XI JINPING “ESTÁ OLHANDO VOCÊ”

 

Stela egípcia com orelhas dedicada a Hathor, a deusa celeste “que escuta as preces”. Tebas, cerca de 1.100 a.C

No 1984, de George Orwell, o Grande Irmão “está olhando você”. Na China, Xi Jinping faz mais que isso: as últimas tecnologias de vigilância social buscam identificar padrões de comportamento para prever protestos ou atos criminosos, possibilitando operações policiais profiláticas.

A vigilância sobre a população chinesa desdobra-se em dois planos. Na vida cotidiana, as pessoas são filmadas por incontáveis câmeras nas ruas, em trens e metrôs, edifícios residenciais ou complexos de escritórios. Já na esfera dos intercâmbios virtuais, a vigilância estende-se dos telefones celulares às compras online e às redes sociais.

Todos são vigiados, mas existem alvos prioritários. Os dissidentes políticos são os mais óbvios, como em qualquer ditadura. Contudo, o tecnototalitarismo chinês mira também indivíduos com ficha policial, doentes mentais, usuários de drogas, jovens ociosos, estrangeiros, infectados com o HIV, minorias étnicas e as massas de trabalhadores migrantes.

Sob a pandemia de Covid-19, avançaram as tecnologias de monitoramento social ao redor do mundo. A hipervigilância esbarrou em limites legais no mundo democrático – mas, evidentemente, não nas ditaduras. Na China, o regime sofisticou ao extremo os meios tecnológicos de controle social, utilizando-os para impor os mais severos lockdowns do planeta.

Uma reportagem do The New York Times, que registra o avanço do tecnototalitarismo, coletou o depoimento de Zhang Yuqiao, 74 anos. O idoso solicita, há muitos anos, compensações do governo chinês pelas torturas sofridas por seus pais durante a chamada Revolução Cultural. No passado, Zhang simplesmente evitava as principais rodovias para viajar de seu povoado, na província de Shandong, até Pequim, a fim de insistir nas suas petições. Nos últimos anos, a caminho da capital, desliga seu telefone, paga todas as transações em dinheiro vivo e adquire diferentes bilhetes de trem para destinos falsos.

O jogo de gato e rato continua. Aparentemente, os sistemas de vigilância entenderam as táticas  de Zhang e, agora, a cada desligamento de seu celular, surgem policiais à sua porta para se certificar de que ele não partiu rumo a Pequim.

Fonte: The New York Times, “‘An invisible cage’: How China is policing the future”, P. Mozur, M. Xiao & J. Liu, 25/6/2022

 

Estado policial

Xi Jinping assumiu o comando da China em 2012, substituindo Hu Jintao na secretaria-geral do Partido Comunista Chinês (PCC). Dali em diante, dedicou-se à consolidação de seu poder pessoal, eliminando o sistema de “direção coletiva” implantado desde a ascensão de Hu Yaobang, no longínquo 1982. Em março de 2018, o Congresso do PCC aboliu o limite de dois mandatos de seus dirigentes, propiciando a eternização do “segundo Mao” no poder.

O “núcleo eterno” do Partido, como Xi Jinping foi qualificado quase oficialmente, engajou-se também na supressão dos direitos e liberdades informais experimentados pelos chineses nas décadas anteriores. As redes sociais foram submetidas a rígida censura, por meio da edificação da chamada “Grande Muralha virtual”. Uma brutal onda repressiva atingiu os uigures, na província do Xinjiang. A Lei de Segurança de Hong Kong, de 2020, eliminou a autonomia política da cidade-Estado.

Cena do filme mudo soviético “Aelita, rainha de Marte”, de 1924

No filme de ficção científica soviético Aelita, rainha de Marte (1924), de Yakov Protazanov, baseado no romance homônimo de Alexei Tolstoy, a vigilância social é utilizada pela elite para monitorar a classe trabalhadora. O tema clássico, que organiza o enredo de outras obras, como Metropolis (1927), de Fritz Lang, aplica-se à China de Xi Jinping. O sistema tecnológico de vigilância destina-se a paralisar, pelo medo, a sociedade inteira.

O tecnototalitarismo chinês integra diferentes ferramentas, estendendo-se de câmeras digitais instaladas em ruas, conjuntos residenciais e complexos de escritórios até complexos sistemas de armazenagem e análise de massas de dados colhidos na internet e nos telefones celulares. O objetivo final é controlar cada passo e cada mensagem dos mais variados públicos-alvo.

“Big data deve ser utilizada como um motor para o desenvolvimento inovador da segurança pública”, explicou o próprio Xi Jinping, em 2019, num encontro nacional de autoridades policiais. A abordagem chinesa inspira-se em softwares criados nos EUA e na Europa para uso policial, que sofrem críticas de organizações de direitos humanos por incorporarem nítidos preconceitos de raça e origem. A diferença está na escala em que tais tecnologias são empregadas na China e, principalmente, na absoluta ausência de revisão judicial independente.

É muito cedo para avaliar o sucesso do sistema de vigilância em massa que se estabelece na China, do ponto de vista da meta de prever comportamentos futuros. Contudo, sua mera presença funciona como fator inibidor: os chineses sabem que estão sendo permanentemente observados por um poder livre de limites legais.

“Trata-se de uma jaula tecnológica imposta à sociedade”, enfatiza Maya Wang, da Human Rights Watch. E completa: “o peso disso é sentido desproporcionalmente por grupos de indivíduos já severamente discriminados na sociedade chinesa”.   

No “Metropolis” (1927), de Fritz Lang, a Máquina controla a horda de trabalhadores que sustentam a elite de Pensadores

 

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