Quando renuncia a definir como ilegais os assentamentos israelenses na Cisjordânia, o governo dos EUA tenta substituir a lei internacional pela “lei da selva”. A acusação partiu de Saeb Erekat, o negociador palestino nas virtualmente inexistentes negociações de paz com Israel. Ele tem razão.
A Cisjordânia passou a controle israelense após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, junto com a Faixa de Gaza, Jerusalém Leste e o território sírio das colinas de Golã. Desde a ocupação, os territórios palestinos tornaram-se foco do estabelecimento de assentamentos civis israelenses. Em 2005, Israel desengajou-se da Faixa de Gaza, removendo os assentamentos implantados na área. Contudo, violando o direito humanitário internacional, continua a transferir cidadãos para a Cisjordânia e Jerusalém Leste.
Assentamento israelense de Givat Zeev, na Cisjordânia, em dezembro de 2016
A Convenção de Genebra de 1949, no seu artigo 49, proíbe o Estado ocupante de “deportar ou transferir partes da sua própria população civil para o território que ocupa”. Israel tentou circundar a proibição legal argumentando que, antes de 1967, a Cisjordânia não pertencia a um Estado soberano, pois encontrava-se sob a “proteção” da Jordânia. A Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, decidiu em 2004 que a tentativa de restringir a aplicação do artigo 49 não tem fundamento. Erekat está amparado pela lei internacional.
A Cisjordânia é habitada por mais de 2,5 milhões de árabes palestinos. A população árabe de Jerusalém Leste gira em torno de 330 mil. Desde 1967, mais de 200 assentamentos foram implantados nessas duas áreas. Hoje, segundo o B’Tselem, uma organização civil israelense dedicada à proteção dos direitos humanos nos territórios ocupados, quase 210 mil israelenses vivem em Jerusalém Leste e mais de 400 mil vivem na Cisjordânia. É a “lei da selva”, agora referendada oficialmente pelos EUA.
Donald Trump com Benjamin Netanyahu, no aeroporto Ben Gurion, em Israel, em maio de 2017
O giro na posição americana deu-se em 18 de novembro. Virando as costas para a Convenção de Genebra, o secretário de Estado Mike Pompeo declarou que “o estabelecimento de assentamentos civis israelenses não é, por si, inconsistente com a lei internacional”. Completou dizendo que o estatuto político da Cisjordânia “deve ser negociado entre Israel e os palestinos”. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que sabota há anos as negociações de paz, saudou a mudança como “correção de um erro histórico”.
Houve consternação, mas ninguém se surpreendeu. No início de seu governo, o presidente americano Donald Trump anunciou a transferência da embaixada americana para Jerusalém, um gesto simbólico de reconhecimento diplomático da política israelense de ocupação dos territórios palestinos. A declaração de Pompeo fecha o círculo.
O governo brasileiro de Jair Bolsonaro ensaiou seguir o exemplo americano, transferindo a embaixada para Jerusalém. Contudo, até o momento, absteve-se de levar adiante a iniciativa.
Fonte: B’Tselem
O mapa geopolítico da Cisjordânia ocupada é uma imagem da “lei da selva”. Na região, Israel ergue a sua “barreira de segurança”, uma muralha de placas de concreto que, em diversos trechos, se afasta bastante da linha de cessar-fogo anterior a 1967 para abarcar blocos de assentamentos. Dentro dos limites municipais de Jerusalém, alargados por Israel, situam-se diversos assentamentos.
As manchas de controle civil palestino, resultantes dos fracassados acordos de paz de Oslo, de 1993, aparecem rodeadas pelas áreas majoritárias de controle civil e militar israelense. As principais cidades palestinas – Hebron, Bethlehem, Ramallah e Nablus – estão encravadas nessas manchas. A circulação de palestinos é severamente limitada por nada menos que 98 checkpoints instalados pela potência ocupante.
O conceito da paz em dois Estados é solapado pela política de assentamentos. A aceleração da transferência de civis israelenses para a Cisjordânia tende a gerar um cenário geográfico e demográfico irreversível.
O chamado “campo da paz” já foi majoritário em Israel. O argumento que o soldava é impecável. Israel não pode, ao mesmo tempo, ser um Estado judeu, sustentar um sistema democrático e controlar o conjunto formado por Israel/Palestina. Só pode ter dois desses atributos.
A escolha da terceira opção produziu os Acordos de Oslo. Mas, de lá para cá, o “campo da paz” entrou em colapso. Os triunfos eleitorais de Netanyahu e a perda de densidade dos partidos de centro-esquerda e esquerda provocaram o congelamento das negociações com os palestinos. De certo modo, sem o admitir explicitamente, Israel vai abandonando a única solução que preserva sua natureza judaica e democrática.
Grafite do artista Banksy em seção da “barreira de segurança” nos arredores de Ramallah
Os radicais expansionistas israelenses, que almejam um “Grande Israel”, não se preocupam com a democracia. Eles investem na segunda opção: um Estado de apartheid, que se impõe pela força à população árabe palestina.
Os radicais palestinos que negam o direito de Israel à existência sentem-se contemplados por essa escolha. Eles investem no delírio de longo prazo de extinguir o Estado judeu – e encontram na reivindicação democrática de direitos políticos universais uma ferramenta apropriada para avançar seu objetivo.
O governo de Donald Trump alega defender os interesses de Israel, ao avalizar a política de assentamentos. De fato, defende os interesses dos radicais israelenses e palestinos que apostam na guerra eterna.
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