NA ITÁLIA, “PÓS-FASCISTAS” LIDERAM A DIREITA XENÓFOBA

 

Demétrio Magnoli

1 de agosto de 2022

 

Giorgia Meloni, da extrema-direita avança na Itália, carregando o estandarte da xenofobia. A direita italiana moveu-se da liderança de Silvio Berlusconi, o magnata da mídia que chefia o partido Força Itália, para Matteo Salvini, chefe da Liga, até Meloni, do Irmãos da Itália. Nesse percurso, a centro-direita tradicional deu lugar a um partido que se define como “pós-fascista”. O Irmãos da Itália ocupava o primeiro posto nas sondagens eleitorais do final de julho, o que coloca Meloni a um passo da chefia de governo.

A renúncia de Mario Draghi, depois do esfacelamento da grande coalizão de governo, abriu a corrida eleitoral. A Itália elege um novo parlamento em 25 de setembro.

Na Câmara de Deputados eleita em 2018, nem a centro-esquerda nem a direita tinham maioria. O Movimento 5 Estrelas, com 227 cadeiras, de um total de 632, controlava as chaves do poder. Foi o partido populista que sustentou a instável maioria de Draghi – e também que produziu a queda do gabinete de governo, ao retirar seu apoio.

Fonte: Politico, 25/7/2022

 

As pesquisas sugerem que os três grandes partidos da direita ultrapassarão a marca de 45% dos votos, cerca de dez pontos percentuais mais que os obtidos em 2018. Também indicam que o populista Movimento 5 Estrelas experimentará forte recuo, enquanto o partido extremista de Meloni saltará de menos de 5% dos votos para algo em torno de 23%. Seria um radical giro à direita, em apenas quatro anos.

Politico, 25/7/2022

 

“Pós-fascista”?

O líder fascista Benito Mussolini parece ter sido, sempre, uma fonte de inspiração para Meloni. Aos 15 anos, em 1992, ela juntou-se ao grupo de juventude do Movimento Social Italiano (MSI). O MSI nasceu em 1946, como um partido neofascista, agrupando os simpatizantes remanescentes de Mussolini. Na época da adesão da jovem, o partido encontrava-se sob a direção de Gianfranco Fini, que acabou por rebatizá-lo Aliança Nacional, numa tentativa de apagar suas origens extremistas.

Meloni seguiu com Fini e, em 2006, elegeu-se deputada. Dois anos mais tarde, tornou-se ministra de Políticas para a Juventude na quarta coalizão de governo de Berlusconi. A Aliança Nacional fundiu-se com o Força Itália de Berlusconi em 2009 para formar o partido Povo da Liberdade. Logo, contudo, junto com outros dissidentes, rompeu com o magnata e, em 2012, fundou o Irmãos da Itália.

Giorgia Meloni com Matteo Salvini (centro), então vice-primeiro-ministro, e Silvio Berlusconi, em 2018

O nome do partido copia o tema do hino nacional italiano. Seu programa organiza-se em torno do nacionalismo conservador e do populismo xenófobo. Como tantos outras correntes da direita populista europeia, é um partido eurocético, que clama por uma “revisão” dos tratados da União Europeia e da Zona do Euro.

O Irmãos da Itália não oculta com muito afinco suas raízes fascistas. Em 2019, um de seus dirigentes regionais, Checco Lattuada, declarou que “devemos ser livres para poder nos definir como fascistas”. Em 2021, um jornalista infiltrou-se em círculos da extrema-direita italiana e descobriu que vários dirigentes do partido de Meloni celebram Hitler e difundem antissemitismo. Entre eles, Carlo Fidanza, deputado do Parlamento Europeu.

A Itália contemporânea assenta-se sobre os valores da luta antifascista dos partigiani da Resistenza, a coligação política e guerrilheira que, auxiliada pelos Aliados, combateu a República Social Italiana entre 1943 e 1945. Os partidos da Resistenza formaram a maioria da Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição de 1948, documento fundador da atual República Italiana. No fim das contas, o Irmãos da Itália evoca o hino da nação para contestar seu contrato político democrático.

Meloni costuma reagir com indignação às referências sobre o culto ao fascismo no interior de seu partido, atribuindo-as a maléficas conspirações de “fortes poderes”. Contudo, ela nunca agiu para limpar o Irmãos da Itália dos políticos mais extremistas e, notavelmente, no símbolo do partido, aparece a chama tricolor, copiada do símbolo do MSI.

A chama tricolor passou do MSI para seu sucessor, a Aliança Nacional, mas desapareceu do símbolo original do Irmãos da Itália, que tentava descolar-se da tradição mussolinista. Depois, ressurgiu, numa evocação da Aliança Nacional e, finalmente, fixou-se como marca partidária, fechando um círculo.

 

A marca da xenofobia

“A Itália e o povo italiano em primeiro lugar”. O slogan de campanha de Meloni lança luz sobre o núcleo ideológico do Irmãos da Itália. A candidata, que derramava-se em elogios ao líder autoritário russo Vladimir Putin, promoveu um giro eleitoral e passou a condenar a invasão da Ucrânia. Paralelamente, tenta se distanciar das manifestações de apego à tradição mussolinista tão comuns em seu partido. Mas a xenofobia é um artigo de fé do qual não abre mão.

Meloni clama pela retirada da União Europeia do Pacto Global sobre Migração, um acordo voluntário promovido pela ONU, e o substitua por um bloqueio naval da África do Norte para impedir o trânsito de imigrantes. Nessa linha, faz dueto com o discurso de Salvini, que também pretende resolver a questão migratória por meios policiais e militares. O então vice-primeiro-ministro coordenou as ações de expulsão dos navios dedicados ao salvamento de migrantes náufragos no Mediterrâneo e utilizou a pandemia de Covid-19 na sua agitação política xenófoba.

O nacionalismo de Meloni nutre-se no mesmo pântano que o do húngaro Viktor Orban. “Sou uma italiana, sou cristã”, gritou a candidata num discurso de 2019, ancorando o conceito de nação na cultura e na religião. De sua boca, emanam palavras como “invasão”, “assalto” e “sítio” para descrever a pressão migratória. Como Orban, Meloni entoa o hino da “Grande Substituição” – isto é, o mito de que as “elites globalistas” estimulam a imigração para destruir a Europa cristã e branca.

Giorgia Meloni deslocou-se para Budapeste, durante a campanha eleitoral italiana de 2018, para registrar uma selfie com Viktor Orban

“Existe um mundo em que os povos europeus são misturados com aqueles que chegam de fora da Europa. E há o nosso mundo, em que as pessoas da Europa se deslocam, trabalham e se mudam.” O diagnóstico de Orban, em visita recente à Romênia, condensa a ideologia da nação racial. Sua conclusão: “estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar povos mestiços”.

Orban e Meloni representam uma extrema-direita engajada na contestação do conceito básico da democracia, que descreve a nação como um contrato político. Eles querem redefinir as nações europeias a partir da “cultura”, ou seja, da religião e do “sangue”. O nome disso é pós-fascismo.

 

 

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