No ano da pandemia de Covid-19, a população global de refugiados e deslocados internos bate o recorde histórico, superando a marca de 80 milhões. É, mais ou menos, o equivalente à população da Alemanha ou à da Turquia. Desse total, mais de 30 milhões – algo como a população do Peru – são crianças e adolescentes.
As estimativas aparecem em relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) divulgado em 9 de dezembro. 2020 foi particularmente dramático para os milhões forçados a cruzar fronteiras, abandonando seus países, ou a deixar suas casas, tornando-se deslocados internos. A combinação de conflitos bélicos com a pandemia do novo coronavírus limitou a ajuda fornecida pela Acnur e pelas redes de instituições e ONGs engajadas na proteção dessas populações vulneráveis.
Deslocados internos na Somália, no final de 2019
António Guterres, secretário-geral da ONU, pediu em março um cessar-fogo global para minimizar os efeitos da pandemia sobre refugiados e deslocados internos. Ninguém deu ouvidos. Em abril, durante a primeira grande onda do coronavírus, 168 países fecharam total ou parcialmente suas fronteiras – e 90 deles não abriram exceção para solicitantes de asilo. Mais tarde, 111 desses países encontraram meios para conservar funcionando, ainda que precariamente, seus sistemas de processamento de solicitações de asilo.
“O vírus”, constatou o relatório, “interrompeu todos os aspectos da vida humana e agravou severamente os desafios existentes para os deslocados à força e as pessoas sem pátria”. Ao longo de 2020, reduziu-se significativamente o número de refugiados e deslocados internos que conseguiram retornar a seus locais de origem em relação a 2019. República Democrática do Congo, Iraque e Sudão do Sul responderam pela maior parte dos deslocados que conseguiram retornar.
O maior grupo singular de refugiados (6,6 milhões) continua a ser formado por pessoas expulsas pela guerra na Síria. O número de venezuelanos na diáspora reduziu-se de mais de 4 milhões para cerca de 3,6 milhões. A Turquia também continua a ocupar a posição de maior receptor mundial de refugiados, com 3,6 milhões, em sua maioria sírios. Depois dela, aparecem a Colômbia (principalmente venezuelanos), o Paquistão (principalmente afegãos) e Uganda (principalmente sudaneses do sul). A Alemanha, que abriu suas portas à diáspora síria em 2015, abriga 1,1 milhão de refugiados, ocupando a quinta posição.
A pandemia obrigou centenas de milhares de venezuelanos a retornarem a seu país. Nesse caso, não se pode falar de retorno voluntário, pois as quarentenas impostas na Colômbia, no Peru, no Chile e no Equador dizimaram os postos de trabalho temporários ocupados por migrantes da Venezuela.
Um horizonte sombrio projeta-se à frente. No ano da tão aguardada imunização em massa, o ACNUR prevê o crescimento global das populações de refugiados, deslocados internos e apátridas. Segundo as estimativas da agência da ONU, 2021 deve fechar com um total superior a 93 milhões de pessoas expulsas de seus países ou lugares de origem.
Nas Américas, a massa de venezuelanos na diáspora deve voltar a crescer, atingindo 4,3 milhões, enquanto a população de deslocados internos na Colômbia seguirá em torno de 8 milhões. Já o Triângulo do Norte centro-americano (Guatemala, Honduras e El Salvador) será responsável por quase 700 mil refugiados e solicitantes de asilo, além de 400 mil deslocados internos.
Fonte: ACNUR
Na África Oriental, o Sudão do Sul, com 2,2 milhões de refugiados e 1,6 milhão de deslocados internos, e a Somália, com 2,5 milhões de deslocados internos, seguirão figurando como focos de grandes tragédias humanitárias.
O cenário da Síria não conhecerá progresso significativo. No final de 2021, o ACNUR projeta 6,7 milhões de deslocados internos e 5,6 milhões de refugiados em países próximos. A guerra no Iêmen, um conflito regional que envolve a Arábia Saudita e o Irã, deixará um saldo dramático de 4,1 milhões de deslocados internos. Finalmente, no Iraque, cerca de 1,3 milhão seguirão nessa condição.
As festas de Ano Novo, por mais restritas que sejam, trazem a esperança generalizada de um futuro melhor, livre da pandemia. Mas não há luz no fim do túnel para dezenas de milhões de pessoas que, tangidas por guerras, conflitos internos e violências de gangues, perderam o lugar que, antes, nomeavam como suas casas.
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