ISRAEL: DEMOCRACIA EM XEQUE

 

Anita Efraim 

(Jornalista, mestre em Comunicação Política e coordenadora de comunicação do Instituto Brasil-Israel)
22 de fevereiro de 2023

 

Benjamin Netanyahu fez tudo que podia para voltar ao poder. Depois de 12 anos como primeiro-ministro, colecionou inimigos e, em 2022, para conquistar o posto novamente, desenhou alianças com a extrema-direita e com os ultraortodoxos. Tudo isso em meio a denúncias de corrupção contra Bibi, como é popularmente conhecido no país.

Netanyahu em comício do Likud, partido de direita radical, durante a campanha para as eleições gerais de 2022

Para agradar os novos aliados e, ao mesmo tempo, fugir das consequências dos julgamentos contra si, Netanyahu começou o governo à milhão, com propostas que excluem minorias, tornam o Estado de Israel mais religioso e ortodoxo e, o mais preocupante, menos democrático.

Logo no início, o novo ministro da Justiça, Yariv Levin, propôs um projeto de lei cujo objetivo é evidente: enfraquecer o Judiciário. O principal ponto sobre essa reforma é o chamado “parágrafo de superação”. A mudança proposta permitiria que, por maioria simples, o parlamento possa derrubar decisões da Suprema Corte.

Na prática, essa alteração reduziria a atuação justamente do principal poder que contrapõe o executivo e o legislativo – poderes que, no sistema parlamentarista de Israel, são praticamente a mesma coisa. Isso porque o primeiro-ministro e os ministros estão no parlamento, eles legislam e executam. Assim, os poderes se confundem.

 

Sem freios, nem contrapesos

O único poder que faz funcionar o sistema de freios e contrapesos, tão importante em uma democracia, é o Judiciário. Um agravante da proposta do “parágrafo de superação” é que, no sistema israelense, um governo só pode ser formado quando a coalizão tem ao menos 61 cadeiras, ou seja, maioria simples. Assim, qualquer governo conseguiria derrubar decisões da Suprema Corte.

O ministro da Justiça revela o plano para reformar o sistema judicial durante uma coletiva de imprensa no Knesset, em 4 de janeiro de 2023

A proposta da reforma também prevê uma mudança no comitê que aponta novos membros para a corte. A ideia de Netanyahu é que a maioria dos que escolhem os juízes sejam políticos, isto é, a coalizão que está no poder apontaria nomes para a corte suprema.

Trata-se de mais um ponto preocupante que se soma ainda à sugestão de findar com o ponto de “razoabilidade” para se posicionar a favor ou contra leis aprovadas pela Knesset, parlamento israelense. A ideia de Bibi é que esse argumento, comumente utilizado pela corte, deixe de existir. Tudo isso em um país onde não há constituição.

Para avançar com sua proposta de reforma, Yariv Levin alega que a possibilidade de a Suprema Corte frear ações do Executivo diminui a governabilidade de Israel. O argumento, contudo, é apenas um pano de fundo para um interesse maior de Netanyahu, que é de minar o Judiciário, derrubando os processos contra ele.

 

A Suprema Corte mantém o equilíbrio e a democracia

Diante do contexto, é fundamental alertar sobre o risco que a democracia israelense corre, caso a reforma avance. A Suprema Corte tem um papel fundamental de defesa das minorias em Israel. O judiciário é responsável, por exemplo, por garantir direitos dos ultraortodoxos, mas também da população LGBT, dos etíopes e outros grupos minoritários.

Em um governo como de Netanyahu, com membros ultraortodoxos, contrários aos direitos da população LGBT, importantes conquistas viabilizadas pelo Judiciário podem ser derrubadas.

Outro ponto é o fim do sistema de freios e contrapesos. Sem o poder do Judiciário, o poder do Executivo seria praticamente ilimitado.

A sociedade civil israelense rapidamente percebeu o risco que a democracia corre. O país tem se mobilizado e grandes manifestações ocorreram recentemente em várias cidades, em especial em Tel Aviv, com mais de 100 mil pessoas nas ruas, para protestar contra a reforma de Netanyahu. Em cidades como Jerusalém e Haifa, israelenses também se manifestaram, sempre com a mesma demanda: a manutenção da democracia israelense.

 

O jogo perigoso de Netanyahu

Apesar do número relevante de manifestantes, Netanyahu não tinha sido acuado pelo barulho feito pela sociedade. Isso mudou quando os protestos começaram a aparecer também no setor econômico. Economistas importantes do país fizeram um abaixo-assinado contra a reforma do Judiciário, a favor da democracia israelense. O presidente do Banco Central, Amir Yaron, indicado pelo próprio primeiro-ministro, além de profissionais da indústria high-tech e soldados do Exército nacional também se manifestaram.

O projeto de reforma foi aprovado em primeiro turno pelo Knesset, o parlamento israelense, no dia 13 de fevereiro. Na imagem, manifestantes em frente ao Knesset, em Jerusalém

No Fórum Econômico de Davos, realizado no início do ano, Amir Yaron foi alertado de que o enfraquecimento do Judiciário israelense pode levar ao rebaixamento da nota de agências de classificação de risco, o que tende a diminuir o investimento internacional em Israel. O evento poderia derrubar a popularidade de Benjamin Netanyahu, o que o preocupa.

Forças internacionais também alertaram o governo israelense que, se a proposta andar, o país ficará isolado. Bibi esteve na França, onde ouviu recados do presidente Emmanuel Macron sobre a importância de manter a democracia forte. Antony Blinken, secretário de Estado dos Estados Unidos, esteve em Israel e também o alertou sobre os perigos que o país sofre ao mexer com o Estado democrático de direito.

O cenário preocupa toda a sociedade civil israelense. As mobilizações seguem e, diante de tantos pontos de atenção expostos na proposta dessa polêmica reforma, o que fica é o alerta para que a democracia israelense siga plena, forte e preservada.

 

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