (Stormtroopers); o Estado-Maior e o Alto Comando das Forças Armadas Alemãs.
Adolf Hitler, Heinrich Himmler e Joseph Goebbels não foram julgados porque cometeram suicídio. Hermann Göring, por muito tempo o homem mais poderoso depois de Hitler, era o oficial de mais alto escalão entre os acusados.
No fim, 21 réus compareceram ao tribunal. O industrial alemão Gustav Krupp, incluído na acusação original, estava velho e doente e foi excluído do processo. O secretário do Partido Nazista, Martin Bormann, não foi localizado, sendo julgado à revelia. O chefe da Frente Trabalhista Alemã, Robert Ley, cometeu suicídio na véspera do julgamento.
O tribunal teve sua primeira audiência em 20 de novembro de 1945, no Palácio da Justiça em Nuremberg. Todos os réus e as organizações indiciadas foram representados por advogados de defesa. Uma equipe forneceu tradução simultânea de todos os procedimentos em inglês, francês, alemão e russo. Mais de 400 pessoas acompanharam as sessões do julgamento todos os dias. Estiveram presentes 325 correspondentes internacionais, de 23 países diferentes.
A Carta de Nuremberg definia três crimes a serem julgados pelo TMI: crimes contra a paz; crimes de guerra; crimes contra a humanidade. Em sua definição de crimes contra a paz, a Carta incluía “participação em um plano ou conspiração comum” para cometer crimes contra a paz.
Então os promotores decidiram indiciar os réus por quatro acusações relacionadas aos três crimes originalmente previstos: crimes contra a paz; crimes de guerra; crimes contra a humanidade; e mais um, conspiração para cometer crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O quarto ponto foi a tentativa de dar uma resposta legal, em termos penais, que fizesse alguma justiça à enormidade do horror da máquina de morte instaurada pelo reich nazista.
A acusação recorreu ao crime de “conspiração” para dar conta de punir a intenção deliberada de cometer tais crimes, tornando-os mais graves. A ideia era demonstrar que as decisões criminosas se sucediam e se conectavam, por isso eles apontaram uma “conspiração” para agir contra a paz, distinta dos crimes contra a paz em si. Mas os juízes rejeitaram essa tese da promotoria.
O francês Donnedieu defendeu que o crime de “conspiração” era muito amplo para ser usado em um julgamento cuja responsabilidade histórica era monumental. De fato, havia uma diferença de entendimento entre as matrizes do direito americano e do direito europeu sobre o que caracterizaria o crime de conspiração.
Os integrantes do TMI começaram a perceber que um novo tipo de crime contra a humanidade havia ocorrido.
Foi aí que a promotoria encontrou uma nova palavra: genocídio. A palavra-conceito havia sido cunhada por Raphael Lemkin, um jurista judeu polonês que dedicou a vida ao entendimento e caracterização daquele novo fenômeno. Os promotores descreveram o “assassinato e maus-tratos contra civis” cometidos pelos réus como “genocídio deliberado e sistemático, ou seja, o extermínio de grupos raciais e nacionais”.
Mas os juízes não consideram o novo conceito na aplicação das sentenças. Genocídio foi um crime que ganhou nome e tipificação já no âmbito da ONU.
Razão, ciência e tecnologia a serviço de um Estado supremacista, foi o que o mundo descobriu a partir de Auschwitz.
Por outro lado, houve um importante avanço em Nuremberg, previsto no Acordo de Londres: o julgamento por crimes contra a paz e crimes contra a humanidade. Pela primeira vez uma corte internacional reconhecia a precedência da vida e da dignidade humana sobre o poder arbitrário e violento do Estado e seus agentes, mesmo quando aplicado aos seus nacionais.
A “responsabilidade devida”
O principal meio de prova usado pelos promotores foram as palavras e testemunhos dos alemães e suas vítimas, baseando-se na vasta documentação apreendida pelos Aliados. A maioria das testemunhas convocadas a depor eram membros do Partido Nazista, da SS, da burocracia do Estado ou militares alemães.
O Holocausto não foi objeto do julgamento, mas evidências consideráveis foram apresentadas sobre a “Solução Final”, o plano nazista para exterminar o povo judeu. Essas informações incluíam as operações de assassinato em massa em Auschwitz, a destruição do gueto de Varsóvia e a estimativa de seis milhões de vítimas judias.
As provas eram tão contundentes que à defesa só restou reconhecer que os crimes pelos quais os réus eram acusados haviam realmente acontecido. Mas todos eles negaram ter responsabilidade pessoal sobre cada ato.
Não funcionou: o Acordo de Londres negava aos acusados o direito de alegar inocência com base no fato de terem cumprido ordens, mesmo sabendo estarem violando leis de guerra. A discussão no direito internacional não era nova e reafirmava a importância de haver responsabilização individual pelos crimes. O entendimento trouxe um avanço civilizatório, pois reconhecia que o poder estatal deve ter limites e que sua legitimidade repousa no respeito às leis e à dignidade humana. E os indivíduos que exercem o poder de decisão responderão por essas violações.
Trocando em miúdos, ao contrário do que muita gente acha, o Tribunal de Nuremberg não julgou o genocídio de seis milhões de judeus porque ainda não havia uma lei tipificando esse crime e suas penas. Os réus foram condenados por fatos decorrentes da política externa nazista (invasão da Tchecoslováquia, da Polônia e demais…). As iniciativas de ataque e violação à paz infringiam inúmeros documentos internacionais subscritos pela Alemanha.
As audiências do julgamento terminaram em 1º de setembro de 1946. Um mês depois, os juízes proferiram suas sentenças. Foram estabelecidas penas para os líderes nazistas, sendo doze condenações à morte, três à prisão perpétua, duas a vinte anos de prisão, uma a quinze anos, uma a dez anos e três absolvições.
Em 16 de outubro de 1946, dez dos condenados foram enforcados e cremados em Dachau, ao norte de Munique, lugar onde foi instalado um dos primeiros campos de concentração nazistas. Hermann Göring escapou da forca cometendo suicídio na noite anterior. Sobre Martin Bormann, condenado à revelia, finalmente descobriram que ele havia morrido em Berlim nos últimos dias da guerra.
O Tribunal declarou como organizações criminosas o Corpo de Liderança do Partido Nazista, a Gestapo, a SS, seu serviço de inteligência e o SD. Por outro lado, o Tribunal estabeleceu um marco temporal: concluiu que não constituiu crime pertencer à SS se a filiação cessou antes do início da Segunda Guerra Mundial, ou se as pessoas que foram convocadas para a SS não participaram de seus crimes.
Em 17 de outubro de 1946, o presidente Harry Truman nomeou Telford Taylor, como o novo promotor-chefe dos EUA para os crimes de guerra. Desde então seguiram-se 12 julgamentos separados. Esses tribunais militares americanos são muitas vezes referidos coletivamente como Processos Subsequentes de Nuremberg. Até 1950, uma centena de criminosos nazistas e seus colaboradores foram julgados na Alemanha e nos países aliados ou ocupados por forças nazistas.
O TMI desdobrou-se no Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente ou “Tribunal de Tóquio”, que levou ao banco dos réus os principais responsáveis pelos crimes de guerra cometidos pelo Japão. Lá, a sede foi a Corte de Ichigaya, ex-quartel general do Exército Imperial Japonês.
O Tribunal Militar Internacional para o Eixo europeu não foi isento de controvérsias. Criado especificamente para julgar os crimes nazistas, foi um tribunal ad hoc, ou seja, não previsto em lei. O tribunal foi criticado por não admitir a possibilidade de questionamento de legitimidade e imparcialidade. O TMI, por exemplo, não tinha competência para tratar de crimes análogos aos ali julgados quando cometidos pelos Aliados.
A impossibilidade de alegar cumprimento de ordem foi muito polêmica. Ela não acarretaria na absolvição ou perdão do crime, mas poderia resultar na redução da pena.
Outra falha grave foi o desrespeito ao princípio da legalidade, que proíbe a punição por ações cometidas antes da existência da lei. Não havia nenhum documento internacional sobre “crimes contra a humanidade”. Esse são princípios fundamentais que os Estados devem seguir para dar segurança jurídica e previsibilidade aos cidadãos.
Por fim, a crítica maior diz respeito à impunidade dos fascistas italianos, contra os quais pesavam inúmeras acusações, incluindo um vasto e bem documentado processo sobre a ocupação da Etiópia em 1935. Nada aconteceu, nenhum italiano foi levado para o banco dos réus e as atrocidades cometidas na Etiópia, Líbia, Grécia e Iugoslávia por tropas fascistas foram ignoradas.
Do ponto de visto da nova ordem que os EUA pretendiam liderar, essa leniência na aplicação das leis em benefício de conveniências políticas enfraquecia as convicções numa justiça justa e equânime.
Os médicos e cientistas nazistas assumiram ser praticamente um direito das “raças superiores” promoverem estudos científicos desumanos em indivíduos de “raças inferiores”. Foi o pensamento racista que provocou essa tragédia.
O Tribunal de Nuremberg e seus julgamentos subsequentes não teriam sido possíveis sem o entendimento de que era necessário criticar e rejeitar pensamento racial que fundou o Ocidente contemporâneo. As provas apresentadas nos julgamentos comprovavam que o racismo havia sido levado ao limite de transformar aparatos de Estado em máquinas de violação da dignidade humana para justificar experimentos médicos e científicos.
Foi nesse contexto que, em 1947, o Conselho de Crimes de Guerra dos Estados Unidos elaborou um memorando contendo inicialmente seis pontos, posteriormente estendido para dez, sobre ética médica. O documento se tornou conhecido como Código de Nuremberg é considerado um dos mais importantes regulamentos da história das pesquisas na área médica.
Enquanto isso, a Organização das Nações Unidas, criada em 1945 pela Carta de São Francisco, tomava corpo e produzia seus primeiros documentos, que serviriam como pilares da nova ordem mundial. Para tornar a vida humana uma prioridade – o “direito a ter direitos”, como afirmou Hannah Arendt – fazia-se mister estabelecer uma tutela internacional sobre os Estados. Foi, como explica o jurista Celso Lafer um salto na concepção filosófica do Direito Internacional, antes voltado para os interesses do Estado e agora comprometido com a vida humana e a cidadania universal.
Eleanor Roosevelt dirigiu os trabalhos de negociação e elaboração da Declaração Universal
Nesses primeiros dias da ONU, destacaram-se duas figuras, Eleanor Roosevelt, a viúva do ex-presidente dos EUA e guardiã moral da nação frente ao compromisso de construir uma ordem legal internacional baseada no respeito ao ser humano, e Raphael Lemkin, febrilmente empenhado na criação de uma lei específica para tratar do crime de genocídio.
Coincidentemente, esses dois documentos fundamentais foram votados pela Assembleia Geral quase simultaneamente. Primeiro, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, ou simplesmente Convenção contra o Genocídio, apresentada em 9 de dezembro de 1948. No dia seguinte foi a vez da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ambição de ancorar o mundo em uma ordem baseada nas melhores intenções sobre o desenvolvimento maior da humanidade.
No âmbito das Nações Unidas, abriu espaço para a criação de Cortes Internacionais ad Hoc, ou seja, criadas para situações específicas, com jurisdição sobre crimes de genocídio, como foram os casos dos tribunais para a Iugoslávia e Ruanda. Mas foi graças à criação, em 1998, do Tribunal Penal Internacional (TPI) para processar e julgar crimes de genocídio, de guerra e contra a humanidade que se tornou possível tornar permanente o compromisso com a vida e a dignidade humana.
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