A Segunda Guerra do Congo (1998-2003) ocorreu quando implodiu a aliança vencedora da Primeira Guerra do Congo (1996-1997). Isso aconteceu logo após Laurent Kabila vencer Mobutu, chegar à presidência do Congo e imediatamente passar a agir contra as expectativas de seu principal apoiador militar, Paul Kagame, de Ruanda, e os governos aliados de Uganda e Burundi. Graças ao apoio de Angola, Zimbábue e Namíbia, Kabila conseguiu enfrentar – mas não vencer – as forças da coalizão transformada subitamente em inimiga, presentes no leste e norte do país. A violência explodiu e os civis foram os alvos.
A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), um organismo de integração regional, acabou se tornando o instrumento de sustentação militar do governo da RDC, ou seja, da família Kabila, e assim a guerra prosseguiu, apesar das tentativas de acordos e cessar-fogo assinadas sem sucesso. O impasse perdurou até o assassinato de Kabila, quando a guerra foi, ao menos oficialmente, declarada encerrada. Na realidade, ela se transformou em uma guerra de milícias que atuam como representantes de interesses externos: uma “guerra por procuração”, ou proxy war.
Existem dois elementos fundamentais nessa história: o primeiro é a riqueza em minérios, que financia a guerra e pelo que se combate de fato. O segundo são os mayi-mayi, nome genérico dado às milícias congolesas que se organizam por traços regionais, não necessariamente étnicos, nascidos da autodefesa contra os exércitos ocupantes.
Os mayi-mayi são como bolhas que vem e vão na superfície de uma caldeirão fervente. No cadinho do Congo, desde a independência, derrete-se o aparato de Estado e reparte-se em pequenas porções a quem conseguir servir-se. Para manter esse fogo aceso, estima-se que cerca de cinco milhões de vidas tenham sido destruídas entre 1998 e 2008, das quais mais de dois milhões de fome e doenças.
Denis Mukwege, o médico que salva as mulheres vítimas da violência sexual da guerra. O Prêmio Nobel é de 2018, mas a história começa muito antes
Nesse 2020, quando se comemora os 60 anos da independência do Congo, apresentamos uma série em cinco partes sobre a história desse país tão importante quanto pouco conhecido. Buscaremos compreender como chegou-se a tamanha tragédia humanitária, pontuando os dilemas políticos enfrentados pelo Congo da colonização à atualidade.
Nesse percurso, analisamos a complexidade da questão étnica e como ela se mistura às disputas políticas. São questões centrais a serem solucionadas para que a sociedade congolesa possa se constituir como nação, ente civil de fato, e não só como Estado, ente de direito público, emanado da megalomania de um rei ambicioso.
A AFDL (Aliança das Forças Democráticas pela Libertação), de Kabila, ocupou a capital, Kinshasa, em maio de 1997 pondo fim à longa era de Mobutu Sese Seko. Os tutsis compunham a base militar da AFDL e seu objetivo era derrotar a milícia radical hutu, a Interahamwe, a principal responsável pelos atos de execução do genocídio de Ruanda.
Bandeira da restaurada República Democrática do Congo
O Zaire desaparecia junto com o seu criador. O regime instaurado por Kabila trouxe de volta o nome do país, República Democrática do Congo (RDC).
Pouco interessado em ser um mero instrumento do líder ruandês Kagame, Kabila virou do avesso seu tabuleiro de alianças, desencadeando uma nova guerra. Ele passou a aceitar hutus para lutar em suas tropas e, depois, se aproximou de chefes da Interahamwe. Em seguida, ampliou as alianças com as milícias mayi-mayi, em geral contrárias à presença das forças ruandesas e seus aliados congoleses, os banyamulenge.
Em julho de 1998, o novo presidente exigiu a saída de todos os exércitos estrangeiros do território congolês, deixando clara a intenção de se livrar da tutela de Ruanda e Uganda. Em agosto, o chefe de gabinete do governo da RDC, Abdoulaye Ndombasi, declarava publicamente, usando a linguagem do genocídio de Ruanda, que os tutsis eram “vírus, mosquitos, uma sujeira que deve ser eliminada com determinação”.
No mês seguinte, pelo menos cem tutsis foram mortos na cidade de Goma, no Kivu do Sul, por homens da Interahamwe. A milícia hutu passava a se chamar Exército pela Libertação de Ruanda (ALiR) e a agir com a cobertura das Forças Armadas da RDC. O governo ruandês reagiu prontamente liderando a aliança anti-Kabila. Com o nome de União Congolesa pela Democracia (RCD), reunia Ruanda, Burundi, Uganda e os Banyamulenge. Novamente, a área dos acampamentos de refugiados, na fronteira com Ruanda e Burundi, ao redor dos Grandes Lagos, seria alvo constante dos ataques.
Internacionalmente, no pós-Guerra Fria, os alinhamentos também haviam sido reorganizados e agora os Estados Unidos apoiavam os novos governos de Ruanda e Uganda, enquanto a França buscava expandir sua influência sobre o continente africano, atuando ativamente nos países francófonos, mesmo que isso significasse apoiar a ditadura de Kabila.
Apesar de sonoro, “guerra de toda a África” é um pouco exagerado, considerando-se o número de envolvidos no campo de batalha. Faz mais sentido “Segunda Guerra do Congo”. A extensão desse conflito, de 1998 a 2003, delimita a presença declarada de forças militares estrangeiras, mas do ponto de vista da história do Congo, prosseguem as guerras internas, que escalam em violência com o acesso cada vez mais facilitado às armas. Depois de 2003, a instabilidade no Congo prosseguiu, apenas se reorganizando em termos das alianças entre diferentes milícias, militares e os atores da “guerra por procuração”.
As forças da coalização ruandense da RCD avançaram rapidamente até os arredores de Kinshasa, ainda em agosto de 1998. Kabila apelou à SADC,organização fundada em 1992, composta inicialmente por nove países e destinada a promover políticas de integração e desenvolvimento entre seus membros. Imediatamente os ditadores do Zimbábue, Robert Mugabe, e Angola, José Eduardo dos Santos, declararam o apoio da SADC ao “governo legítimo da RDC” e o envio de suporte militar. Mas a decisão de ambos contrariava a posição da África do Sul e da Zâmbia, que insistiam em uma solução diplomática para a crise. Não por acaso, as negociações dos acordos da guerra foram realizados nestes últimos países.
A RCD controlava o leste do país, mas o sectarismo começou a afetar sua expansão. Logo, a coalizão rachou, com a cisão entre as forças apoiadas por Ruanda e Uganda. Esta última, cada vez mais envolvida na região fronteiriça de Ituri, ao norte do Kivu do Norte, apoiou a criação do Movimento pela Liberação do Congo (MLC), que atuava no nordeste do país, tornando mais complexo o teatro da guerra.
Entre 1999 e 2000, o conflito na região de Ituri tornou-se o foco de maior violência da guerra, com a sobreposição de forças militares diversas ao conflito étnico tradicional que opunha o povo Lendu aos aliados de Uganda, o povo Hema, também presente em território ugandense. Em dezembro de 1999, duzentos civis desarmados foram executados por integrantes de uma milícia Hema e lançados ao rio Chari.
Na ausência de um Estado de fato, o país foi sendo divido em áreas de ocupação, dentro das quais multiplicavam-se os grupos mayi-mayi, na guerra de todos contra todos
As forças de Ruanda, Burundi e Uganda, inicialmente saudadas como libertadoras, rapidamente se tornaram impopulares. Não era para menos, dada a impressionante lista de atrocidades de combatentes que matavam civis às centenas. A violência sexual tornou-se regular, habitual.
Apenas na passagem de 1998 para 1999, aproximadamente 800 civis foram executados em Makabola, no Kivu do Sul, por membros da RCD. Dois meses depois, em Burhinyi, na mesma província, outras cem pessoas tiveram o mesmo destino. No lado oposto, em maio de 1999, um ataque aéreo conjunto das forças congolesas, zimbabuanas e sudanesas causou dezenas de mortes de civis em Goma, Uvira e Kisangani.
Bill Clinton, presidente dos EUA, com o líder de Ruanda, Paul Kagame. A “culpa” pela inação frente ao genocídio ruandês foi recompensada com o excesso de condescendência dos EUA diante das atrocidades cometidas pelas forças ruandesas tutsis no Congo
Em janeiro de 2000, a secretária de Estado americana Madeleine Albright, em reunião do Conselho de Segurança da ONU, denunciou o “abuso terrível dos direitos humanos por todos os lados” na guerra em curso no Congo. No entanto, seu registro foi uma exceção: o governo dos EUA tendia a criticar as atrocidades cometidas por Kabila e seus aliados, mas amenizava os crimes de guerra das forças ruandesas e ugandenses.
A violência desmedida e cotidiana no coração da África cobrava ações internacionais capazes de oferecer alternativas à situação, em nome de proteger as vítimas da guerra. Mas as grandes potências frisavam mais a “estabilidade” do que a “solução”. Ninguém estava interessado em se envolver militarmente no imenso campo minado que é o Congo, nem abrir mão de suas áreas de influência, atreladas à defesa dos aliados locais. Como explicou o presidente Bill Clinton à época: “Melhor de tudo é uma solução genuinamente africana para um problema africano”.
Ele estava se referindo ao Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka, assinado na capital da Zâmbia em 6 de julho de 1999. A mediação coube à SADC, que ocupou o vazio deixado pela inação da Organização da Unidade Africana (OUA) e da comunidade internacional em geral.
O acordo falava em suspender as hostilidades e na retirada das tropas estrangeiras do país. No entanto, todos os envolvidos sabiam que as milícias – ausentes das negociações – formavam a porção beligerante mais incisiva do conflito e dificilmente deporiam suas armas. A guerra continuaria, indiretamente.
Ali também se permitiu que a ONU enviasse uma força de paz, a Missão das Nações Unidas no Congo (MONUC), criada pelo Conselho de Segurança em novembro de 1999. A atuação da MONUC foi bem pouco eficaz, incluindo dificuldades de acesso ao leste do país, onde a pouca infra-estrutura havia sido bastante danificada pelos combates. Além disso, os capacetes azuis atuavam basicamente como suporte das forças congolesas, o que sempre foi motivo de muitas críticas.
Em janeiro de 2001, no palácio presidencial, em Kinshasa, o presidente congolês foi assassinado, em circunstâncias não completamente esclarecidas, por um guarda-costas kadogo (palavra usada para identificar as crianças sequestradas e transformadas em soldados). O assassino foi morto em seguida pelo coronel que entrou no recinto do crime. Nunca se soube quem estava por trás dessa ação, ou mesmo se o rapaz agiu por impulso. Existem muitas suposições, mas as que apontam para Angola parecem ser as mais plausíveis. Kabila, além de se transformar em um problema crescente para o governo de Luanda, sobretudo por sua sabotagem das tratativas de paz, começou a negociar diamantes com guerrilheiros da UNITA, inimigos do governo angolano.
O fato é que seu filho, Joseph Kabila, foi imediatamente apontado como seu sucessor, com apoio de Angola e Zimbábue. Com apenas 29 anos, o novo presidente foi visto com alguém que tinha estudado, viajado um pouco, inclusive para a China, onde fez curso militar, e, muito diferente do pai, estava aberto a negociar de modo mais realista.
Joseph Kabila, ao assumir a presidência da RDC, em 26 de janeiro de 2001. Uma nova promessa de democracia, que se desfaria num governo de 18 anos
As negociações foram reabertas e, em julho de 2002, chegou-se ao Acordo de Pretória, entre representantes dos governos de Ruanda e República Democrática do Congo. O negociado era a retirada das forças ruandesas (cerca de 20 mil homens), em troca do compromisso internacional em agir para desarmar as milícias hutu e o RCD. As partes aceitaram a manutenção de Joseph Kabila como presidente, desde que ele aceitasse governar cerceado por quatro vice-presidentes, representantes das partes envolvidas, incluindo representantes da sociedade civil, mas também das milícias.
Dessa vez, a União Africana, sucessora da OUA, teve maior participação no processo de mediação, principalmente na figura de seu primeiro líder, o presidente sul-africano Thabo Mbeki. Outra mudança decisiva ocorreu nos bastidores, quando o governo de Washington pressionou Kagame a aceitar o acordo, dado o desgaste de sua imagem e o custo diplomático de conservar o apoio à sua guerra no estrangeiro.
A nova bandeira da República Democrática do Congo, adotada em 2006
O documento de julho preparou o Acordo Global e Inclusivo de Paz, também assinado em Pretória. em dezembro de 2002. Foi acertada a retirada das forças de Ruanda e Uganda, restaurando-se teoricamente a integridade territorial do Congo e a soberania do Estado. Enquanto isso, um grande acordo nacional deveria criar uma Constituição provisória.
A guerra terminou oficialmente em março de 2003, quando a Constituição provisória foi aprovada. Em abril, todas as partes em negociação assinaram um acordo de paz e Joseph Kabila foi confirmado presidente de um governo de transição, para a realização de eleições livres em 2006. Entretanto, diversas facções fora de controle continuavam espalhadas pelo país e, no Kivu do Sul, os homens da RCD contestavam o acordo.
Uma guerra dessa natureza, tão prolongada quanto confusa em suas motivações, brutal com a população civil, tem qual propósito? Afinal, quando se tem em mente que a Segunda Guerra do Congo terminou oficialmente, mas o ambiente de desorganização estatal e disputa pelo controle de partes do território prossegue, a pergunta fundamental passa a ser: quem paga essa conta? De onde vêm as armas? Quem alimenta os soldados, os milicianos, os mayi-mayis?
A República Democrática do Congo possui enormes reservas de ouro, diamante, cobre, cobalto, zinco, estanho e coltan, um dos componentes mais importantes na produção de aparelhos eletrônicos e, portanto, uma commodity de interesse mundial. Desde a Segunda Guerra Mundial, o papel do Congo como fornecedor desses minérios para o mundo é decisivo. Afinal, o país possui algumas das maiores reservas do planeta e baixíssimos custos de mão de obra.
“Padrinhos da exploração ilegal de recursos naturais e da continuação do conflito na RDC”. Assim foram descritos os presidentes de Ruanda, Kagame, e Uganda, Yoweri Museveni em um relatório apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, durante uma reunião em 2001. Boa parte do butim era revertida ao financiamento do próprio conflito, mas chegou a impulsionar as economias de Uganda e Ruanda, no início daquela década.
Segundo o mesmo relatório, inicialmente, minérios, café, madeira, gado e dinheiro foram simplesmente levados para os países ocupantes. A exploração dos minérios começou a ser montada desde 1996-1997, quando nasceu a AFDL. Depois, com a ruptura com Kabila e transformados em ocupantes, as forças ruandesas e ugandenses se incumbiram de promover uma vasta exploração ilegal desses recursos naturais.
O presidente ugandês Yoweri Museveni, no poder desde 1986, condecora Kagame. Foram, ambos, os grande padrinhos-beneficiários da Segunda Guerra do Congo
O esquema é difícil de ser combatido, pois se associa às redes de corrupção locais já estabelecidas, para as quais pouco importa quem é o “chefe”, desde que o dinheiro corra. Com maior planejamento e organização, foram incluídos funcionários públicos, políticos, militares de alto escalão e empresários.
A exploração mineral e petrolífera são as duas principais fontes de renda na RDC. Estima-se que 70% do lucro das minas é retido pelas camadas mais abastadas da sociedade congolesa, formada por militares de alta patente e seus parentes e alguns grandes burocratas do Estado, enquanto 80% da população sobrevive com menos de um dólar por dia, isto é, em condição de miséria extrema, segundo dados de 2012.
Um “sócio” importante na exploração desses recursos são as Forças Armadas da RDC. Seus integrantes pouco se distinguem das milícias e também obtém ganhos cobrando taxas impostas à população civil. Que as Forças Armadas atuem dessa forma reflete o grau de desorganização do Estado congolês. Os soldados convivem com salários atrasados e condições de trabalho precárias.
Por outro lado, relatórios produzidos por instituições como a Human Rights Watch, Anistia Internacional e Oxfam já demonstraram a associação de grandes empresas mineradoras sediadas na Europa e nos EUA com as forças combatentes no Congo, por meio das quais asseguram a extração e exportação de suas matérias-primas. Isso inclui o maior conglomerado de mineração do mundo, a britânica Anglo American, por meio de sua subsidiária sul-africana, a Anglo Gold Ashanti.
No mundo globalizado de 2005, a maior empresa refinadora de ouro da região, a suíça Metalor Technologies, se comprometeu a parar de comprar ouro de Uganda após relatório da HRW demonstrar a associação da empresa com as milícias. No ano seguinte, outro estudo, encabeçado pela Anistia Internacional, demonstrou que a munição usada em Ituri tem procedências americana, chinesa, russa, sul-africana e grega. Esses dados demonstram a ineficácia dos embargos impostos pela ONU, mesmo sobre armamentos.
A República Democrática do Congo desidratou-se como aparato burocrático e instituição organizadora da sociedade civil desde a independência. Como causa e consequência desse vazio de poder, surgiram as milícias mayi-mayi, que se tornaram peça fundamental na disputa pelo poder, especialmente na banda oriental do país.
Mil palavras em uma imagem
Quando analisadas em sua composição, vê-se que, nas milícias, as diferenças étnicas nem sempre contam. Isso é bastante claro entre as forças de Kabila, que vieram a se tornar a base das Forças Armadas congolesas: estavam juntos hutus, tutsis e congoleses. Contudo, na hora de excitar ânimos para o ataque, o ponto da diferença étnica é o enfatizado.
No leste, a mistura entre as rivalidades étnicas e a pobreza extrema fez com que todos passassem a disputar ferozmente o controle sobre a exploração dos minérios. Não por acaso a cidade de Kisangani tornou-se alvo de pesadas disputas durante toda a guerra.
No fim das contas, o conflito de Ituri, na fronteira com Uganda, ou a guerra transfronteiriça entre hutus e tutsis, na região dos Kivus, eram financiadas pela capacidade que essas forças militares, oficiais ou não, tiveram de controlar alguma parte desse butim de guerra.
Em abril de 2018, o analista político congolês Fidel Bafilenda disse a uma reportagem publicada pelo jornal britânico The Guardian: “Há uma falta de vontade política para reprimir as milícias. A única maneira desse regime manter o poder é manter uma situação que lhes permita continuar pilhando. Cada grupo armado pode ser vinculado a um oficial em Kinshasa, no governo ou no exército.” Nada mudou em dez anos.
O fato é que. em muitas regiões, as atividades administrativas passaram a ser executadas pelas milícias, uma forma incipiente de Estado, inclusive cobrando impostos e gerenciando as atividades econômicas. Desmontar esses microestados paralelos é a grande equação a ser resolvida antes que se consiga organizar a sociedade civil no país, pois cada um deles luta pela sua sobrevivência.
A Segunda Guerra do Congo envolveu exércitos de oito países e cerca de 25 grupos armados irregulares, todos acusados de cometerem crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Tortura, estupro, recrutamento de crianças e execução em massa de civis – a extrema violência era a regra. Nenhum dos grupos em jogo aceitava qualquer forma de contestação em seus domínios, onde muitas vezes imperou o terror. A lista de chefes militares citados como réus no Tribunal Penal Internacional dá uma medida do caos.
Estima-se que a maioria das vítimas da guerra no Congo pereceu de fome ou doenças derivadas. A RDC figura na lista dos onze países nos quais um quinto das crianças morrem antes dos cinco anos de idade, segundo dados da UNICEF, de 2008. Apenas entre janeiro de 2006 e abril de 2007 quase metade das mortes foram de crianças menores de cinco anos.
Kadogos, as crianças-soldado são uma das muitas faces trágicas da guerra. Muitos são sequestrados, outros, aliciados com comida, frequente vão combater sob o efeito de drogas
“A maioria das mortes ocorreu devido a doenças infecciosas, desnutrição e condições neonatais e relacionadas à gravidez. As taxas mais altas de doenças provavelmente estão relacionadas aos distúrbios sociais e econômicos causados pelo conflito, incluindo interrupção dos serviços de saúde, falta de segurança alimentar, deterioração de infraestrutura e deslocamento da população. As crianças (…) são particularmente suscetíveis a essas condições facilmente evitáveis e tratáveis”, afirma a pesquisa do IRC citada em reportagem de 2008 no The Guardian.
Um aspecto marcante e trágico da guerra no Congo é a violência indiscriminada aplicada contra os civis, infringindo largamente qualquer convenção existente. Milhões de pessoas foram deslocadas das suas casas, transformando-se em deslocados internos ou se tornaram refugiados nos países vizinhos. Somente entre janeiro e setembro de 2009, período de desenvolvimento de duas grande operações militares, aproximadamente 9,5 mil casas foram incendiadas por ação miliciana na região dos Kivus, sem contar escolas, igrejas e hospitais.
Em um país onde a guerra tem atravessado gerações, os meninos são arrastados para a luta desde cedo, inclusive atraídos pela alimentação regular que frequentemente não dispõem em suas casas. Já as mulheres viram, horrorizadas, seus corpos serem transformados em território de disputa dos homens em guerra. É uma ação de profundo simbolismo: atacar o corpo da mãe, da esposa, da terra-mãe…
A violência sexual tornou-se arma de guerra, inclusive com combatentes portadores do HIV. Em pouco menos de 6 meses, entre 2002 e 2003, a ONU estimou que 5 mil mulheres foram estupradas apenas na província de Kivu do Sul, numa média de 40 casos por dia. Somente em 2009, mais de 7,5 mil casos de estupro foram registrados, além daqueles que são documentados como mortes arbitrárias, porque é uma pratica usual na região o estupro em grupo, seguido de amputação de membros das vítimas e/ou execução, informa relatório da HRW de 2009.
Doutor Mukwege e algumas das mulheres vítimas de violência sexual atendidas por ele
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