CRIME DE GUERRA MARCA O 70º ANIVERSÁRIO

 

Ivanka Trump na inauguração da embaixada americana em Jerusalém, 14 de maio de 2018

Ivanka Trump na inauguração da embaixada americana em Jerusalém, 14 de maio de 2018

 

Demétrio Magnoli

21 de maio de 2018

 

Israel declarou a independência no 14 de maio de 1948. Na segunda-feira (14/5), a inauguração da embaixada americana em Jerusalém deveria assinalar o aniversário de 70 anos do Estado judeu. Contudo, a data histórica será lembrada por um apavorante crime de guerra: o “assassinato intencional” de mais de 60 palestinos na Faixa de Gaza, perto da cerca que separa o território ocupado do território israelense.

A expressão “assassinato intencional” foi empregada por Zeid Raad al-Hussein, alto-comissário da ONU para Direitos Humanos, perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O massacre ocorreu na sétima semana consecutiva da “Grande Marcha do Retorno”, ciclo de protestos diante da cerca divisória promovidos pelo Hamas para marcar o Dia da Nakba (Dia da Catástrofe), 15 de maio, data simbólica do êxodo dos palestinos de suas terras.  A maioria dos manifestantes conservou segura distância da cerca, mas alguns grupos se aproximaram para lançar pedras e coquetéis molotov. Num caso comprovado, um grupo tentou romper a cerca. As forças militares israelenses reagiram com bombas de gás lacrimogêneo e munição letal.

Um soldado israelense foi levemente ferido por uma pedra. Na “zona quente” dos protestos, morreram 47 palestinos, enquanto 17 outros morreram em locais mais distantes da cerca. Além deles, cerca de 2,7 mil pessoas foram feridas durante os protestos. Zeid apontou o “forte contraste em vítimas em cada lado” como indício de “uma resposta completamente desproporcional”, acrescentando não existirem evidências de que Israel tenha tentado minimizar as vítimas fatais. O médico canadense Tarek Loubani, que tratava de feridos na área dos protestos, foi atingido por tiros nas duas pernas. Ele usava um uniforme médico verde e estava 25 metros afastado da “zona quente”, junto com paramédicos vestidos em jalecos laranja. “É difícil crer que eu não fui especificamente visado, considerando o fato de que estava tão claramente identificado”, registrou Loubani.

Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, qualificou como “imperdoável” o uso excessivo de força e de munição letal. Seu pedido de uma investigação independente foi repetido, entre tantos outros, pelo presidente francês Emmanuel Macron, pela chefe de governo britânico, Theresa May e pelo secretário-geral da ONU, Antônio Guterres – mas imediatamente rejeitado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. No círculo das potências, só os EUA negaram-se a condenar o massacre, ecoando as justificativas oficiais israelenses, que giram em torno do direito de defesa das fronteiras e atribuem “integral responsabilidade” ao Hamas.

Rupert Colville, porta-voz do alto-comissário para Direitos Humanos, evidenciou o cinismo das alegações de Israel: “A mera aproximação da cerca não é um ato letal, que ameaça vidas, justificando tiros. Ao que parece, qualquer um tornou-se alvo de disparos mortais.” E concluiu: “Não é aceitável dizer ‘é o Hamas e, portanto, isso é ok’”. O Hamas, de fato, é um grupo terrorista – e, realmente, como sempre alega Israel, utiliza civis como escudos humanos ou bucha de canhão. Mas o comportamento genérico do Hamas não pode servir como desculpa para reações desproporcionais específicas. Atirar contra manifestantes civis sem armas letais em território ocupado constitui clara violação do direito humanitário. O nome disso é crime de guerra.

“Todas as nações têm o direito de defender suas fronteiras”, alegou Netanyahu. O primeiro-ministro fala das fronteiras israelenses como se, no lado oposto da cerca, existisse um Estado soberano em guerra com Israel. De fato, porém, a Faixa de Gaza – assim como a Cisjordânia e Jerusalém Leste – é um território ocupado. Israel exerce o poder de potência ocupante, controlando a fronteira e o espaço aéreo da Faixa de Gaza, e arca com as obrigações correspondentes. Sob a Quarta Convenção de Genebra (1949), a potência ocupante deve garantir a segurança da população civil em territórios ocupados. O “assassinato intencional” de manifestantes representa, nas palavras de Zeid, uma “grave violação” da lei internacional humanitária.

Segundo Israel, entre as vítimas fatais do 14 de maio, estavam 24 “conhecidos terroristas”. A afirmação pode ou não ser verdadeira – mas é certo que nenhum deles foi morto por ser “conhecido”. Todos os assassinados foram atingidos por disparos indiscriminados, a longa distância. Inexistem evidências de que as forças israelenses alvejaram alguém em particular.

A natureza do Hamas não autoriza Israel a fugir às suas responsabilidades estatais. “O que você se torna quando atira para matar alguém que não está armado e não representa uma ameaça imediata? Você não é um bravo nem um heroi. Você se converteu em algo muito diferente disso.” Zeid tem razão.

 

 

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