Teste nuclear no atol de Fangataufa, Polinésia Francesa, em 3 de julho de 1970
O desenvolvimento da energia nuclear ganhou impulso nos EUA durante a presidência do general Dwight Eisenhower (1953-1961). Ciente da competição que movia as potências nucleares e dos riscos embutidos nessas disputas, ele propôs a criação de uma Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ligada à ONU. Ali, as potências poderiam compartilhar suas tecnologias para fins pacíficos (e obteriam pistas dos caminhos que os concorrentes estavam seguindo).
O programa Átomos para a Paz surgiu no contexto da “coexistência pacífica” com a União Soviética de Nikita Kruschev (1953-1964), sucessor de Stalin, e abriu o caminho para a chamada primeira détente (distensão) com os Estados Unidos.
Bandeira da AIEA
No verão de 1955 foi realizada em Genebra a Primeira Conferência Sobre os Usos Pacíficos da Energia Nuclear e, no ano seguinte, foram aprovados os estatutos da AIEA na Assembleia Geral da ONU.
A AIEA foi instalada oficialmente em 1958, em Viena, porque a Áustria era um Estado militarmente neutro desde o final da Segunda Guerra Mundial e geograficamente situado entre os blocos ocidental e soviético. A organização entrou de fato em ação a partir de 1963, após os solavancos provocados pela crises de Berlim (1961) e dos Mísseis, em Cuba (1962).
Em 1957, os países fundadores da Comunidade Europeia criaram sua própria agência, a Euratom, para coordenar o desenvolvimento do setor nuclear e deixá-los menos vulneráveis ao poder de Washington, ao qual estavam submetidos pelos compromissos com a OTAN.
O risco de uma guerra nuclear global ganhou força na década de 1950 com o surgimento dos Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBM). Os novos mísseis, que possuíam a capacidade de carregar ogivas nucleares e cruzar oceanos para alcançar os inimigos, foram usados para lançar satélites em meio à corrida espacial.
A repercussão internacional do teste de Castle Bravo (1954) trouxe as primeiras pressões para uma moratória nas explosões atômicas, mas a inflexão veio apenas após a Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962, quando as duas superpotências estiveram muito próximas de um confronto direto. Em 1963, Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido assinaram o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares (PTBT), vedando testes subaquáticos, na atmosfera e no espaço sideral (mas não os subterrâneos).
O Tratado do Espaço Exterior, assinado em 1967, vedou a instalação de armas de destruição em massa no espaço sideral, criando uma das primeiras “zonas livres de armas nucleares”
Estados Unidos e União Soviética temiam o surgimento de novas potências atômicas, especialmente após as dissidências da França, no bloco ocidental, e da China, no oriental. Por isso, as duas superpotências rivais concordaram sobre o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968, prorrogado por tempo indeterminado em 1995 e ratificado pela maioria dos países do planeta, com exceção de Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte, que se retirou do acordo em 2003.
De acordo com o TNP, os países que detêm arsenais nucleares deveriam focar na extinção de seus estoques de armas de destruição em massa e não auxiliar outros países a desenvolverem novos arsenais atômicos. Ao mesmo tempo, o acordo previa o direito inalienável dos Estados-parte de desenvolverem a investigação, a produção e o uso da energia nuclear para fins pacíficos, que seriam fiscalizados por inspeções regulares da AIEA.
Para além do TNP, EUA e URSS realizaram acordos para limitar o número dos Mísseis Balísticos Intercontinentais, com os acordos Salt (Conversações Sobre Limites para Armas Estratégicas), durante a década de 1970. O clima de distensão retornou com o último líder soviético, Mikhail Gorbachev que, após o acidente de Chernobyl, num dos atos mais simbólicos sobre o esgotamento da corrida armamentista promovida pela Guerra Fria, assinou com Ronald Reagan (1981-1989), presidente dos Estados Unidos, em dezembro de 1987, um acordo inédito de redução dos respectivos arsenais nucleares.
Com o fim da Guerra Fria veio à luz, em 1996, o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT), inclusive subterrâneos, ratificado por 178 países. Contudo, o acordo foi frustrado pela não adesão dos governos dos Estados Unidos, China, Irã, Egito, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte, deixando a porta aberta para a retomada dos testes nucleares como ferramenta de dissuasão geopolítica.
Vladimir Putin usou essa carta em novembro de 2023, quando a Rússia abandonou o CTBT como forma de chantagear os países do Ocidente por se oporem à invasão da Ucrânia e darem sustentação ao governo de Kiev.
A busca pela não proliferação nuclear passa também pela criação de “zonas livres de armas nucleares”, incentivadas pelo TNP e inspiradas no exemplo pioneiro da América Latina e do Caribe com o Tratado de Tlatelolco (1957). Países e territórios do Pacífico Sul (1987) e nações do Sudeste Asiático (1995), da África (1996) e da Ásia Central (2006) assinaram acordos do mesmo teor, além de uma iniciativa própria da Mongólia (1992), país localizado entre Rússia e China.
Fonte: UNODA (Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento)
Pelo Tratado da Antártida (1959), o continente gelado também está vedado a testes nucleares, um compromisso renovado pelo Protocolo de Madri (1991), assim como o assoalho oceânico fica livre da instalação de dispositivos atômicos, por acordo entre as potências assinado em 1971.
Na Guerra Fria, ignorando o Tratado de Tlatelolco, as ditaduras militares no Brasil e na Argentina desenvolveram programas nucleares secretos. Tais projetos foram interrompidos pelo retorno dos civis ao poder nos dois países em meados dos anos 1980. No artigo 21 da Constituição Federal do Brasil, de 1988, consta que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos”.
Em 1991, Brasil e Argentina instituíram um órgão bilateral, o único desse tipo no planeta, de fiscalização mútua do setor nuclear, a ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares), mas apenas no final da década aderiram ao TNP. Atualmente, o Brasil possui duas usinas nucleares em operação, enquanto outras três estão em funcionamento na Argentina.
Fonte: MAITRE, Emmanuelle. & PIOLET, Hugues. La dissuasion nucléaire a-t-elle encore un sens?. Grand Atlas Autrement 2024, p. 48-49.
A África do Sul foi o único país que desenvolveu armas nucleares e depois desmantelou totalmente seu próprio arsenal, criado durante o regime de apartheid (1948-1994) a partir de uma parceria tecnológica com Israel. Em 1979, um satélite americano flagrou um flash oriundo de teste nuclear nas proximidades das ilhas Príncipe Edward, domínio sul-africano no Oceano Índico subantártico. Em 1993, o presidente Frederik De Klerk, o último do regime de segregação racial, afirmou que o estoque atômico do país havia sido destruído ainda antes da assinatura do TNP, em 1991.
A tentativa de barrar a expansão de capacidade bélica nuclear esbarra nos interesses de Estados soberanos e suas rivalidades geopolíticas. Índia e Paquistão realizaram testes subterrâneos em 1998. A Coreia do Norte tem realizado centenas de testes com mísseis de médio alcance sobre o Mar do Japão. O arsenal nuclear da ditadura norte-coreana contrasta com a penúria econômica do país e fornece instrumentos de ameaça constantes aos vizinhos Coreia do Sul e Japão. No Oriente Médio, Israel desenvolveu um sofisticado arsenal nuclear.
O Irã dos aiatolás posiciona Israel como seu inimigo existencial e possui um programa de enriquecimento de urânio capaz de levar ao desenvolvimento de armas nucleares. Em 2015, o país firmou um acordo internacional ara limitar o uso do urânio enriquecido para a produção de energia, mas Donald Trump retirou Washington do compromisso em 2018. De lá para cá, o Irã acelerou o programa e, desde 2023, impediu a inspeção de suas instalações nucleares pela AIEA.
O exemplo vem de cima e o TNP também é enfraquecido pela recusa de potências nucleares em reduzirem seus próprios arsenais. A “guerra ao terror” do ex-presidente dos EUA, George W. Bush (2001-2009), o mandato de Donald Trump (2017-2021) e a postura imperialista de Vladimir Putin (1999-2024) abalaram os acordos de redução de arsenais nucleares consolidados a partir da década de 1990. O último tratado remanescente, o New Start, de 2011, expira em 2026.
O naufrágio do submarino nuclear russo Kursk (K-141), em agosto de 2000, foi um drama acompanhado mundialmente. O então novo líder russo, Vladimir Putin, demorou semanas até reconhecer que a embarcação havia explodido, matando seus 118 tripulantes. Ele recusou a ajuda internacional na busca pelo submarino porque não queria revelar segredos militares
A resposta dos países que não detêm armas nucleares às brechas crescentes na eficiência do TNP veio com o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW), aprovado em uma conferência da ONU, em 2017. O novo acordo defende o fim do desenvolvimento, produção e estoque deste aparato bélico, assim como dos testes e do seu uso como ameaça e dissuasão. O TNPW recebeu a assinatura de 122 países, em sua maioria da América Latina, da África, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático. Entrou em vigor em 2021, após a 50ª ratificação, mas as grandes potências ignoraram o novo compromisso.
O fenômeno das armas nucleares também envolve nações que não detêm arsenais próprios mas estão engajadas em alianças com potências atômicas em nome de imperativos de segurança. Logo, estão sob o “guarda-chuva nuclear” de outrem, caso do Japão e da Austrália em relação aos Estados Unidos.
Algo parecido ocorre com países da Europa integrantes da OTAN, pois a aliança militar surgiu em 1949 tendo como elemento central a liderança dos Estados Unidos contra um possível ataque da União Soviética. O resultado é que parte do arsenal atômico dos Estados Unidos está alocado na Bélgica, na Holanda, na Alemanha, na Itália e na Turquia.
Enquanto isso, armas nucleares da Rússia foram posicionadas no exclave de Kaliningrado, vizinho à Polônia e à Lituânia, países da Europa Oriental que se tornaram membros da OTAN após a desintegração soviética. É a manutenção da geografia da dissuasão nuclear tendo a Europa como palco.
Em desfile, míssil balístico norte-coreano
Os Estados Unidos posicionaram armas nucleares na Coreia do Sul após a Guerra da Coreia (1950-1953) para dissuadir o vizinho do norte. Mas o desenvolvimento de um arsenal atômico pela Coreia do Norte, aliada à visita do ex-presidente Donald Trump ao país comunista ampliaram a pressão doméstica para que a Coreia do Sul crie seu próprio arsenal.
Em março de 2023, em entrevista à agência de notícias Reuters, Oh Se-oon, uma das principais lideranças políticas da Coreia do Sul justificou a proposta baseando-se no caso da Ucrânia invadida pela Rússia que, segundo ele, encontra-se em “inferioridade psicológica em relação a um Estado nuclear”.
Entre 1994 e 1996, a Ucrânia e outras ex-repúblicas soviéticas, o Cazaquistão e Belarus, abriram mão do arsenal nuclear que haviam herdado da antiga União Soviética, transferindo-o para a Rússia em troca de garantias de segurança. A Guerra da Ucrânia escancarou a violação do compromisso e a proliferação nuclear avança novamente na região, com a transferência, desde maio de 2023, de armas atômicas russas para Belarus, cujo ditador, Alexander Lukashenko, é um fiel aliado de Putin.
Desde o início da invasão da Ucrânia, Putin ameaça empregar armas nucleares táticas, de menor dimensão mas com enorme poder de destruição, contra seus inimigos. Há poucos meses, Robert C. O’Brian, antigo Conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, defendeu a realização de testes nucleares para mostrar a superioridade dos EUA em relação aos arsenais russo e chinês.
Quais podem ser os efeitos de uma retomada nos testes? Na Guerra Fria, o temor dos inúmeros testes atômicos envolvia principalmente o chamado efeito fallout, ou seja, a disseminação de partículas nucleares na atmosfera, atingindo grande amplitude geográfica. A maioria dos fragmentos minúsculos possui decaimento radioativo rápido, mas o mesmo não pode ser dito sobre isótopos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, este último quimicamente similar ao cálcio e capaz de se alojar em ossos que estejam em crescimento, além de causar tumores, leucemia e anomalias sanguíneas.
A criação da AIEA facilitou a expansão global do uso pacífico da tecnologia atômica, sobretudo a produção de energia, desde a década de 1960. Contudo, desde aquela época, países classificados como “subdesenvolvidos” criticam o regime de inspeções internacionais da agência como uma forma de “neocolonialismo”.
Na Guerra Fria, paralelamente aos testes de armamentos atômicos, desenvolveu-se a produção de energia nuclear, mostrando o potencial da nova tecnologia para fins pacíficos. Entre 1965 e 1990, a quantidade de energia produzida em usinas atômicas no mundo saltou de 25 terawatts-hora (TWh) para mais de 2 mil TWh. A nova fonte energética não ficou restrita às potências detentoras de armas nucleares, assim como o alto custo de implantação dessas usinas não impediu sua difusão nos dois lados da Cortina de Ferro.
Usina nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia, a maior da Europa e vizinha a uma termelétrica a carvão. Hoje ela está sob controle das forças invasoras russas
Em 1991, o ano em que a União Soviética desmoronou, os maiores produtores mundiais de energia nuclear eram Estados Unidos, França, Japão, Alemanha, Rússia, Canadá, Suécia, Ucrânia, Reino Unido e Coreia do Sul.
A França destacou-se por apostar numa fonte de energia alternativa, que não emite gases de efeito estufa. Desde o fim da década de 1980 o setor é responsável por mais de 30% do consumo de energia primária no país e, em 2023, por 65% da energia elétrica utilizada. Atualmente, a China é o país que mais investe na instalação de centrais elétricas nucleares.
Ao mesmo tempo, a energia nuclear passou a ser usada para dar maior propulsão aos submarinos, que adquiriram velocidade e capacidade de imersão muito mais longas que os antigos modelos diesel-elétricos. Em agosto de 1977, o navio quebra-gelo soviético Arktika, movido a energia nuclear, tornou-se a primeira embarcação a atingir o polo norte. Rapidamente, novos dispositivos imbuídos de tecnologia atômica se espalharam pelo planeta, enquanto embaralham-se os limites entre os usos civis e militares do átomo.
Na Alemanha, o receio em relação ao uso da tecnologia nuclear em geral se tornou uma pauta recorrente do Partido Verde desde a década de 1980, quando ocorreu o acidente nuclear de Chernobyl. Após 2011, quando a usina de Fukushima, no Japão, foi impactada pelas consequências de um tsunami, o peso dos Verdes na Alemanha influenciou na decisão do país em fechar suas usinas atômicas, processo concluído em 2023.
Contudo, a energia nuclear pode renovar sua trajetória em uma era de transição energética, dado que as usinas atômicas não emitem gases de efeito estufa. Em 2022, o Partido Verde da Finlândia mudou sua posição e decidiu aderir à defesa das usinas nucleares como parte da estratégia para a descarbonização da matriz energética. Na Conferência das Partes (COP) 28, em 2023, nos Emirados Árabes Unidos, 22 países assinaram um compromisso de impulsionar o setor nuclear, incluindo o Japão.
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