DROGAS: DO RITUAL AO CRIMINAL (II)

“GUERRA ÀS DROGAS”

Com o republicano Ronald Reagan (1981-1989), as políticas antidrogas foram definitivamente deslocadas do campo da saúde pública para o da segurança nacional. Para o então presidente, o alto consumo de drogas nos Estados Unidos expunha a falta de controle sobre as fronteiras externas – ou seja, o “mal” vinha de fora, trazido por imigrantes. 

Muito mais real do que qualquer ameaça de ataque da URSS, uma superpotência que vivia sua última década, a disseminação do crack estava acontecendo nas grandes cidades, onde gangues de traficantes organizadas por “raças” disputavam pontos e produziam altos índices de violência.

MuroContraCrack_BronxNYC_Anos1980

A “epidemia do crack” nos anos 1980 ajudou a estigmatizar os mais pobres: imigrantes, não-brancos

O discurso da guerra às drogas ganhou adesão popular graças à cobertura dada pelos meios de comunicação ao surgimento do crack, muito mais nocivo e barato que a cocaína. Logo ganhou força a expressão “epidemia” e historias de “prostitutas do crack” e “bebês do crack” tornaram-se comuns.  Naquela década, filmes para cinema e televisão mostravam as disputas entre violentas gangues de traficantes afro-americanos e latinos, martelando no imaginário nacional a imagem dos “inimigos da sociedade”. 

Quando a primeira-dama Nancy Reagan decidiu abraçar a causa, seu foco estava na defesa da infância e juventude, a quem aconselhava: just say no (“apenas diga não”), que se tornou o lema de toda a política federal antidrogas.

Movido pela comoção pública, o Congresso dobrou a aposta em medidas de teor punitivista, enquanto as ações e verbas para o tratamento e recuperação social dos dependentes declinavam. A Lei Abrangente de Controle do Crime, de 1984, agravou as penas para a posse de canabis e derivados. 

A Lei Antidrogas, de 1986, aumentou significativamente as penas de encarceramento para os envolvidos com o crack, mesmo quando pegos com pequenas quantidades. Logo chamou atenção o fato das penas para a posse de cocaína serem, proporcionalmente, bem menores. Droga de “não-brancos” versus droga de “brancos”.

Ao assinar a lei, Reagan discursou: “A vacina que vai acabar com a epidemia é uma combinação de leis duras – como a que assinamos hoje – e uma mudança dramática na atitude pública. Devemos ser intolerantes com o uso e os vendedores de drogas. Devemos ser intolerantes com o uso de drogas no campus e no local de trabalho. Devemos ser intolerantes em relação às drogas, não porque queiramos punir os consumidores de drogas, mas porque nos preocupamos com eles e queremos ajudá-los. Esta legislação não pretende ser um meio de encher nossas prisões com consumidores de drogas. O que devemos fazer como sociedade é identificar aqueles que usam drogas, alcançá-los, ajudá-los a parar de fumar e dar-lhes o apoio de que necessitam para viver bem.” 

Nos anos seguintes, o encarceramento de afro-americanos e latinos explodiu, pois os mais pobres eram também consumidores da mercadoria mais barata. 

 

Guerra aos imigrantes

Se as drogas entravam ilegalmente pelas fronteiras, esse também era o caso de muitos imigrantes. O governo da Flórida foi o primeiro a associar o tráfico de drogas aos imigrantes latino-americanos – os “hispânicos” – genericamente suspeitos de serem traficantes.

Ainda nos anos 1970, quando a última grande emigração cubana chegou à Florida, muitos foram acusados de participarem de redes de distribuição de drogas. No início da década seguinte foi a vez dos haitianos se tornarem “suspeitos”, seguidos de porto-riquenhos, jamaicanos e mexicanos.

Os condados cobravam medidas mais rigorosas para combater o “duplo problema – imigração e drogas” – e obtiveram um projeto piloto baseado na digitalização de dados de imigrantes e presos, cujo objetivo era agilizar os procedimentos legais para deportação. “Estrangeiros criminosos” foi o termo vago popularizado pelas autoridades policiais que ajudou a aumentar a percepção de ameaça representada pelos imigrantes indocumentados. 

Enquanto as atenções midiáticas só enxergavam perigo entre “afro-americanos” e “hispânicos”, despontava nas estatísticas médicas um novo tipo de problema relacionado ao consumo de drogas. Dessa vez, porém, eram drogas legais e vendidas nas farmácias com receita médica: as metanfetaminas, consumidas pela classe operária branca no Meio-Oeste do país. Apesar do aumento exponencial de dependentes e mortes por overdose, sucessivos governos americanos não fizeram campanhas de esclarecimento ou prevenção.

 

GUERRA AO “NARCOTERRORISMO”

Na América Latina, depois dos golpes militares apoiados pela CIA nos anos 1960 e início dos 1970, um novo impulso revolucionário se espalhou com o surgimento de grupos armados no Peru, Colômbia,  Nicarágua, El Salvador e Guatemala. À exceção do peruano Sendero Luminoso, de orientação maoísta, todos os demais – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC); Frente Sandinista de Libertação Nacional; Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional; e Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca – seguiam o modelo cubano, aquela espinha atravessada na garganta dos EUA.

Em novembro de 1985, os guerrilheiros colombianos do Movimento 19 de Abril (M-19) invadiram o edifício do Supremo Tribunal, em Bogotá. A ação terminou com a morte dos 35 guerrilheiros e 65 reféns, entre os quais 23 juízes, além da destruição de documentos, incluindo pedidos para a extradição de traficantes. A operação foi atribuída a Pablo Escobar, que teria pago ao M-19 pelo ataque. O episódio traumático reforçou as iniciativas conjuntas dos governos da Colômbia, Peru e Bolívia pedindo apoio internacional contra a nova ameaça.

Tomada do-Palacio-Justiça-Colombia-pelo M19

Cerco ao Palácio de Justiça em Bogotá. A opção do governo pela ação militar deu pouca chance aos reféns

 

“Menos de seis meses depois, a Diretiva 221 de Decisão de Segurança Nacional declarou as drogas uma ameaça à segurança nacional, alargando o âmbito do envolvimento militar na guerra às drogas e conectando pela primeira vez a contra-insurgência e o combate aos narcóticos à política oficial dos EUA”, constata a historiadora Michelle Getchell.

Em Washington, o governo adicionou um toque de Guerra Fria à narrativa, ligando o tráfico internacional de drogas (cujo maior mercado era, de longe, os EUA), às guerrilhas de esquerda e aos governos pró-soviéticos representados por Cuba e Nicarágua. “A administração Reagan acusou Cuba e a Nicarágua, os dois regimes declaradamente marxistas-leninistas na América Latina, de contrabandear drogas para os Estados Unidos para desestabilizar a sociedade americana e depois usar os lucros para financiar a revolução marxista no Hemisfério Ocidental”, explica Getchell.

O novo fenômeno começou a ser identificado pela palavra “narcoterrorismo”, usada para explicar o que estava acontecendo na Bolívia, no Peru e na Colômbia, países que respondiam, respectivamente, por 65%, 25% e 10% da produção mundial da folha de coca. A elevada oferta, a queda nos preços e a rápida aceitação no mercado trouxeram imensas fortunas para os carteis, as associações de traficantes que controlavam as fontes produtoras e fixavam os preços, reduzindo disputas internas. O primeiro nome a se tornar internacionalmente conhecido por desafiar e atacar membros do Estado colombiano foi o de Pablo Escobar. Assassinar juízes, políticos (incluindo candidatos à presidência), jornalistas, ou explodir edifícios tornou-se corriqueiro na Colômbia. 

“Narcoterrorismo” designava três fenômenos distintos: 1. o uso do terror por traficantes de droga para intimidar autoridades políticas; 2. a associação de grupos guerrilheiros com os traficantes para financiar atos terroristas cujos objetivos políticos eram totalmente alheios aos narcóticos; 3. a existência de redes logísticas e financeiras clandestinas pelas quais fluíam a droga e os lucros. 

 

O escândalo Irã-Contras

Reagan se tornou presidente com um discurso anticomunista radical. Contudo, após o desastre da Guerra do Vietnã,  a população não estava disposta a apoiar novas operações militares no exterior e o Congresso não aceitaria novas ações.  A solução foi dada pela CIA, que encontrou uma forma de “burlar o sistema” e ajudar os grupos atacados pelos revolucionários latino-americanos.

Em novembro de 1986 estourou um grande escândalo no país, o caso “Irã-Contras”, expondo uma série de ações ilegais do governo Reagan, que atuava ao atropelo das instituições republicanas.

General Antonio Manuel Noriega

O general Noriega em seus dias de amizade com a CIA, antes de se tornar uma figura tóxica

Na Nicarágua, onde os sandinistas haviam tomado o poder, os inimigos do novo governo eram os “contras” e o apoio que receberam dos EUA alimentou uma guerra civil até 1990. Quanto ao Irã, desde a Revolução Xiita do Aiatolá Khomeini, em 1979, todas as relações com o país persa estavam expressamente proibidas. Contudo, investigações jornalísticas, CPI no Congresso e ordens judiciais trouxeram à luz o mecanismo da operação: os EUA estavam vendendo ilegalmente armas para o Irã e parte do dinheiro era transferido aos “contras” em bancos suíços. O processo se estendeu por mais de um ano e quase levou ao impeachment de Reagan.

No desenrolar do processo Irã-Contras, um dos nomes que veio à tona como operador das transações no submundo foi o do general Manuel Noriega, que governava o Panamá ditatorialmente. Ele era um velho conhecido da DEA, do Congresso e da Casa Branca, que sabiam sobre suas ligações com o tráfico internacional de drogas.

 

A Convenção de Viena de 1988

Reagan foi um líder pródigo em oferecer mitos políticos à nação. Ao mesmo tempo em que fazia grande estardalhaço em torno do projeto “Guerra nas Estrelas” para desafiar o poder soviético, lançava uma nova cruzada moral em defesa da juventude, ameaçada pelas drogas e pela criminalidade: se não era possível vencer o tráfico ilegal, a solução era cortar o mal pela raiz e destruir os centros produtores. A abordagem assegurava a liderança dos EUA no cenário mundial: para combater o narcotráfico e o narcoterrorismo seria necessária a ação conjunta de todos os países.

O discurso emanado da Casa Branca ia ao encontro dos pedidos de ajuda internacional que os países andinos já vinham solicitando. Em 1985, a Assembleia Geral da ONU havia aprovado o pedido para a realização de uma conferência destinada a discutir o problema, partindo do argumento que a responsabilidade por ele deveria ser compartilhada, uma vez que os mercados consumidores das drogas eram os países ricos.

O encontro aconteceu em Viena, entre 17 e 26 de junho de 1987, e os debates se concentraram em três pontos: a importância da cooperação internacional para apoiar o desenvolvimento rural integrado, oferecendo alternativas economicamente viáveis; a necessidade de intercâmbio internacional de informações técnicas e científicas destinadas a combater o consumo de drogas; a cooperação interestatal contra plantações ilícitas em áreas de fronteiras.

Operação da PF, em Fortaleza, para Roterdã

Receita Federal do Brasil apreende carga de cocaína no porto de Mucuripe, Fortaleza. A cooperação internacional é crucial para a fiscalização de portos e aeroportos.

 

O documento final, Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, foi aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1988. O consenso estabelecido considerava o narcoterrorismo e o narcotráfico como ameaças às soberanias nacionais e à ordem internacional. Por consequência, uma série de preceitos e disposições da Convenção abriam brechas para intervenções externas em nome do combate às drogas. Esses acordos, também conhecidos como Convenção de Viena, trouxeram a primeira regulação legal internacional para penalizar a lavagem de dinheiro.

O resultado da adoção da política de “guerra às drogas” pela ONU foi a disseminação de medidas proibicionistas, tanto a nível internacional quanto nacional, pautadas pela repressão à oferta. O sucesso dos programas era medido por toneladas de drogas destruídas ou apreendidas e quantidades de pessoas presas por tráfico. Essa lógica conduziu a uma espiral crescente de lucros, violência e encarceramento em massa de pessoas em condição de vulnerabilidade social, seguidas de mais gastos com armas e aparatos repressivos. 

 

A Doutrina Monroe não morreu

O primeiro a sentir a mão pesada do Tio Sam foi o ditador-presidente do Panamá, general Noriega, acusado pela imprensa dos EUA de estar associado ao cartel de Medelín. Começava o governo de George H. Bush, que manteve a política de seu antecessor, de quem fora vice.

Em 20 de dezembro de 1989, 25 mil soldados americanos invadiram o pequeno país, na Operação Just Cause (Causa Justa). A ação deixou centenas (ou milhares, não se sabe ao certo) de civis mortos antes que Noriega fosse capturado e levado aos EUA, onde foi julgado por tráfico ilegal de cocaína, extorsão e lavagem de dinheiro. O ditador deposto foi condenado a 40 anos de prisão.

Mas o foco de Washington estava nos países andinos produtores da pasta de coca. Na Colômbia, em agosto de 1989, o Cartel de Medelín encomendou o assassinato de um candidato à presidência e, dois meses depois, a explosão de um avião de passageiros. Assustados e profundamente fragilizados pela inaudita violência, os governos da Colômbia, do Peru e da Bolívia passaram a aceitar cada vez mais apoio dos EUA na forma de armamento e treinamento militar, embora seus pedidos iniciais fossem por ajuda para desenvolvimento sócio-econômico.

cartel de drogas em Chihuahua/Mexico

Cartel de drogas mostrando seu poderio em Chihuahua, México. O nível de enfrentamento imposto pelo narcotráfico é um desafio para o qual os governos latino-americanos não estão preparados.   

 

O tráfico de cocaína não cessava de aumentar, bem como o poder dos narcotraficantes. A resposta de muitos militares, policiais e agentes do Estado foi a criação de milícias dispostas à “guerra suja” – ou seja, fora da lei, como os criminosos. Passada uma década, os altos índices de violência vitimavam sobretudo os camponeses pobres, com generalizadas violações dos direitos humanos de lado a lado. E o aumento da violência justificava mais gastos militares, mais securitização da sociedade e mais presença estrangeira. 

Foram realizadas verdadeiras operações militares destinadas à erradicação dos plantios de coca, com fumigação de veneno sobre grandes áreas no Peru e na Bolívia, com uma série de consequências ambientais e de saúde que agravaram ainda mais as condições dos camponeses. As plantações se deslocaram para as selvas colombianas, onde as FARC controlavam partes do território, agravando ainda mais o conflito armado no país. No início dos anos 2000, a Colômbia produzia 90% da cocaína consumida mundialmente.

               

Plano Colômbia

O Plano Colômbia foi um acordo bilateral firmado em 1999 entre os governos do presidente Andrés Patrana, da Colômbia, e Bill Clinton, dos Estados Unidos, cujo principal objetivo era reduzir a produção de cocaína à metade em poucos anos. Além do combate direto à produção da droga, o plano continha programas de estímulo agrícola, para que os camponeses substituíssem os cultivos de coca pelo café. Ao mesmo tempo, os preços internacionais da cocaína subiam, tornando o produto mais lucrativo para os camponeses.

O Plano Colômbia reconhecia a instabilidade política produzida pelas FARC como um aspecto do problema e se comprometia a buscar a pacificação. Os guerrilheiros aprenderam a cobrar “taxas de proteção” dos camponeses e a vender escolta para os traficantes – afinal, com o fim da União Soviética, muitos regimes e movimentos de esquerda tiveram que buscar novas formas de autofinanciamento.  

Ação militar dos EUA na Colômbia

Toda a tecnologia disponível para derrotar fileiras de vegetais

Mas o cerne do Plano Colômbia estava na militarização, com importação de material bélico e a presença de instrutores e consultores dos EUA. O governo colombiano pediu ajuda para incrementar as forças policiais, mas aceitou o que foi oferecido. Para coroar, o plano previa a instalação de bases dos EUA no país. No fim, dos US$ 7,5 bilhões destinados ao programa, a Colômbia aportou US$ 4 bilhões, os EUA, US$ 1,3 bilhão, e o restante veio de países europeus.

No fim, na avaliação de um pesquisador colombiano: “Construímos o exército colombiano, mas não havia dinheiro para professores, médicos ou qualquer bem público além da segurança”.

A repressão na Colômbia e a dissolução dos cartéis de Medelín e Cali tornou a deslocar as principais áreas de cultivo para a Bolívia e o Peru, além de provocar a pulverização dos grupos narcotraficantes. Na última década, o México se tornou a base das grandes quadrilhas que operam nos EUA. Atualmente organizações de traficantes do Brasil se espalham pela imensa e mal cuidada região amazônica, abrindo rotas para levar a cocaína à Europa.  

 

Enfraquecimento do consenso

Submetida a reavaliações decenais por órgãos internacionais e pela ONU, os efeitos gerais da política internacional de combate às drogas eram desanimadores e alguns países começaram a buscar caminhos alternativos para lidar com o problema. A partir da década de 2010 tornaram-se mais evidentes os dissensos. 

Experiências de descriminação e legalização da canabis e derivados ocorrem em vários países do Ocidente, incluindo os EUA, enfraquecendo o próprio sentido dos acordos existentes. Mas países importantes como a Rússia e a China não admitem mudar a abordagem, assim como os países do Oriente Médio e boa parte dos asiáticos.

Em 2016, reconhecendo as dificuldades para se manter a coerência e a relevância dos tratados em vigor, a Assembleia Geral da ONU realizou uma Sessão Especial (UNGASS) para tratar da política antidrogas.  O resultado final, nas palavras de Mendes de Paiva, ex-secretário nacional de políticas sobre drogas do Ministério da Justiça do Brasil:

“De um lado, o documento abandonou o tripé controle de demanda-controle de oferta-combate à lavagem de dinheiro: o texto foi dividido em sete capítulos, que trataram de saúde até o combate ao crime organizado, passando pelo sistema de justiça e por políticas de desenvolvimento. Um dos eixos cuida exclusivamente de direitos humanos, uma grande lacuna dos documentos anteriores, com referências específicas sobre gênero, populações vulneráveis, parâmetros de justiça e combate ao superencarceramento. De outro, diante da forte oposição de alguns países, manteve-se incapaz de sequer incorporar o termo redução de danos, mesmo já tendo sido utilizado em outros documentos da ONU. A impossibilidade de censura à pena de morte e a falta de referência expressa à descriminalização do uso também demonstram a incapacidade dos países progressistas em superar os vetos e avançar em temas centrais.”

O fato é que as pressões para a retiradas da canabis da lista de substâncias proibidas é hoje o grande ponto de dissenso, com cada vez mais países ocidentais tendendo à liberação.  

 

De volta às prateleiras

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Loja de produtos derivados de cannabis. Mas só para quem puder pagar

Nos EUA, de Reagan até Joe Biden, todos os presidentes mantiveram as linhas mestras da “guerra às drogas”. O governo de Barack Obama tentou reduzir as taxas de encarceramento com penas menos extensas para presos com pequenas quantias de drogas. Na última década, registra-se uma redução de ênfase no discurso criminal, que coincide com a iniciativa de diferentes estados da federação de descriminalizarem a canabis e seus derivados. Mas houve também estados dando mais poder aos policiais para atuarem no combate ao tráfico, reafirmando velhos preconceitos de raça.

Atualmente, dos 50 estados, 20 admitem uso medicinal e recreativo e 18, apenas medicinal. As quantidades de porte variam de acordo com a legislação local, assim como a permissão para o cultivo doméstico de canabis. Apesar do conflito com as leis federais em vigor, a Suprema Corte tem optado por reduzir a aplicação da lei nacional. Enquanto isso, multiplicam-se as campanhas demonstrando os benefícios medicinais da erva, que já configura um filão promissor para a indústria farmacêutica e os fármacos naturais.

De acordo com o advogado Matt Kumin, especialista nessas legislações estaduais, elas tendem a seguir um modelo comum. O que chama a atenção nesse modelo é a opção explícita por dificultar a entrada de pequenos investidores e plantadores por meio de regulamentações caras, viáveis apenas a quem puder contar com acesso a capital de financiamento. 

Agora que o movimento pela legalização da canabis ganha força e o grande capital vislumbra largas possibilidades de lucro, a discriminação será de oportunidades. Canabis é, agora, coisa de rico. 

 

Epidemia de opióides

Atualmente os Estados Unidos vivem uma “epidemia de opióides” desencadeadas pelo surgimento de novas gerações de compostos químicos para a dor,  como a oxicodona e o fentanil, muitas vezes mais potentes, mais viciantes e mais mortais que as velhas morfina e heroína. Entre 2016 e 2021, o número de mortos por overdose desses medicamentos aumentou em 279%.

Sucessivos processos contra as empresas fabricantes dessas drogas médicas não conseguiram retirá-las do mercado. De um lado, elas são realmente importantes para certos pacientes; de outro, essas empresas farmacêuticas podem gastar fortunas com os melhores advogados enquanto fazem lobby com políticos. 

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Consumidores de fentanil tornam-se zumbis em praça pública, enquanto as farmacêuticas se eximem de qualquer responsabilidade 

A crise é de saúde pública e expõe a incapacidade do país de organizar um sistema de saúde minimamente decente para os mais pobres, que ao invés de tratarem da causa das doenças, buscam paliativos para as dores. E, mesmo assim, as desigualdades sociais e raciais se apresentam. Tais drogas não são baratas, empurrando os mais desvalidos para o mercado clandestino, onde circulam todo tipo de compostos, em dosagens nem sempre corretas, o que aumenta os riscos de overdose. Essa história está muito bem pesquisada e descrita no livro Império da Dor, que rendeu uma minissérie com o mesmo nome.

E, agora, Washington passou a alardear que parte dessas substâncias ilegais usadas para a confecção dessas drogas tem origem na China. Aparentemente o discurso da “guerra às drogas” continuará justificando ações de política externa. O país é disfuncional, mas a culpa é sempre do vizinho…        

 

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