13 de janeiro de 2025
Na semana passada Mark Zuckerberg anunciou que a Meta removerá, nos Estados Unidos, os verificadores de fatos e as restrições sobre tópicos como imigração e gênero, porque configuram “censura” e estariam “fora de sintonia com o discurso convencional”. Agora a “moderação” será feita – se a gente fizer de conta que os algoritmos não são programados – pelos comentários da própria comunidade, como já é feito pelo X, de Elon Musk.
O fato do anúncio ocorrer duas semanas antes da posse de Donald Trump e ter sido feito primeiro ao futuro presidente e só depois ao público em geral demonstra a rendição de Zuckerberg ao novo governo, com tudo que o trumpismo representa, incluindo uma atração perversa por fake news. Mas é ainda pior se considerarmos a ameaça que decorre da possibilidade de um Estado controlar as redes e os discursos que nelas fluem, contendo a difusão de opiniões críticas – vide China.
Muito se falou sobre os riscos dessa mal invocada “liberdade de expressão” para grupos minoritários, e esse é apenas o efeito imediato. No longo prazo, na Babel instaurada pelas redes (anti)sociais, a própria noção de verdade estará sob risco, pois o big brother tecnológico não é mais ficção. E, como declarou a jornalista filipina Maria Ressa, Prêmio Nobel da Paz (2021), ao jornal britânico The Guardian, um mundo sem fatos é um mundo apropriado aos ditadores.
Dois empresários ambiciosos e um presidente imprevisível, que poderá exercer influência sobre os algoritmos
Baseado em seu livro A superindústria do imaginário (Autêntica, 2021), o professor de comunicação Eugênio Bucci escreveu para este site o artigo Do email ao nada, analisando o fenômeno das chamadas big techs. As empresas ditas “de tecnologia”, que hoje figuram entre as cinco mais valorizadas do mundo (Apple, Amazon, Google, Microsoft e Meta) com orçamentos maiores que o de Estados, organizam seu negócio de maneira totalmente nova, mesmo para o capitalismo, porque lucram vendendo as informações dos usuários. “Em lugar de preencher as necessidades, o modo de produção interpela o desejo”, afirma Bucci. E a pandemia acentuou muito a dependência das pessoas em relação aos smartphones e seus inúmeros aplicativos.
A intervenção na política para influenciar resultados eleitorais, o discurso de ódio contra minorias, as redes de crime organizado de todo tipo que usam as plataformas digitais, os efeitos psicossociais sobre a juventude e infância: a lista de problemas gerados por essa nova economia já é bem conhecida.
Aprendendo a lidar com esse não tão admirável mundo novo, sociedade civil e governos têm se mobilizado para criar mecanismos normativos capazes de minimizar os efeitos danosos e preservar os aspectos benéficos das novas tecnologias. Os Estados, em particular, como entes definidos pela soberania, se preocupam com o caráter global dessas empresas e suas interferências ou instrumentalização para fins políticos. E, até a semana passada, o que acontecia era a ação dos Estados para disciplinar as corporações que exploram esse mundo novo, ao mesmo tempo que as plataformas buscavam se adaptar para não sofrerem punições.
A responsabilidade do Facebook na perseguição aos Rohingya foi admitida até pela empresa de Zuckerberg
Em janeiro de 2024 Mark Zuckerberg enfrentava sessões no Senado dos EUA, diante de uma comissão de pais e familiares, pedindo desculpas pelo mal que os produtos da Meta estavam causando às crianças, comprometendo-se em melhorar os filtros e checagens do WhatsApp, Facebook e Instagram.
A Meta foi obrigada a adotar a checagem de fatos e a moderação independente de conteúdos quando não pode mais negar a influência do Facebook nas graves violações de direitos humanos infligidas ao povo Rohingya, entre 2017 e 2018.
No caso, comprovou-se o papel crucial da rede social como principal veículo de disseminação de discurso de ódio e violência, ou seja, no intento genocida dos militares de Mianmar. Há, inclusive, uma campanha da Anistia Internacional cobrando que a Meta pague indenização aos Rohingya.
No primeiro mandato de Donald Trump (2017-2021), a Meta tornou-se alvo de ameaças de retaliação do presidente, insatisfeito com o que chamava de “censura” contra seus apoiadores (só porque eles mentiam muito e disseminavam desinformação…) e Zuckerberg parecia sustentar a posição. Até que entrou em cena uma figura (para usar uma palavra da moda) disruptiva: Elon Musk. O dono da Tesla comprou o Twitter em 2022, rebatizou-o de X, aboliu os filtros e transformou a plataforma de comunicação em palanque para a sua megalomania.
O anúncio da semana passada demonstra a subordinação de Zuckerberg à Trump e também sua adesão ao mesmo método empresarial de Musk, que é se aproximar ao máximo do governo. Musk ganhou cargo no primeiro escalão da Casa Branca; Zuckerberg elevou Dana White, dono do UFC e estrategista de Trump, para o conselho de direção da Meta. Os dois magnatas buscam garantir, por meio da aliança, subsídios do setor militar e proteções governamentais de todo o tipo.
O poder da imprensa tradicional, para a qual checar fatos e ser responsabilizada judicialmente pelo que publica faz parte das regras, está bastante enfraquecido. Em primeiro lugar por seu caráter “local”, enquanto as redes sociais operam na arena mundial. Em segundo lugar, pela crise do racionalismo, que se manifesta no descrédito das ciências e na supervalorização do transcendente, alavancados pela baixa qualidade na educação em todos os níveis e em todas as classes sociais.
Os jornais deixaram de ser vistos como aliados dos cidadãos na fiscalização dos governantes para serem encarados como aparatos a serviço de grupos de interesses e suas ideologias. Segundo tal discurso, inexiste objetividade. E, para piorar, as redes sociais (como meio) e o discurso identitário (como mensagem) aprofundaram a tribalização e polarização das sociedades.
Então, o que significará para todos nós se esses conglomerados monopolistas globais aceitarem voluntariamente que a liberdade de expressão admite ofender, difamar, caluniar, e outros verbos que constam do código penal?
O totalitarismo hoje se dá por meio da entrega voluntária de nossas vidas ao Big Brother das telas
O cinismo é tanto que, indagado sobre as consequências dessa liberalização para as crianças, Zuckerberg afirmou que serão mantidos os procedimentos de controle relacionados a conteúdos que incentivam suicídio, automutilação e transtornos alimentares. Só não venha essa criança de uma família de imigantes…
E o que significará esse imenso poder associado a um governo que poderá, agora, manipular a opinião pública interna e mundial graças aos serviços prestados por algoritmos amigos? Quanto tempo demorará para que outros líderes populistas, democraticamente eleitos, tenham ideias semelhantes?
A situação é mais grave do que parece, pois incide sobre um direito fundamental: a liberdade de expressão. Esse conceito nasceu para combater o dogmatismo do Antigo Regime, que impedia a liberdade de pensar e expressar ideias dos que desafiavam o poder constituído, sobretudo religioso, não de modo violento, mas pela força da argumentação. Essa era a utopia racionalista do Iluminismo.
Quando as primeiras Constituições surgiram, no final do século XVIII, o direito ao livre pensamento logo foi erigido à condição de direito fundamental da pessoa humana. Mas nunca foi sobre gritar bobagens no meio da praça – hoje virtual – sem consequências. O direito à liberdade de expressão protegia as pessoas comuns das fogueiras da Igreja e das masmorras do Estado. Hoje, a acreditar em Musk e Zuckerberg, só protege o discurso de autoridades estatais engajadas no extremismo.
Quando Musk e Zuckerberg se apresentam como defensores da liberdade de expressão, mentem descaradamente, porque sabem que o fluxo das informações dependerá dos algoritmos, e eles têm donos.
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