AS DUAS FACES DOS PROTESTOS NOS CAMPI

 

Demétrio Magnoli

29 de abril de 2024

 

Protestos pró-Palestina? Protestos anti-Israel? Protestos antissemitas?

As manifestações e acampamentos estudantis proliferaram nas universidades dos EUA em abril, até atravessar o oceano e atingir a Europa. Joe Biden alertou para o antissemitismo, mas dirigiu uma crítica aos que permanecem indiferentes ao sofrimento dos palestinos.

O presidente dos EUA tenta equilibrar-se entre a política de seu governo e a indignação do eleitorado jovem diante da punição coletiva aplicada pelas forças de Israel na Faixa de Gaza. Contudo, para além de seu comentário derivado de preocupações eleitorais, como caracterizar os protestos dos estudantes?

 

Dois estudantes que protestam 

“Na Páscoa, os judeus são obrigados a sentir o sofrimento das pessoas oprimidas. (…) A história da opressão é familiar demais ao povo judeu – e é nosso dever combater a opressão em todas as suas formas, sobre judeus e também não-judeus.” No relato de Ian Berlin, estudante judeu da Universidade Yale, emerge a face luminosa dos protestos.

As ruínas de Gaza, a mortandade de palestinos e de trabalhadores humanitários, uma crise de fome e uma crise sanitária simultâneas: como ficar indiferente diante dos crimes de guerra cometidos, em série, por Israel? Em Yale, conta-nos Berlin, a coalizão que lidera os protestos concordou em evitar cantos como “Só há uma solução: Intifada, revolução!”. A palavra-de-ordem, utilizada pelo Hamas e pela Jihad Islâmica, lembra a Segunda Intifada (2000-05), ritmada pelos atentados de homens-bomba.

O estudante Khymani James, de Columbia

Berlin não vive numa bolha de alienação. No seu relato, registra inúmeros episódios de antissemitismo na sua universidade, inclusive um post de uma professora no X (antigo Twitter) celebrando os atentados do Hamas de 7 de outubro. Mas, geralmente, as manifestações em Yale escapam da armadilha, norteando-se pela cultura dos direitos humanos.

“Sionistas não merecem viver. Agradeçam por eu não sair por aí matando sionistas”. As frases do estudante Khymani James, da Universidade Columbia, foram proferidas perante uma comissão disciplinar universitária, em janeiro. James tornou-se, em abril, um dos líderes do acampamento de protesto na sua universidade. Ele persistia nas suas postagens incendiárias que traçam um sinal de equivalência entre sionistas e nazistas.

Na Universidade Columbia, o acampamento estudantil refletiu a face sombria dos protestos. Segundo o relato de John McWorther, professor da universidade e colunista do The New York Times, o cântico “Do rio até o mar, tudo que se vê é Palestina” juntou-se a cartazes em louvor à Al-Qassam (o braço armado do Hamas) e a abusos repetitivos contra estudantes judeus. A paz, de acordo com os grupos que convocaram o acampamento, depende da eliminação do Estado de Israel. Os direitos humanos funcionam, no caso, como pretexto para o antissemitismo.

 

A palavra que ilude

O acampamento da Columbia, como vários outros, reuniu centenas de estudantes indignados com a tragédia humanitária em Gaza. Mas, na sua maioria, os grupos que o lideram investem no registro do antissemitismo.

São organização microscópicas alçadas ao centro do palco político pelas circunstâncias excepcionais da guerra em Gaza. Entre elas, destacam-se Estudantes pela Justiça na Palestina (SJP), Muçulmanos Americanos pela Palestina (AMP), Ação Palestina (PA), Movimento Jovem Palestino (MYP), Samidoun e Voz Judaica pela Paz (JVP), um grupo judaico anti-Israel. Todas elas exibem-se como “antissionistas”, uma palavra mágica que serve para ocultar o antissemitismo.

Mapa de propaganda da “Palestina livre”. O país abrangeria todo o território de Israel. No mapa, os nomes judaicos de cidades israelenses são substituídos por nomes árabes

Nos sites e publicações desses grupos, o lema comum é “Palestina livre, do rio até o mar”. Aqui e ali, surge um mapa da “Palestina livre” que esclarece o sentido do lema: o país almejado abrange o conjunto de Israel/Palestina. Não faltam imagens que, direta ou indiretamente, celebram o Hamas ou a Jihad Islâmica. O que jamais se encontra é uma condenação da barbárie do 7 de outubro ou a defesa da criação de um Estado Palestino ao lado de Israel.

Ideologicamente, tais grupos misturam o nacionalismo palestino anti-Israel às doutrinas da “esquerda decolonial”. O programa “decolonial” é uma derivação do movimento identitário que enxerga na expansão histórica europeia (isto é, “branca”) as fontes do capitalismo, da opressão e do mal.

No lugar da luta de classes marxista, ergue-se uma utopia de restauração purificadora: “povos originários” versus “brancos europeus”. Sob esse ponto de vista, Israel não seria uma nação gerada pela imigração de judeus perseguidos na Europa, mas uma implantação do imperialismo europeu no Oriente Médio árabe-muçulmano que deve ser abolida.

 

A revisão do 7 de outubro

O estudante Khymani James declarou-se arrependido de suas ameaças criminosas. Contudo, ao fazê-las, talvez tenha se inspirado numa carta aberta firmada por quase 170 professores de sua universidade, em 30 de outubro de 2023, três semanas após o massacre do Hamas.

O texto, elaborado em linguagem acadêmica, classifica os bárbaros atentados contra civis como uma “ação militar” de resistência. “Pode-se interpretar os eventos de 7 de outubro como apenas mais um salvo numa guerra prolongada entre um Estado ocupante e o povo que ele ocupa, ou como o exercício do direito de um povo ocupado de resistir à ocupação violenta e ilegal”.

Os professores não mencionam nenhuma vez a palavra Hamas ou a palavra terrorismo. No lugar disso, invocam o direito humanitário e o Segundo Protocolo de Genebra para conferir uma pátina de legitimidade ao terror contra civis.

Na guerra em Gaza, Israel comete evidentes crimes de guerra. Os dirigentes israelenses e, antes de todos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deveriam ser responsabilizados pelo Tribunal Penal Internacional. Daí a justificar o 7 de outubro vai uma distância que ninguém tem o direito moral de percorrer. Mas é esse salto que contamina parte das manifestações estudantis de protesto nos campi dos EUA.

 

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