ISRAEL, ENTRE A IDENTIDADE JUDAICA E A DEMOCRACIA

 

Elaine Senise Barbosa

23 de julho de 2018

 

Israel se encontra em meio a uma encruzilhada: manter-se um Estado democrático ou tornar-se um Estado de tipo étnico.

No dia 18 de julho o Parlamento israelense aprovou uma controvertida lei que define Israel como o Estado-nação dos judeus; reconhece a primazia dos interesses ligados aos assentamentos (cuja localização nos territórios da faixa de Gaza e Cisjordânia infringem as áreas definidas pela ONU desde a partilha em 1948); e faz do hebreu a única língua oficial do país, enquanto o árabe é rebaixado a idioma com “status especial”.

Israel não tem Constituição, mas um conjunto de leis que orientam as decisões judiciais; a nova lei será a 14º lei fundamental. A legislação originalmente proposta, apresentada em 2011 por um deputado de centro-direita, era abertamente discriminatória, mas foi sendo desidratada até chegar à fórmula aprovada, que muitos analistas consideram ter um efeito mais simbólico do que prático. Aparentemente a extrema-direita jogou pelo possível, temendo que os artigos mais polêmicos acabassem revogados pela Suprema Corte, uma guardiã zelosa do princípio da igualdade civil.

No fim, como era de se esperar, o texto aprovado desagradou tanto os grupos da extrema-direita quanto, por motivos opostos, os de perfil liberal e esquerdistas. A direita ortodoxa gostaria de uma lei mais claramente comprometida com os aspectos religiosos do judaísmo, como tornar a guarda do shabat obrigatória; já os contrários à lei denunciam a “destruição da democracia em Israel” em prol da etnicidade (que os mais radicais rotulam simplesmente de “racismo”).

O ponto nevrálgico dessa discussão deve-se à própria contradição sobre a qual foi fundado o Estado de Israel. O movimento sionista lutou por uma pátria para os judeus, mas, fiel às suas raízes iluministas, estabeleceu a igualdade de direitos entre todos os cidadãos em suas leis fundamentais, o que incluía a minoria de origem árabe que não foi embora quando da partilha de 1948.

A condição de Estado democrático, em meio ao conjunto de regimes autoritários do Oriente Médio, sempre foi um trunfo político para Israel. Todavia, a política real, feita de interesses divergentes e complexas negociações, produziu dois problemas interligados, ainda mais difíceis de serem solucionados ao operarem nas brechas dadas pela contradição original. O primeiro problema decorre do desinteresse do governo Netanyahu em trabalhar pela solução negociada em 1993, nos Acordos de Oslo, para a criação do Estado palestino. Favorável à criação da Grande Israel, o primeiro-ministro se esconde atrás do argumento de que as negociações com a Autoridade Palestina (AP) não avançam porque eles se recusam a aceitar o caráter judaico do Estado israelense. Já a AP reconhece Israel desde 1993, mas não a sua identificação ao judaísmo (e à visão de Jerusalém como capital indivisível dos judeus). Essa nova lei cria um obstáculo intransponível e dá ao primeiro-ministro o álibi de dizer que as negociações naufragam por culpa dos representantes palestinos.

Daí emerge o outro problema ligado ao caráter laico de Israel: diante do iminente colapso da ideia da paz em dois Estados, as correntes palestinas tendem a desviar seus esforços rumo à solução de um único Estado que incorpore todos os palestinos como cidadãos, em igualdade de direitos. Mas a conhecida questão demográfica (maior taxa de natalidade entre palestinos e árabes em comparação às taxas judaicas), associada ao regime democrático, implicaria em pouco tempo os judeus perderem o controle sobre o seu Estado-nação, que é a própria razão de ser de Israel.

A afirmação legal do caráter judaico de Israel e da preeminência dos judeus frente aos demais pode ser o primeiro passo para outras discriminações, atingindo de imediato os 20% da população de origem árabe, que sempre se queixaram de ser tratados como cidadãos de segunda-classe, mas que contavam com um Judiciário zeloso da igualdade civil prevista em lei. Agora, talvez não contem mais.

 

 

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