A ideologia do racismo orientou a reorganização dos Estados Unidos após o encerramento da Guerra Civil, em 1865. São chamadas “leis Jim Crow” aquelas criadas após a guerra civil, destinadas a manter a população os ex-escravizados em condição subalterna. As leis raciais vigoraram por um século, até serem revogadas em 1964 pela Lei de Direitos Civis.
A “raça” tornou-se o critério do ordenamento legal, e isso incluía os imigrantes. As elites continuavam a perseguir seu sonho Wasp. Por mais cem anos, os negros continuaram a ser tratados como cidadãos de segunda classe, vivendo em espaços segregados. A resposta dos negros foi migrar para as cidades industriais do nordeste, onde formaram seus bairros e vidas em comunidade – e de onde saíram líderes políticos denunciando e mobilizando as pessoas para lutar contra as leis raciais, que não ficavam restritas ao sul, como logo perceberam.
Vieram as lutas pelos direitos civis, os jovens contestadores do Black Power, os atuais militantes do Black Lives Matter. E, ainda assim, todos puderam assistir, em maio de 2020, aos longos minutos durante os quais um policial manteve seu joelho sobre o pescoço de George Floyd, um homem negro e desarmado, até matá-lo. A reação de indignação que tomou conta do país e promete se tornar um tema importante na campanha eleitoral não aconteceu pelo fato do caso ser atípico. Pelo contrário, o que chocou foi a banalidade: durante quase 8 minutos nenhum dos colegas do policial pensou em detê-lo. O racismo é uma ideologia tão entranhada no ethos dos Estados Unidos quanto a crença no Destino Manifesto.
1948 prossegue com a série sobre a história da escravidão e do racismo nos Estados Unidos, publicada em três partes: o tempo da escravidão; a era da segregação racial; a luta contra o racismo.
A guerra civil, iniciada em 1861 para impedir que os estados do sul reunidos nos Estados Confederados da América se separassem do restante dos Estados Unidos, terminou no início de abril de 1865. Dias depois, 14 de abril, o presidente Abraham Lincoln foi assassinado por um sulista dentro de um teatro em Washington, em claro ato de vingança.
Havia ressentimento entre os confederados derrotados. Seus estados foram devastados. Seu modo de vida foi consumido pelos grandes incêndios. Em lugares como a Geórgia e a Carolina do Sul os saques às cidades e ataques a civis inauguravam a “guerra total” contra os adversários. A era do direito humanitário ainda estava por nascer.
A morte do presidente deu ao Partido Republicano, no comando do governo, o pretexto para afastar qualquer atitude conciliadora, como pregava Lincoln. Ganharam os defensores da manutenção das tropas da União nos estados derrotados. Argumentavam ser necessário garantir a execução da nova lei que abolia a escravidão e trazia quatro milhões de pessoas para a condição de cidadãos, uma vez que os estados derrotados resistiam às mudanças.
Do ponto de vista prático, a produção de algodão precisava ser retomada, incluindo redirecionar as vendas para as fábricas têxteis do nordeste industrializado. O governo federal lançou o programa de Reconstrução para os ex-estados confederados, destinado a reintegrá-los mais rapidamente à realidade política, social e econômica do restante do país. Os representantes dos ex-estados confederados foram mantidos fora do Congresso durante 11 anos, em nome de garantir a aprovação das reformas. Essa completa hegemonia do Partido Republicano só foi possível porque, no início da guerra civil, os confederados haviam se retirado do Congresso ao romperem com a União.
A 13ª emenda declarou os escravos livres, mas não disse para o que – eis a “lógica” invocada pelos sulistas brancos, que não aceitavam conviver em igualdade com os negros. O embate foi responsável pela proposição da 14a emenda e 15ª emenda, promulgadas em 1868 e 1870. Elas afirmam a igualdade de direitos a todos os cidadãos, independentemente de raça, cor ou credo; e o direito de voto a todos os homens adultos. Em 1875, o Congresso ainda aprovaria uma Lei de Direitos Civis para garantir o direito ao mesmo tratamento em serviços públicos como transporte, teatros ou hotéis. A Suprema Corte, porém, decidiu pela inconstitucionalidade da lei em 1883, argumentando que o Congresso não tinha controle sobre indivíduos ou empresas privadas.
Na segunda metade do século XIX, o racismo se tornou uma ideologia disseminada por todas as partes. Nos Estados Unidos, a mistura do laissez-faire liberal com o espírito de fronteira reforçou o mito nacional do empreendedorismo individual. E acrescentou mais um elemento: a raça, atribuindo à cor da pele das pessoas a condição determinante para o seu sucesso. O governo da União pouco fez para ajudar na integração dos ex-escravos que eram analfabetos em sua extensa maioria e, de repente, foram chamados a votar e a ocupar as cadeiras nas assembleias locais.
Durante a Reconstrução, de forma um tanto desordenada e vingativa, o partido republicano aceitou que os estados ocupados fossem administrados por coalizações improvisadas de brancos pobres, ex-escravos e indivíduos vindos do norte, muitos deles aventureiros atrás de oportunidades fáceis. Previsivelmente, os resultados foram negativos em vários lugares e, como essa nova ordem acontecia sob as bênçãos dos republicanos, os brancos sulistas tomaram ódio ao partido.
Havia, por outro lado, sinais de uma incipiente classe média negra que se esboçava desde antes da abolição em algumas cidades do sul, graças aos negros libertos e livres. São prova disso a eleição ao Senado de Hiram Revels, em 1870, e de Blanche K. Bruce, do Mississipi, eleito em 1874, além de meia dúzia de deputados federais. Frederick Douglass, o ex-escravo cuja biografia foi um importante motor do movimento abolicionista, ocupou diversas funções em nível federal durante a Reconstrução, em órgãos voltados para atender os novos cidadãos.
A sociedade civil negra deve muito de sua organização às instituições religiosas, em torno das quais a vida em comunidade pôde se organizar desde o início. Eram irmandades e associações de caridade, fontes de uma riquíssima cultura negra, posteriormente assimilada e transformada em “produto tipo exportação”. Foram instituições desse tipo que mais trabalharam para criar condições para a integração dos libertos, começando pela criação de escolas com professores pagos.
A tradição protestante da leitura pessoal da Bíblia era forte estímulo à alfabetização. Alfabetização básica e qualificação da mão de obra: em plena era da arrancada industrial, as escolas mais ambiciosas treinavam seus alunos para ocupar cargos técnicos. Nesse sentido, negros eram vistos como operários não como cidadãos. O conceito era paternalista, destinado a manter as relações de subalternidade.
Poucos, entretanto, tiveram acesso à educação e à vida urbana. A absoluta maioria não teve opções e se tornou meeira nas grandes propriedades, onde a servidão por dívidas era comumente encontrada. É, essencialmente, uma lenda a história de que o governo teria distribuído “40 acres e uma mula” para cada família de ex-escravos, para que recomeçassem a vida como donos de suas próprias terras.
Quando a Reconstrução terminou, em 1877, e a velha elite sulista voltou ao poder, os negros descobriram que pouca coisa havia mudado: apesar de livres, eles continuariam em situação civil inferior. E agora também poderiam ser facilmente linchados, porque não eram propriedade de ninguém.
Uma nação é uma ideia ou um fato natural? Uma nação é um contrato político representado pela Constituição, baseada nos princípios de igualdade civil, independente de cor e religião? Ou é a expressão de um arranjo genético particular que se transmite pelo sangue? Uma nação toda branca? Uma nação toda negra?
A elite Wasp sabia que não podia invocar mitos de pureza racial como faziam seus pares no norte da Europa na mesma época. Os colonos e imigrantes que fundaram os Estados Unidos vieram de diferentes partes da Europa e, naquela época, a entrada de irlandeses e italianos católicos já causava grande incômodo.
Como falar em pureza frente ao melting pot? A resposta foi o nativismo, a ideologia nacionalista romântica: a nação de colonos protestantes brancos. Os descendentes de escravos simplesmente não eram pensados como parte a ser incorporada. Pelo contrário, muralhas de leis de segregação foram erguidas.
Nasceram, nesse contexto, as organizações racistas, cujo maior objetivo era intimidar os negros fazendo-os deixarem de votar. A Ku Klux Klan, a mais célebre delas, foi fundada em 1867, na cidade de Nashville (Tennessee), e depois se alastrou pelo país. Seus métodos de ação eram os linchamentos bárbaros, as “caçadas” aos negros durante a noite nas matas próximas às fazendas, os incêndios de casas e igrejas.
O homem da Klan, um romance histórico sobre a Ku Klux Klan publicado em 1905 por Thomas Dixon, foi adaptado para o teatro e chegou às telas do cinema, novo meio de comunicação que estava surgindo. O famoso filme de D. W. Griffith, O Nascimento de uma Nação, lançado em 1915, fixou uma imagem no imaginário coletivo da América Branca: pobres e gentis pessoas – donzelas de preferência – ameaçadas por homens pretos brutos e cobiçosos. No livro e no filme, os encapuçados homens de branco da Klan salvam os bons cristãos desse perigo.
O mito de pureza racial permanece na fantasia dos supremacistas brancos de hoje, os mesmos que ostentam a bandeira confederada e odeiam os imigrantes. Não haveria coisa pior do que a miscigenação, que borra as fronteiras de raça.
Uma década depois de encerrada a guerra, era hora de normalizar a situação política do país e questões importantes no Congresso exigiam que republicanos e democratas votassem juntos. Apesar da projeção nacional, o Partido Democrata manteve-se fortemente atrelado aos interesses do sul agrário e racista, atuando como seu porta-voz. Em 1877, os últimos interventores federais se retiraram e a velha aristocracia dos “brancos como lírio” retomou o poder em seus estados. Rapidamente, a população negra voltou a ser excluída da vida política; era urgente impedir que a democracia eleitoral pusesse em risco o status baseado na pretensa superioridade do homem branco.
Alguns negros ainda foram eleitos para cargos locais na década de 1880, mas já não alcançavam as esferas estaduais e federais. Mesmo no Partido Republicano o racismo acabou falando mais alto e, depois de muitas brigas, os negros perderam quase toda a influência, restando um pequeno número de líderes negros com autorização para votar.
Entre 1890 e 1910, os democratas aprovaram leis para tornar o registro de eleitores e as regras eleitorais mais restritivas, resultando na diminuição da participação política da maioria da população pobre, negros e brancos. Era uma combinação de impostos, testes de alfabetização e leitura (também aplicados a imigrantes), juntamente com requisitos de residência fixa e de inscrição eleitoral.
Por fim, para deixar bem claro a quem se dirigiam tais ordenações, foi criada a “cláusula do avô”, liberando dos testes de alfabetização e residência quem tivesse avós com direito a voto antes do início da guerra civil. Isso contornava a proibição para alguns brancos analfabetos, mas discriminava todos os descendentes de escravos. Como efeito, o número de eleitores no sul diminuiu drasticamente, tirando das mãos da população negra seu peso eleitoral.
A canção Jump Jim Crow era, geralmente, interpretada por um ator branco usando blackface
Ainda em 1865 o estado da Louisiana resgatou os “códigos negros”, black codes, para reafirmar a segregação sobre a população negra agora livre. Esses códigos regulavam a vida dos escravos desde o século XVIII e, renascidos, impunham uma série de restrições aos libertos. Definiam o tipo de negócio que poderiam abrir; a hora do dia em que poderiam visitar o centro da cidade; o limite de três indivíduos reunidos em algum local sem autorização prévia e, sobretudo, davam a qualquer branco autoridade legal sobre qualquer pessoa negra quando não houvesse policial presente.
Tais leis, copiadas pelos outros estados, cada qual com seus acréscimos permitidos pela autonomia legislativa, compunham o conjunto legislativo de segregação racial que dividiria a sociedade entre brancos e “pessoas de cor” (coloured). Foram genericamente apelidadas de leis Jim Crow e regulavam o uso de transportes públicos, escolas, restaurantes, hotéis, banheiros públicos.
A mais antiga referência conhecida à expressão Jim Crow é encontrada em 1892, no título de um artigo do The New York Times sobre as leis eleitorais do sul dos EUA. A expressão provavelmente originou-se da canção Jump Jim Crow, lançada em 1832 e usada para satirizar as políticas populistas do presidente Andrew Jackson. Por volta de 1838 a expressão Jim Crow já aparecia como uma forma pejorativa de se referir aos negros.
Juntava-se ao peso da herança da escravidão, o da cor, localizador dos indivíduos no ranking evolucionista. Os argumentos eram fornecidos pela mais rigorosa “ciência”. Biologia, Antropologia, Criminologia (de Cesare Lombroso), havia um vasto leque de supostos conhecimentos objetivos e neutros justificando a segregação e as políticas de eugenia. O racismo se misturou com a própria ideia de cidadania e o ordenamento legal lhe deu sustentação, em benefício dos brancos.
A obsessão pela pureza racial atingiu definitivamente a vida privada e os corpos ao criminalizar relações afetivas de qualquer tipo entre pessoas negras e brancas. Uma lei da Virgínia de 1924 serviu de parâmetro ao proibir o casamento birracial. E havia um crime chamado passing, que acontecia quando um negro de pele mais clara fazia-se passar por uma pessoa branca para contornar as leis segregacionistas.
A mestiçagem sempre foi temida e reprimida. A regra da gota de sangue única da lei da Virgínia definia como negro o indivíduo com 1/32 de “sangue negro”, ou seja, com um tataravô negro.
Aqueles que conseguiam se integrar à vida urbana aos poucos desafiaram as leis segregacionistas, acreditando nas decisões da Suprema Corte. Mas, em processos que se tornaram marcos da história do racismo nos EUA, os mais altos magistrados do país decidiam, por raciocínios tortuosos, que a segregação era legal.
Separados. Mas iguais?
O caso mais emblemático, Plessy vs. Ferguson, foi julgado em 1896 e deu ganho de causa à empresa de transportes que exigiu que o passageiro Plessy fosse para o vagão dedicado aos coloured. Segundo a interpretação da Suprema Corte, não havia problema na separação, um direito privado da empresa decidir como organizar os passageiros, desde que oferecesse condições iguais no outro vagão.
A sentença exprimiu a regra de ouro do racismo justificado na lei: “separados mas iguais”. No entendimento da Suprema Corte, a segregação era a única maneira de haver igualdade entre brancos e negros. O importante é que tudo fosse espelhado – mas nunca se tocasse.
Mesmo depois da guerra civil, o país continuava dividido em dois: um para aqueles classificados como “brancos” e outro, para todos os demais, “não-brancos”. No século XX, quando grandes contingentes de migrantes negros chegaram às cidades industriais das costas oeste e nordeste, o estigma racial viajou com eles, levando o fenômeno da segregação para o restante do país.
No início do século XX, a migração negra para o nordeste industrializado e para cidades da costa oeste tornou-se maciça; a esse movimento dá-se o nome de Grande Migração. Para trás ficavam os linchamentos e as “estranhas frutas” de forma humana penduradas nas árvores na beira da estrada.
Nova York, Filadélfia, Detroit, Chicago, Los Angeles, o número de pessoas foi tão grande em certas cidades, que modificou até seus perfis demográficos. Para o Deep South, a onda migratória foi uma perda econômica importante, nunca admitida. O fato é que a região viveu um longo processo de decadência, e o rancor voltou-se contra negros e republicanos. Enquanto isso a mão de obra negra nas lavouras do sul foi substituída pelos imigrantes mexicanos.
No norte estava o “sonho americano” de liberdade, trabalho e prosperidade. Os milhares que migraram modificaram a paisagem humana, cultural e política do país, fenômenos que podem ser identificados na formação dos bairros negros e na transformação do blues e do jazz em músicas consumidas pelos brancos. A sociedade civil negra se constituía à imagem e semelhança da sociedade branca – mas em paralelo, apartada e mais pobre. Nos bairros que se formavam podiam ser vistas as casinhas alinhadas, igrejas, praças, restaurantes, times de beisebol, hotéis, barbearias e costureiras.
Desde o início, o preconceito racial se incumbiu de garantir que não houvesse integração nos bairros. Novos subúrbios ou áreas centrais semi-abandonadas passavam a ser identificados pela cor de sua população. As pessoas não tinham problemas em irem às ruas com cartazes dizendo que não queriam vizinhos negros. A nova segregação urbana seria muito mais persistente do que aquela imposta pela letra da lei. Brancos e pretos viveriam nas mesmas cidades, mas teriam acessos a lugares muito diferentes, podendo quase nunca se encontrarem. Nas metrópoles em formação, a discriminação urbana “exilava” os negros em seu próprio país, transformando-os em estrangeiros. Era um protótipo de apartheid.
Surgia uma classe média negra urbanizada. Foram criados os primeiros jornais destinados à comunidade; havia escritores de qualidade desconhecidos do público branco. W.E.B. Du Bois publicou muitos deles na revista The Crisis, da NAACP. As comunidades não tardaram a se organizar para lutar por direitos.
Mas o estigma da raça não desapareceu com a Grande Migração. A massa de trabalhadores negros partia de uma condição muito desigual na busca por empregos, devido ao amplo analfabetismo. Já nessa época o governo havia estabelecido como regra para os imigrantes o conhecimento da língua e a capacidade de leitura. A diferença de formação ajudava a reforçar os estereótipos raciais de inferioridade da população negra. Os empregadores não precisavam de leis de segregação como no sul, pois o próprio mercado de trabalho se incumbia disso, deixando um exército de trabalhadores precários.
Protesto anti-miscigenação em Little Rock, Arkansas, 1959
Ao mesmo tempo, os trabalhadores brancos pobres, imigrantes ou não, logo aprendiam a gramática das raças vigente: “os negros roubam nossos empregos ou desvalorizam os salários”. Violentos conflitos de rua ocorreram em diversas cidades, em alguns casos com elevado número de mortes – sempre números muito maiores de vítimas negras. O problema racial se tornou tão sério que, ao término da Primeira Guerra Mundial, foram registrados 25 grandes distúrbios, os mais graves em Chicago, motivados pela presença de soldados negros trajando uniformes do exército americano.
A NAACP
Em 1905, um grupo de 28 homens negros atravessou a fronteira dos EUA para o Canadá para poder se reunir sem intervenção policial e discutir a criação de um movimento dos afrodescendentes para lutar contra a discriminação racial. Nascia o Movimento Niagara. Quatro anos depois, a persistência dos distúrbios raciais e a violência contra os negros trouxe um grupo da elite liberal, do qual faziam parte duas netas de líderes abolicionistas, para junto do grupo de Du Bois. Assim nasceu a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP – National Association for the Advancement of Coloured People).
A NAACP tinha como parâmetro fazer a defesa dos direitos garantidos nas 14ª e 15ª Emendas à Constituição. Para tanto, atuou em duas frentes importantes: na organização de base, pela disseminação de núcleos pelas diferentes cidades, segundo, e principalmente, pela atuação jurídica persistente, buscando a reversão da interpretação legal que continuava a sustentar as leis Jim Crow. A entidade se destacou por sua luta contra a prática disseminada de linchamentos, denunciando-os e buscando reparação quando possível.
“Em 1913, a NAACP havia estabelecido filiais em cidades como Boston, Massachusetts, Baltimore, MD, Kansas City, Missouri, St. Louis, Washington, DC e Detroit, Michigan. Os membros da NAACP cresceram rapidamente, de cerca de 9.000 em 1917 para cerca de 90.000 em 1919, com mais de 300 filiais locais”, informa o site da entidade.
Fundação da NAACP, em 1909, em Nova York
A década de 1920 terminou com o crash da Bolsa de Valores de Nova York e, se a situação ficou ruim para todo mundo, para os negros as consequências foram ainda piores. Franklin Delano Roosevelt, eleito presidente pelo Partido Democrata em 1932, foi o responsável pelo programa de recuperação econômica baseado na intervenção do Estado conhecido como New Deal.
De certo modo, Roosevelt refundou o Partido Democrata ao reduzir o foco na questão racial para se concentrar na questão social. As inéditas políticas de leis trabalhistas, direitos sindicais e benefícios previdenciários trouxeram trabalhadores, mulheres e até negros para a base eleitoral do partido. Mas o próprio Roosevelt não fez nenhum gesto de aproximação com a população negra e, na prática, sua administração não combateu o racismo.
Pior que isso, uma das mais importantes medidas do governo destinada a auxiliar as famílias com hipotecas junto aos bancos acabaria segregando definitivamente as áreas de moradia. Isso foi uma decorrência da Lei Nacional de Habitação (NHA), pela qual o governo federal forneceria empréstimos e auxílios por um período de 25 anos às famílias endividadas. Em tese, as famílias negras tinham direito a esses empréstimos, mas havia uma armadilha no caminho: a pessoa não poderia morar ou querer morar nas áreas classificadas como “em declínio” pelos agentes públicos. Bairros negros estavam sempre “em declínio” e, por isso, seus moradores não conseguiam os empréstimos. Assim, o investimento público foi praticamente todo dirigido para outras partes da cidade.
Em 1935, o governo criou um “mapa de segurança residencial” para orientar os investimentos imobiliários em 239 cidades. Nos mapas, as áreas mais recentes – aquelas consideradas desejáveis para fins de empréstimo – foram delineadas em verde e conhecidas como Tipo A, o típico subúrbio rico. Os bairros Tipo B, em azul, eram considerados “ainda desejáveis”, enquanto os Tipo C, em amarelo, eram os mais antigos, considerados decadentes: “Declínio”. Os tipo D, em vermelho, eram rotulados como os mais arriscados para apoio a hipotecas. Além de costumarem ser os distritos dos centros das cidades, geralmente eram também os bairros negros.
A raça inscrita no espaço urbano
A segregação urbana aumentava e perpetuava as desigualdades sociais. Além da falência das famílias que perderam suas casas e imóveis para os bancos, em virtude do Crash, os bairros de maioria negra não conseguiam atrair e manter famílias capazes de comprar casas, mantendo-se um ambiente permanente de transitoriedade.
O mercado imobiliário estabeleceu redlinings, linhas imaginárias que separavam os bairros negros, cada vez mais deteriorados e carentes de investimentos públicos, dos bairros da classe média branca, para a qual os investimentos em hipotecas foram dirigidos. A separação das “raças” ajudou a definir a geografia das cidades americanas, segregando os negros em guetos.
Nos anos de abundância do pós-Segunda Guerra, o sonho residencial do subúrbio arborizado das famílias brancas foi financiado por aqueles empréstimos públicos. E quando houve contestação do condomínio fechado e racialmente segregado, a Suprema Corte, em voto unânime, decidiu tratar-se de um direito privado que o Estado deveria aceitar.
A distância física entre brancos e negros aumentou em muitos quilômetros. A criação de vias expressas ajudou a ossificar a segregação espacial, pois muitas isolavam os bairros negros do acesso aos bens e serviços disponíveis nas cidades.
Como as propriedades dos negros foram sumariamente declaradas “em declínio” devido à sua localização, o valor pago pelas indenizações era irrisório. Com esse desenraizamento, muitas famílias acabaram mudando para pequenos conjuntos habitacionais populares financiadas pelo governo, com infra-estrutura precária, que ocupavam os lugares de antigos bairros de casas unifamiliares, todas demolidas.
A Lei de Direitos Civis de 1968 proibiu a discriminação na venda de casas, mas as legislações estaduais nada mudaram. Dados do censo de 2000 mostram que 29 áreas metropolitanas exibiam hiper-segregação racial entre brancos e negros, enquanto Los Angeles e Nova York apresentaram o mesmo fenômeno para brancos e hispânicos.
A Segunda Guerra Mundial e a nova posição de liderança dos EUA no cenário internacional intensificariam as contradições internas da sociedade americana e levariam o movimento pelos direitos civis a seu ápice.
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