“O ano de 2018 concluiu-se com pelo menos 3,4 milhões de venezuelanos, mais de 10% da população do país, emigrados para diferentes destinos na América Latina e no Caribe”. O informe preliminar da Organização de Estados Americanos (OEA), publicado em 9 de março, calcula que, em média, 5 mil pessoas deixaram a Venezuela a cada dia, desde 2015. Também projeta que a diáspora alcance um total superior a 5 milhões até o final de 2019, case se mantenha inalterado o atual cenário político no país. Nessa hipótese, o êxodo venezuelano atingiria proporções similares às do Afeganistão e da Síria no ápice de suas crises humanitárias.
O caos econômico, a hiperinflação, o empobrecimento em massa, a escassez de alimentos e remédios, a repressão política chavista, a violação em massa dos direitos humanos têm efeitos típicos de uma guerra. A crise migratória tem impacto mais brutal no corredor que se estende da Colômbia ao Chile, passando por Equador e Peru.
Fonte: OEA, Grupo de Trabalho Venezuela, Informe Preliminar 2019
O fluxo humano principal atravessa a fronteira com a Colômbia, que funciona como destino de mais de um terço dos emigrantes. Na hora da divulgação do informe da OEA, o governo colombiano, engajado na campanha internacional contra a ditadura de Nicolás Maduro, anunciou que venezuelanos com passaportes vencidos passarão a ser admitidos na Colômbia.
O Peru figura como segundo destino dos migrantes. Chile e Equador aparecem em seguida. No Brasil, apesar de sua extensa fronteira seca com a Venezuela, contam-se cerca de 100 mil emigrantes, um número comparativamente pequeno, menor até do que na Argentina. Na Colômbia, a diáspora venezuelana representa quase 2,5% da população do país; no Peru, 2,2%; no Equador e no Chile, 1,5%. Os venezuelanos no Brasil formam menos de 0,5% da população nacional.
Venezuela e Colômbia compartilham uma “fronteira viva” de dois mil quilômetros, caracterizada por intensos intercâmbios econômicos e pontilhada por centros urbanos. Os dois países nasceram de uma semente comum, a Grã-Colômbia fundada por Simón Bolívar, e mantêm importantes laços comerciais e culturais. Quase um milhão de colombianos ainda vivem na Venezuela, como fruto da diáspora gerada pela prolongada guerra civil colombiana.
Em contraste, a fronteira venezuelana com o Brasil é uma “fronteira morta” – isto é, uma faixa limítrofe quase despovoada, coberta por vegetação equatorial. Por isso, a “invasão de venezuelanos” no Brasil é uma lenda politicamente construída. O impacto do êxodo no país vizinho concentra-se em Roraima e, especialmente, na capital estadual, Boa Vista, e na pequena cidade fronteiriça de Pacaraima.
Alguns arquipélagos caribenhos sofrem forte impacto do fluxo migratório. Os 26 mil venezuelanos em Curaçao representam 15% da população da ilha autônoma que pertence à Holanda. Em Aruba, outra ilha autônoma pertencente à Holanda, os 16 mil venezuelanos perfazem 10% da população total. Fora da América Latina e do Caribe, os EUA são destino de cerca de 600 mil venezuelanos. Desses, 74 mil solicitaram o estatuto de refugiados.
A aceleração do fluxo migratório começou em 2017. O informe da OEA evidencia, por meio de duas projeções alternativas, a magnitude do êxodo que está em curso. Um prognóstico linear aponta para o número de 7,5 milhões de emigrantes no horizonte de 2020. Já o prognóstico elaborado pela Brookings Institution aponta para o número de 8,2 milhões, no mesmo horizonte.
Segundo informa o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), 414 mil venezuelanos pediram asilo no exterior entre as manifestações de protesto de 2014 e o final de 2018. Desse total, 248 mil solicitaram asilo em 2018. Os solicitantes estão entre os emigrados mais pobres, que não dispõem de recursos mínimos para se estabelecer no exterior. Perto de dois terços deles fizeram seus pedidos na Colômbia.
A maioria dos emigrados enfrentam situações de forte vulnerabilidade. Muitos sofrem de desnutrição e portam doenças que haviam sido erradicadas da Venezuela, como tuberculose, difteria e malária. A Colômbia providenciou cerca de 600 mil doses de vacinas para venezuelanos e assegurou assistência médica de urgência para 115 mil deles.
O ritmo e as características do êxodo venezuelano exigem inscrevê-lo na moldura de fenômenos típicos de países em guerra. O informe da OEA traça paralelos entre a diáspora venezuelana e as diásporas da Síria, do Afeganistão e do Sudão do Sul.
Na Venezuela, a marca de 3,4 milhões de emigrantes foi atingida três anos após o início da crise. O ritmo do fluxo humano guarda similaridade com os dramas vividos pela Síria e pelo Afeganistão. Já no Sudão do Sul, a marca de 2,4 milhões de emigrantes só foi atingida seis anos após a eclosão da crise. Sob esse aspecto, o caso venezuelano é mais grave que os das antigas repúblicas iugoslavas assoladas pelas guerras separatistas da década de 1990.
O informe da OEA soa o alarme sobre o financiamento das operações de recepção e integração de emigrantes venezuelanos. No caso da Síria, após alguns anos do início da crise, o financiamento internacional alcançou a cifra de US$ 5 mil por migrante. Já no caso venezuelano, as cifras atuais rondam em torno de meros US$ 300 por migrante.
Países como Colômbia, Peru e Equador sofrem os impactos mais significativos dessa disparidade. Por isso, o informe chama a comunidade internacional a concentrar sua atenção na diáspora venezuelana, assumindo as responsabilidades decorrentes do Pacto Global sobre Refugiados, que é parte do Pacto Global para Migração aprovado pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2018. O chamado não se aplica ao Brasil: imitando os EUA de Donald Trump, o governo Bolsonaro retirou seu suporte ao acordo internacional.
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