EM EL SALVADOR, A VIOLÊNCIA RENDE VOTOS

 

Elaine Senise Barbosa

29 de maio de 2023

 

Nayib Bukele, o polêmico presidente de El Salvador, acusado por organizações de direitos humanos de violar direitos dos cidadãos, viu sua popularidade atingir 80% de aprovação após declarar “uma guerra ao crime”, mesmo que à custa de um estado de exceção no qual agentes policiais podem encarcerar indivíduos por “parecerem” criminosos.

O governo salvadorenho gastou milhões para construir a maior prisão do continente, que acaba de ser inaugurada. Tem capacidade para 40 mil presos, nesse que é um dos menores países das Américas. Seu nome, Centro de Confinamento para o Terrorismo, já enseja questionamento sobre a manipulação que governos autoritários fazem desse conceito para perseguir sem contestação seus inimigos, inclusive do ponto de vista da legislação internacional. Coisas de Guantánamo

 

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O Centro de Confinamento para o Terrorismo em Tecoluca, El Salvador.

 

Desde março de 2022, quando 87 pessoas foram assassinadas em 48 horas na capital, San Salvador, Bukele decretou Estado de Exceção e anunciou uma nova política de segurança para conter as gangues, que contam com milhares de membros. Sem oposição do Judiciário, depurado em 2021, as forças de segurança já realizaram mais de 65 mil prisões, incluindo menores de idade, muitas sem acusação ou prova, podendo manter as pessoas presas preventivamente por até 15 dias (antes, a lei previa 72 horas). O regime de exceção já foi prorrogado 11 vezes.

A Human Rights Watch reporta dezenas de mortes, prisões arbitrárias, tortura, falta de transparência sobre as informações públicas e violação de privacidade, tudo isso sob a suspensão das garantias individuais.

 

O populismo de direita

Bukele, em 2019, aos 37 anos, tornou-se o mais jovem presidente na história do país. Pertence à geração de políticos que emergiu na última década, com um discurso antissistema, muito hábil no uso das redes sociais para criar conexão direta com seus apoiadores, apelando a valores morais e religiosos. Detalhe: o próprio Bukele é filho de imigrantes palestinos muçulmanos.  

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Nayib Bukele durante a campanha eleitoral que levou-o à presidência de El Salvador.

Sua carreira política começou em 2011, eleito prefeito numa pequena cidade, pela esquerdista Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), o mítico movimento guerrilheiro que na década de 1980 lutava contra os latifundiários e o imperialismo americano. Em 2015, candidatou-se à prefeitura de San Salvador, vista como um trampolim para a presidência. Ele não só ganhou como, depois de apenas um ano, lançou-se candidato à presidência. 

Em 2017, o ambicioso político entrou em atrito com a direção da FMLN, pelo radicalismo de seu discurso e pelo conservadorismo de suas ideias, até ser expulso. Livre para organizar sua base política, fundou o Novas Ideias, apoiada em proclamações antissistema e anticorrupção. A eleição teve apenas 51,88% de comparecimento às urnas, pois o voto não é obrigatório, em mais um exemplo de crise da representação democrática. Quando vieram as eleições legislativas de 2021, o Novas Ideias triunfou amplamente, dando a Bukele o controle sobre o Parlamento.

Seguindo o enredo do populista de direita, Bukele exibe-se como governante liberal e critica seu vizinho na Nicarágua, Daniel Ortega, chamando-o de ditador, enquanto deputados de seu partido aprovaram uma lei que segue os mesmos mecanismos e argumentos empregados pelo governo de Manágua para controlar organizações independentes. O governo também lançou-se à gracinha de oficializar o bitcoin, junto com o dólar, como moeda oficial no país. E, assim como a moeda virtual, o assunto também virou fumaça.

 

Da guerrilha às pandillas

O que acontece com a política em El Salvador não deve ser interpretado como mera cópia de um novo jeito de fazer política. Lá, o discurso armamentista expressa relação direta com a guerra civil ocorrida entre 1979 e 1992, quando a ditadura sustentada por Washington foi combatida pela guerrilha da FMLN. O conflito produziu dezenas de milhares de mortos, civis em sua maioria, 30 mil deles assassinados. Encerrado o governo de Ronald Reagan e a Guerra Fria, a paz chegou a toda a América Central.  Mas a destruição física e humana não foram superadas e a situação não melhorou para a grande maioria.

 A vida política organizou-se em torno de dois partidos, a própria FMLN e a Arena, à direita, que passaram as últimas décadas alternando-se no poder e compartilhando escândalos de corrupção. Numa pesquisa realizada em 2021 pelo Barômetro Latino Americano, que avalia a “saúde” da democracia nas diferentes países da região, El Salvador apareceu em último lugar.

Nos anos 1980, a guerra civil impulsionou a emigração para os EUA. Na Califórnia, jovens salvadorenhos deslocados formaram gangues (pandillas). Eles se tornaram parte do mosaico étnico da violência urbana nos Estados Unidos e alvos de grandes operações de repatriamento. De volta a El Salvador, reorganizaram-se de acordo com suas antigas lealdades e práticas criminais. Assim surgiram algumas das principais gangues, como a Mara Salvatrucha 13 (MS-13), a Barrio 18 Revolucionarios e a Barrio 18 Sureños.

As gangues vivem de extorquir comerciantes e moradores de bairros pobres, além do tráfico de drogas. Hoje, estima-se em 70 mil o número de envolvidos diretamente com as gangues. Para um país de 6,6 milhões de habitantes, é mais de 1% da população.  As rixas entre as pandillas produziram números de homicídios piores do que os da guerra civil; em 2015 foram 105 mortes para cada 100 mil habitantes. Fugir dessa violência é o que continua empurrando milhares de salvadorenhos para a fronteira do México com os Estados Unidos, ano após ano.

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De acordo com a Anistia Internacional, El Salvador possui as prisões mais superlotadas do continente. O número de detidos equivale a 2% da população adulta do país.

São os números da violência que alimentam o discurso inflamado de Bukele. Contudo, investigações realizadas por um jornal local sugerem que a diminuição dos índices de criminalidade apresentados pelo governo é resultado de um acordo secreto negociado pelo próprio presidente com os pandilleiros – algo que Bukele nega, é claro. A contrapartida oferecida pelo governo seria a melhoria das condições de vida nas carceragens e a concessão de benefícios para libertos, num país listado pela Anistia Internacional por suas péssimas condições prisionais.

 

 

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