IMIGRANTES: AS PALAVRAS E OS ATOS DE BIDEN

 

Elaine Senise Barbosa

28 de junho de 2021

 

EUA: fila de imigrantes

A cena, já clássica, de imigrantes tentando dar entrada a seus pedidos de asilo em um posto na fronteira sul dos EUA

O governo de Joe Biden precisa passar das palavras às ações: trabalhar, junto com a bancada democrata no Congresso, pela aprovação do projeto de reforma da lei de imigração. Porque, enquanto o projeto aguarda votação no Senado, onde as duas bancadas se equivalem em votos, o número de deportados nesses primeiros meses do ano foi imenso. O fluxo de deportações foi coroado pelas palavras da vice-presidente Kamala Harris, dirigida aos imigrantes, em visita oficial à Guatemala, no início de junho: “Não venham”.  

Biden foi vice-presidente de Barak Obama nos dois mandatos, entre 2009 e 2017, marcados por discursos em favor dos imigrantes e por certas ações como a criação do DACA, voltado à proteção dos direitos de imigrantes que chegaram crianças e sempre viveram nos Estados Unidos. Mas, sob forte resistência do Congresso de maioria republicana, que endureceu as leis de imigração, Obama recuou, intensificando os controles na fronteira com o México e produzindo um número recorde de deportados: 60% a mais que seu antecessor, o republicano George W. Bush. No fim, Obama ganhou o triste título “deportador-geral”.

A pandemia reduziu significativamente o fluxo de imigrantes tentando entrar nos EUA desde o início de 2020. Mas isso não reduziu a importância do tema no processo eleitoral do ano passado, pois já existem 11 milhões de imigrantes não autorizados vivendo no país, para quem Biden dirigiu palavras de esperança. 

Uma mudança já sentida desde a posse do novo governo é de foco. Ao invés de apavorar esses indocumentados, que muitas vezes vivem no país há décadas, as ações de deportação concentram-se nos recém-chegados. O Serviço Nacional de Imigração (SNI) informou, em 6 de junho, que deteve 90.850 imigrantes sem documentos apenas nesse ano, e já deportou 42.067 para seus países de origem. 

Gráfico USA deportação

Fonte: The Economist, 12 de junho de 2021

 

Pressão sobre os recém-chegados

Entre palavras, promessas e atos governamentais, o SNI está se apoiando em uma interpretação legal formulada há pouco, no governo Donald Trump. Utilizando-se do Título 42 da Lei do Serviço de Saúde Pública, de 1944, os agentes de imigração justificam as expulsões sumárias invocando riscos à saúde pública. O perigo seria a disseminação do vírus da Covid-19. Trata-se, de fato, de mais um capítulo na longa novela dos usos e abusos estatais cometidos em nome da pandemia.

Defensores dos direitos dos imigrantes contestam a legalidade dessa interpretação, que está servindo inclusive para impedir solicitações de asilo. É triste ter que repetir que a maioria das pessoas não deixa suas vidas para trás apenas movidas pelo desejo de ter “mais conforto”. A escolha, frequentemente, é entre vida e morte. Grande parte dos imigrantes que tentam ingressar nos Estados Unidos provêm do chamado Triângulo do Norte (Honduras, Guatemala e El Salvador), onde a violência praticada pelas gangues, narcotraficantes e milicianos, em doses e composições variadas, inferniza a vida dos pobres.

Quando esses migrantes são sumariamente expulsos, tornam-se mais uma vez reféns da violência. Aprisionadas no norte do México, uma região cada vez mais perigosa, convertem-se em vítimas de extorsão, agressão, estupro e cárcere ilegal, como denuncia a ONG Human Rights First, que tem recebido muitas dessas histórias. Elas apontam um salto impressionante de ocorrências entre abril (500) e meados de junho (3,3 mil).  

O governo de Andrés López Obrador já tinha concluído acordos com Trump para que o México desempenhasse papel mais ativo na contenção da imigração oriunda da América Central. Se, de um lado, o risco da violência pode ser um elemento dissuasor da tentativa de se cruzar o país em direção à fronteira dos EUA, por outro, o próprio México já funciona como polo econômico de atração de parte desses imigrantes, como fica evidenciado no significativo aumento dos pedidos de asilo. Nada indica, portanto, que os acordos anti-imigração estabelecidos entre Trump e Obrador venham a ser descartados por Biden. 

 

Refugiados

Parte da política de recuperação do prestígio e liderança dos Estados Unidos no cenário internacional passará, sem dúvida, pelo resgate da defesa dos direitos humanos, um pilar abalado nos sombrios anos de Trump. No âmbito da imigração, praticando um nível de xenofobia que desafia as leis, o ex-presidente rompeu a norma de atribuir metade das vagas de imigrantes para os refugiados.

Gráfico USA refugiados

Fonte: The Economist, 4 de maio de 2021

Durante décadas, os EUA reassentaram mais refugiados do que todo o restante do mundo. Contudo, no ano fiscal de 2018 (outubro de 2017 a setembro de 2018), pela primeira vez, o país recebeu menos refugiados do que o Canadá. Biden assumiu o compromisso de restaurar a legalidade. Sua proposta enviada ao Congresso, em fevereiro, restabelece o número de 62,5 mil vagas/ano para refugiados, que o governo anterior havia derrubado (em 2017, só entraram 55 mil).  

A política e as palavras de Trump claramente discriminavam muçulmanos. Biden, pelo contrário, retoma as cotas regionais já estabelecidas pela Lei de Imigração, que repartem as vagas para refugiados: 22 mil para africanos, 13 mil para provenientes do da Ásia meridional e do Oriente Médio.

Entre as heranças de Trump, destaca-se um obstáculo pouco mencionado, que é a devastação da agência destinada a processar as solicitações de asilo. O Serviço de Cidadania e Imigração declarou, no ano fiscal de 2019, dispor de apenas 253 funcionários para entrevistar demandantes de asilo no exterior, uma centena a menos que os 352 funcionários existentes em 2017. Isso significa que, apesar da elevação nominal das vagas destinadas a refugiados e imigrantes, o enxugamento da máquina pública pode funcionar como uma porteira fechada.

Segundo Krish O’Mara Vignarajah, do Serviço Luterano de Imigração e Refugiados, o reassentamento de 62,5 mil refugiados exigirá um esforço “hercúleo”. Biden promete ir além, ampliando o limite para 125 mil no próximo ano fiscal. O gráfico acima ilustra a mudança de política, expressa pela elevação do “teto”, mas também a distância entre o “teto” nominal e o assentamento efetivo de refugiados. Palavras e atos…

 

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