SUPREMACISTAS JUDAICOS ENTRAM NO KNESSET

 

Jayme Brener

(Jornalista, autor de Os cinco dedos de Tikal – Comunistas, judeus, putas e índios às vésperas da Segunda Guerra, Ex Libris Editora)
3 de maio de 2021

 

Na hora em que supremacistas judaicos ganham cadeiras no Parlamento israelense, uma pergunta risca o ar: Quem será o próximo primeiro-ministro de Israel?

A questão é tão difícil de responder quanto “quando é que vai terminar a pandemia de Covid-19?”. Após quatro eleições em pouco mais de dois anos, o atual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, de direita, não consegue formar uma nova coalizão com pelo menos 61 dos 120 deputados do Knesset (Parlamento). Mas seus adversários, tendo à frente Yair Lapid, de centro-direita, e Naftali Bennett, ainda mais à direita que Netanyahu, também não conseguem maioria. 

O Knesset, Parlamento de Israel

O fato é que, com o Knesset fragmentado em 11 bancadas (o Likud, de Netanyahu, tem a maior, com 30 deputados), qualquer maioria teria que incluir interesses quase inconciliáveis como a isenção do serviço militar para os judeus ortodoxos, uma reivindicação dos partidos religiosos, e o serviço militar obrigatório para todos, como defende a extrema-direita laica. Ou o aumento do número de assentamentos judaicos na Cisjordânia, exigência de todas as facções de direita, e direitos iguais para os cidadãos árabes de Israel, como demandam os partidos de maioria árabe, que representam mais de um quinto da população do país.

Diante desse cenário de múltiplos impasses, o mais provável é que Israel caminhe para uma quinta eleição – e, possivelmente, outro ferrolho impedindo a formação do governo. Enquanto isso, Netanyahu vai se afirmando como o mais longevo chefe de governo desde a criação do Estado de Israel, em 1948. O que lhe dá mais fôlego para resistir aos processos judiciais que enfrenta por corrupção e abuso dos meios de comunicação.

 

A sombra de Meir Kahane

Com ou sem Netanyahu, o panorama político israelense ganhou duas grandes novidades. A primeira é a entrada no Parlamento dos herdeiros políticos do rabino Meir Kahane (1932-1990), supremacista judaico de ultra-ultradireita, defensor da expulsão da minoria árabe de Israel. A segunda é a possível inclusão no governo de uma frente política árabe, a Lista Árabe Unida, pela primeira vez na história do país.

Os dois eventos têm as impressões digitais de Netanyahu, raposa política das mais astutas. Foi ele que, no último pleito, abriu espaço, em um dos partidos de sua coalizão, para Itamar Ben-Gvir, líder dos kahanistas, sobre quem pesam inúmeras ações judiciais por racismo e incitação à violência contra os árabes.

Mas também foi ele que conseguiu rachar a Lista Unificada, coalizão de forças árabes e de esquerda, provocando a cisão do Ra’am, um grupo associado ao fundamentalismo religioso islâmico. O argumento para a aproximação com Netanyahu? Só um governo conservador impediria o avanço de pautas ligadas à causa LGBT ou a aprovação de leis contra a violência às mulheres dentro da sociedade árabe. 

Mais confusão e indefinições à vista. Mas, seja qual for, o novo governo israelense vai ter que lidar com uma ultradireita racista e xenófoba cada vez mais ousada e violenta.

O livro-manifesto de Meir Kahane, rabino inspirador do supremacismo judaico

A sociedade israelense marcha para a direita desde o fracasso dos Acordos de Oslo, em 1993, que deveriam abrir espaço para a criação de um Estado Palestino. Com os trabalhistas e seus aliados à esquerda sendo acusados de “fracos” diante das ações armadas de facções militares palestinas, os sucessivos governos de direita, Netanyahu em destaque, têm arrancado, ano a ano, novos nacos de direitos políticos e econômicos dos palestinos. 

De acordo com o grupo pacifista Paz Agora, desde a ocupação da Cisjordânia por Israel, na Guerra dos Seis Dias, em 1967, 25% das terras da região foram transformadas em propriedade estatal. Hoje já são quase 800 mil colonos judeus na Cisjordânia, boa parte dos quais, militantes de extrema-direita. 

É quase impossível para uma família palestina obter um alvará de construção em Jerusalém Oriental (anexada por Israel), dada a política oficial de “judaizar” o território. De acordo com o B’Tselem, entidade que defende os direitos humanos em Israel e nos territórios palestinos, a sociedade árabe na Cisjordânia é formada hoje por 165 núcleos populacionais não contíguos. Ou seja, ingovernáveis bantustões, como eram conhecidos os “territórios autônomos negros” criados pelo regime racista do apartheid na África do Sul.

Em 2015, o Parlamento israelense aprovou a chamada Lei do Estado-Nação, que na prática reconhece direitos plenos de cidadania apenas para a maioria judaica. A língua árabe, que era oficial ao lado do hebraico, foi rebaixada a idioma de segunda classe. O relatório da ONG Human Rights Watch, divulgado no final de abril classifica Israel como um estado de apartheid.

Os recuos da democracia israelense explicam as atitudes políticas de incontáveis árabe-israelenses, que não acreditam mais na possibilidade de criação de um Estado Palestino e sinalizam, como o Ra’am, a possibilidade de atuar por dentro das estruturas do Estado Judeu.

 

Na hora do pogrom

Nas últimas eleições, Netanyahu tratou de elevar mais a temperatura da extrema-direita judaica, como forma de combater seus aliados “fracos”. E agora, com representação parlamentar, grupos violentos como os kahanistas resolveram botar ainda mais as manguinhas de fora.

No fim de abril, dois irmãos palestinos agrediram um rabino em Jaffa, cidade majoritariamente árabe ao lado de Tel Aviv. Por trás da agressão estava a disposição do rabino de instalar uma yeshivá, escola religiosa, no coração árabe de Jaffa. A seu favor ele tinha uma lei que colocou nas mãos do Estado cerca de 4,8 mil residências de árabes que abandonaram Israel depois de 1948. Dessas residências, 1,2 mil situam-se em Jaffa; uma delas seria a sede da yeshivá, gerida por um grupo religioso de extrema-direita.

Bentzi Gopstein, discípulo de Meir Kahane e um dos líderes da organização extremista Lehada

O incidente de agressão foi o suficiente para que milhares de extremistas judeus saíssem às ruas de Jerusalém, Jaffa e outras cidades, em 22 de abril. Os supremacistas judaicos, muitos dos quais ligados à organização extremista Lehava, gritavam “morte aos árabes”, agredindo quem vissem pela frente.

Sobrou até para militantes judeus de esquerda que tentavam conter a onda. A polícia israelense, claro, não mostrou a mesma eficiência na proteção aos cidadãos árabes do que a exibida quando se trata de ataques à maioria judaica. O deputado Ofer Cassif, judeu e comunista, foi espancado por policiais.

No final desse pogrom havia 105 árabes feridos. E uma salva de 40 foguetes foi lançada pelos fundamentalistas islâmicos do Hamas, desde a Faixa de Gaza, em direção a cidades israelenses. Os danos foram pequenos mas a reação de Israel, na forma de ataques aéreos, não foi.

Um ditado da região afirma que é fácil tirar um gênio da garrafa. O difícil é colocá-lo de volta. Há um quarto de século, em 1995, o então primeiro ministro Yitzhak Rabin foi assassinado por assinar os Acordos de Oslo com os palestinos. Não foi assassinado por algum comando árabe, mas por Ygal Amir, militante de extrema-direita e fã do rabino Meir Kahane.

A garrafa da ultradireita judaica foi destampada – e o gênio já circula no Parlamento. E agora? É a pergunta da vez.

 

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