A DITADURA CÍVICO-MILITAR NO URUGUAI

18 de fevereiro de 2019

 

A ditadura uruguaia, a segunda a ser implantada no Cone Sul da América do Sul, estendeu-se de 1973 a 1985 e é denominada “cívico-militar” devido à presença de um civil na condição de chefe de Estado, enquanto as decisões de fato eram tomadas por representantes das Forças Armadas.

Investigando a ditadura e o terrorismo de Estado no Uruguai entre 1973 e 1985, a Universidade da República documentou 116 mortos, 172 desaparecimentos e 5.925 presos e presas políticos, entre os quais 69 crianças que ou nasceram na prisão ou foram sequestrados junto com seus pais e, eles, também, permaneceram presos durante meses ou anos.

Incontestável é que a maior parte dos que morreram ou “desapareceram” foram vitimados quando exilados nos vizinhos Argentina (principalmente), Paraguai e Brasil, então articulados na Operação Condor. Além disso, fugindo da repressão e das difíceis condições econômicas, 10% de população uruguaia emigrou naquele período.

A ditadura cívico-militar no UruguaiO reconhecimento da existência dessa operação transnacional destinada à repressão de “subversivos” foi um dos elementos-chave nas denúncias daqueles que buscaram a punição dos agentes da repressão acusados de violação de direitos humanos nos anos pós-ditaduras, ou seja, a partir da segunda metade da década de oitenta. 

A comprovação documental dessas ações demonstra que a violência cometida pelas ditaduras nada tinha de excepcional, constituindo o verdadeiro modus operandi implícito na Doutrina de Segurança Nacional.

 

A ESCOLA DAS AMÉRICAS E A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL 

A Doutrina de Segurança Nacional é a teoria que marcou a formação dos militares latino-americanos no período da Guerra Fria e justificou golpes de Estado contra governos eleitos, tornando-se a ideologia que unia e identificava as ditaduras na América Latina a partir dos anos sessenta.

A DSN surgiu nos Estados Unidos na aurora da Guerra Fria, por intermédio de um documento, o NSC-68 (Informe número 68 do Conselho de Segurança Nacional), elaborado em 1950 sob a batuta de Dean Acheson, secretário de Estado no governo de Harry Truman e um dos responsáveis pela elaboração da Doutrina Truman. O documento, bem como a doutrina que o inspirava, afirmava que a Guerra Fria seria disputada com novos métodos e que estava em jogo a sobrevivência do “mundo livre”; que a União Soviética era uma potência expansionista e tentaria espalhar o comunismo pelo mundo; e que o papel dos Estados Unidos seria liderar o “mundo livre” apoiando todos aqueles que se opusessem ao comunismo.

Partindo desse pressuposto, a DSN apoiava-se em dois pilares, primeiro, a ideia de “infiltração”, o meio insidioso usado pelos comunistas para conseguir aliados locais que os ajudassem a desestabilizar os regimes estabelecidos a partir de “dentro”, pois a União Soviética não se arriscaria a invadir militarmente o continente americano. O segundo pilar era a convicção de que as desigualdades sociais presentes no Terceiro Mundo favoreciam as forças políticas que propusessem mudanças radicais.

A Doutrina de Segurança Nacional preconizava que caberia às Forças Armadas combater essa ameaça. Os militares, defensores da nação, deveriam desenvolver atividades de inteligência e espionagem para combater os inimigos internos e, se necessário fosse, tomar o poder, pois um autoritarismo transitório seria melhor que o totalitarismo marxista.

A DSN foi disseminada a partir da Escola das Américas, localizada no Panamá, mas criada e mantida pelo governo dos Estados Unidos entre 1946 e 1984, tendo formado cerca de 60 mil militares e policiais de quase todos os países da América Latina. Era um local de formação e treinamento, onde eram ensinados métodos de combate contra insurreições revolucionárias. As violações aos direitos humanos eram justificadas pelas circunstâncias, enquanto técnicas de interrogatório que incluíam tortura eram ensinadas. “Como o ataque era não-convencional, requeria respostas não-convencionais tais como prisões arbitrárias, traslados ilegais de detidos e os desaparecimentos.”

A DSN era uma análise baseada na geopolítica e postulava que a soberania não mais residia no povo, mas derivava das exigências de sobrevivência do Estado. O núcleo dessa doutrina foi articulado pelo general Golbery do Couto e Silva, em seu livro Geopolítica do Brasil. Nele, a bipolaridade entre o mundo capitalista e “cristão” e o comunista e “ateu” conduzia a uma luta global implacável na qual não haveria espaço para hesitação frente a um inimigo ardiloso e impiedoso. Assim, seria necessário sacrificar algumas liberdades seculares para proteger e preservar o Estado.

 

Crise e polarização: os antecedentes do golpe

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Uruguai viveu um ciclo de prosperidade na condição de exportador de lã e carne para os países em guerra, o que trouxe melhorias para a vida da população. Todavia, na década de 1950, a reconstrução europeia derrubou as exportações provocando redução da atividade econômica, desemprego e inflação acelerada.

Externamente, a guerrilha de Fidel Castro tomava o poder em Cuba dia 1 de janeiro de 1959 desafiando abertamente os interesses dos Estados Unidos. Os fatos em Cuba corroboraram as ideias da DSN e agitaram os militares pelo continente. Para a juventude contestadora daquela geração, a luta armada tornou-se um objetivo nobre, capaz de “levantar o povo para lutar contra a opressão imperialista”.

  • 1963 – Surge o Movimento de  Libertação Nacional-Tupamaro (MLN-T)

Fundada pelo advogado e ex-militante do Partido Socialista do Uruguai, Raúl Sendic (1925-1989), a partir da junção de alguns sindicatos rurais e dissidentes do PSU, com a proposta de atuar por meio de táticas de guerrilha. Invocando a opressão estrangeira desde o período colonial, o MLN adotou o nome do líder indígena Tupac Amaru II, líder de uma revolta contra o poder espanhol, em 1780, no vice-reino do Peru.

A ditadura cívico-militar no Uruguai

Raúl Sendic, fundador dos Tupamaros

  • 1 de outubro de 1966 – Fundação da CNT

O Congresso de Unificação Sindical cria a Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT) para unificar as lutas dos trabalhadores uruguaios.

  • 6 de dezembro de 1967 – Jorge Pacheco Areco torna-se presidente da República

Liderança do tradicional Partido Colorado, que se inclina cada vez mais à direita. Logo após assumir, Pacheco Areco cassou o Partido Socialista e outras agremiações de esquerda acusando-os de defender a luta armada e subverter a ordem constitucional; investiu contra a Universidade da República expurgando professores “esquerdistas”; suprimiu os sindicatos independentes. A política repressiva intensificou a polarização social alimentada pela escalada inflacionária e consequente empobrecimento da população.

  • 13 de junho de 1968 – Decretado “estado de emergência”

Inseridas na Constituição para reprimir agitações na década anterior, as “medidas rápidas de segurança” permitiam suspender garantias individuais; restringiam a liberdade de expressão; suspendia o direito de greve. Em seguida foi decretado o congelamento de salários e preços para conter a inflação. A pronta reação de trabalhadores e estudantes foi brutalmente reprimida. É a partir desse momento que o MLN-Tupamaros adota uma linha mais violenta, praticando inúmeros sequestros, roubos a banco e assassinatos.

  • 7 a 11 de agosto de 1968 – Sequestro de Ulysses Pereira Reverbel pelos Tupamaros

Aliado de Pacheco Areco, Reverbel foi presidente da UTE (União das Empresas Transmissoras de Energia) e ficou conhecido pela “mão pesada” com a qual lidava com as questões trabalhistas, apelando frequentemente aos militares para atos de repressão contra as mobilizações populares.

  • 14 de agosto de 1968 – Morte do universitário Líber Arce

O estudante era membro da Juventude Comunista e foi atingido pela polícia em um protesto, dois dias antes, na Universidade da República, motivado pela invasão de várias faculdades por forças de segurança. Montevidéu parou para acompanhar o funeral de Arce em protesto pela brutalidade das ações dos agentes do governo.

  • 31 de julho a 10 de agosto de 1970 – Sequestro de Dan Mitrione, agente do FBI

Mitrione trabalhava para a Agência Internacional de Desenvolvimento, financiada pelos Estados Unidos (USAID) e teve papel destacado no Brasil e Uruguai, onde ensinou às polícias métodos de interrogatório e tortura que resultaram em inúmeros casos de violações de direitos humanos. Os Tupamaros pretendiam usar Mitrione como moeda de troca para libertar 150 presos políticos. Naqueles dias, alguns líderes da organização foram descobertos e presos pelos militares, incluindo Raúl Sendic. Supõe-se que, por esse motivo, o governo uruguaio não aceitou negociar. Mitrione foi encontrado com dois tiros na cabeça no interior de um automóvel.

O Esquadrão da Morte: constituído por grupos paramilitares e parapoliciais de extrema-direita, surgiu no início de 1970 e intensificou suas ações no final de 1971, realizando atentados contra pessoas e locais, incluindo residências, relacionados aos grupos de esquerda. O esquadrão era fruto do Programa de Segurança Pública da USAID e Dan Mitrione era parte desse processo. Os Tupamaros conseguiram, por meio do sequestro de um integrante do Esquadrão, informações sobre sua estrutura e modus operandi, que foram remetidas a diversos legisladores do país e levariam à abertura de investigações.

  • 31 de julho de 1970 a 22 de fevereiro de 1971 – Sequestro do embaixador brasileiro Aloysio Dias Gomide

Momento de forte tensão entre os governos de Pacheco Areco e Garrastazu Médici. A demora para solucionar o caso fortaleceu as vozes dos que desejavam estabelecer operações coordenadas entre as forças de segurança nos diferentes países do Cone Sul.

  • 8 de janeiro a 9 de setembro de 1971 – Sequestro do embaixador britânico Geoffrey Jackson
A ditadura cívico-militar no Uruguai

Capa do jornal El Diario, 8 de janeiro de 1971

Em resposta, a Assembleia Geral suspende por 40 dias as liberdades civis.

  • 5 de fevereiro de 1971 – Fundação da Frente Ampla

Reunião dos partidos de esquerda (Socialista, Comunista), Democrata-Cristão, dissidentes dos partidos Blanco e Colorado e independentes, como o general constitucionalista Líber Seregni, escolhido para ser o presidente da Frente Ampla. Os Tupamaros não tomam parte da Frente, mas articulam seu apoio.

  • 30 de março de 1971 a 27 de maio de 1972 – Novo sequestro de Ulysses Pereira Reverbel

Dessa vez a prisão prolongou-se por mais de um ano e terminou com uma operação de resgate, após delação de um militante Tupamaro que havia sido preso. A casa para onde eram levados os sequestrados ficou conhecida como “cárcere do povo”.

  • 9 de setembro de 1971 – Fuga da prisão de Punta Carretas

Mais de cem Tupamaros escapam por um túnel cavado desde uma cela até a sala de uma casa próxima à penitenciária. Pacheco Areco encarrega as Forças Armadas de assumir as atividades de contra-insurgência.

  • Outubro de 1971 – Tupamaros declaram trégua de seis meses em favor da eleição presidencial e apoiam a Frente Ampla, que lança o general Seregni candidato
  • Novembro de 1971 – Eleição presidencial
A ditadura cívico-militar no Uruguai

Juan Maria Bordaberry (à esquerda)

Juan Maria Bordaberry, do Partido Colorado, é escolhido com apenas 12 mil votos de vantagem sobre o segundo colocado, o que gerou suspeitas de fraude (segundo documentos do governo Richard Nixon, com ajuda da ditadura brasileira). Seregni obteve 18,3% dos votos válidos.

  • 16 de dezembro de 1971 – Criação do Estado Maior Conjunto (ESMACO)

Formado pelos chefes das Forças Armadas para ações coordenadas de segurança e independente da fiscalização do Ministério da Defesa. Entre 1968 e 1971, as despesas militares dobraram de 13,3% do orçamento para 26,2%.

  • 1 de março de 1972 – Bordaberry toma posse como presidente da República
  • 14 de abril de 1972 – “Abril Sangrento”

Ação dos Tupamaros contra o Esquadrão da Morte termina com a execução de quatro integrantes que ocupavam postos de destaque no governo. As forças de segurança reagem  violentamente deixando um saldo de seis mortos e diversos líderes presos.

A ditadura cívico-militar no Uruguai

Num muro de Montevidéu

  • 15 de abril de 1972 – Bordaberry declara “guerra interna”

A Assembleia Geral aprova, contra os votos dos deputados da Frente Ampla, o “estado de guerra interna” e a suspensão das garantias individuais, inicialmente por 30 dias, depois prorrogados até 1973.

  • 22 de junho de 1972 – Assembleia Geral abre investigação contra os militares

Acumulam-se denúncias de tortura e violação de direitos humanos por parte de agentes ligados aos militares (o Esquadrão da Morte). Os chefes das Forças Armadas se recusam a cooperar com a investigação e sugerem estabelecer uma comissão militar para investigar a corrupção dos políticos.

  • 6 de julho de 1972 – Lei de Segurança do Estado

Aprovada pela Assembleia Geral, com apoio de todos os partidos, exceto a Frente Ampla, impôs a jurisdição militar sobre os prisioneiros políticos. No final do ano, os militares haviam derrotado os Tupamaros, cujos militantes foram presos ou fugiram para o exílio.

Nove líderes foram escolhidos para serem mantidos em isolamento, em condições precárias, incluindo Raúl Sendic, Henry Engler, Mauricio Rosencof e José Mujica, que viria  a presidir o Uruguai.

José Mujica (à esquerda) com dois outros presos tupamaros

José Mujica (à esquerda) com dois outros presos tupamaros

Eles só foram libertados em 1985, quando a ditadura chegou ao fim. A história desse cativeiro é retratada no filme Uma noite de 12 anos.

  • 8 de fevereiro de 1973 – Bordaberry tenta restabelecer o controle sobre as Forças Armadas

Cada vez mais acuado pelas exigências de participação dos militares na vida político-institucional, o presidente nomeia o general da reserva, Antonio Francese, para ministro da Defesa Nacional, contrariando as expectativas das forças armadas.

  • 9 de fevereiro de 1973 – O Exército e a Aeronáutica se rebelam contra a indicação, apoiada inicialmente pela Marinha

Bordaberry se recusa a ceder e faz um pronunciamento chamando o povo a ocupar a Plaza Independência, em frente ao Palácio de Governo, para resistir.

  • 10 de fevereiro de 1973 – O centro de Montevidéu amanhece ocupado

A Marinha levanta barricadas para proteger o governo; o Exército reage pondo os tanques nas ruas. Os generais prometem acabar com o desemprego, apoiar a indústria local, eliminar a corrupção, implementar a reforma agrária e acabar com todo o terrorismo.

  • 11 de fevereiro de 1973 – Os marinheiros aderem ao movimento de desobediência
  • 12 de fevereiro de 1973 – Pacto Boiso Lanza

Bordaberry vai até a base aérea Capitan Juan Manuel Boisso Lanza para negociar com os militares um acordo que garantisse sua manutenção no cargo, com um papel consultivo na tomada de decisões políticas. Na prática, um auto-golpe.

  • 23 de fevereiro de 1973 – Forma-se o Conselho de Segurança Nacional (COSENA)

É a expressão institucional do acordo de Bordaberry com os militares. O órgão seria composto pelo Presidente da República, ministros e comandantes das três armas, além do chefe do Estado Maior das Forças Conjuntas.

  • 22 de junho de 1973 – Bordaberry e o alto comando militar decidem fechar a Assembleia Geral por tempo indeterminado.

Eles acusam o órgão legislativo de violar a Constituição por não cassar o senador Enrique Erro, acusado de pertencer ao MLN-Tupamaro.

  • 27 de junho de 1973 – Conclui-se o golpe de Estado

O governo anuncia o Decreto n.o 646, que dissolvia a Assembleia e proibia “atribuir propósitos ditatoriais ao Poder Executivo”. Operários e trabalhadores em geral iniciam uma greve geral encabeçada pela CNT. Apesar de imensa adesão, o movimento foi suspenso duas semanas depois, sob forte repressão. Forma-se o Conselho de Estado, com poderes legislativos, constitucionais e administrativos.

  • 30 de junho de 1973 – A CNT é declarada ilegal e seus líderes são presos
  • 9 de julho de 1973 – Manifestação multitudinária da sociedade civil em Montevidéu contra o golpe
Os Tupamaros na grande manifestação em Montevidéu, em 1973

Os Tupamaros na grande manifestação em Montevidéu, em 1973

  • 1976 – Bordaberry propõe reforma constitucional

De modelo corporativista, a reforma delimitava claramente as funções dos militares e dava amplos poderes ao presidente, além de eliminar todos os partidos políticos. Um Conselho da Nação formado pelo presidente e pelos chefes da Forças Armadas seria a expressão da soberania nacional e elegeria o presidente da República para mandatos de cinco anos. A proposta desagradou as Forças Armadas, iniciando-se um processo de ruptura com Bordaberry, que terminou com os generais pedindo sua renúncia.

  • 12 de junho de 1976 – Alberto Demicheli Lizaso, presidente do Conselho de Estado, é apontado pelos chefes das Forças Armadas como o novo presidente da República

São instituídas medidas legais garantindo poderes ditatoriais ao governo, como o toque de recolher e a proibição do direito à greve. Foram suspensas as eleições previstas para aquele ano e foi criado o Conselho da Nação. No entanto, Lizaso recusou-se a assinar uma lei que suspendia os direitos políticos de milhares de pessoas.

  • 1 de setembro de 1976 – Aparicio Méndez é nomeado presidente

Mais uma vez, os militares trocam o simbólico chefe do Executivo por alguém que se subordinasse plenamente ao seus poderes. Dessa vez, foram banidos da vida política todos aqueles que disputaram as eleições de 1966 e 1971.

Aparício Méndez, ditador uruguaio entre 1976 e 1981

Aparício Méndez, ditador uruguaio entre 1976 e 1981

Censura

A partir de 1976, jornais e revistas enfrentaram constantes ameaças de fechamento e interrogatórios de seus diretores e proprietários. As empresas de notícias tinham que submeter os nomes dos jornalistas, editores e funcionários ao Ministério da Educação e Cultura, e eram obrigados a declarar quais os objetivos da publicação e quais suas fontes financeiras. Havia controle sobre publicações que pudessem prejudicar o “prestígio nacional”, especialmente se o tema fossem os Tupamaros.

Muitos escritores profissionais foram detidos, o que provocou grande êxodo para o exterior. Outros passaram a compor músicas, atraindo a atenção dos órgãos de repressão para as emissoras de rádio. A autocensura nas emissoras era generaliza, pois o controle ocorria por meio de notificações policiais a qualquer pretexto.

A ditadura buscou influenciar o sistema educacional priorizando o ensino de “educação moral e cívica”. Em 1972 foi aprovada uma nova legislação eliminando a autonomia dos conselhos de educação, que foram depurados de elementos “esquerdistas”, e passavam a ter autoridade para patrulhar escolas, monitorando de perto as salas de aulas.

  • Agosto de 1977 –  O Conselho da Nação anuncia um plano para “reorganizar a democracia”

Percebendo a mudança de contexto após a chegada de Jimmy Carter à presidência dos Estados Unidos e as reações negativas frente às denúncias de sistemática violação de direitos humanos, que levaram o Congresso americano a cortar investimentos no Uruguai, os militares buscaram um caminho para se legitimar no poder por meio dessa proposta.

Existiriam apenas dois partidos, os tradicionais Blanco (ou Nacional) e Colorado, e o novo presidente da República seria “eleito” a partir de um nome único e pré-aprovado. O projeto também eliminava direitos e garantias fundamentais e reconhecia a competência das Forças Armadas sobre todas as questões de segurança nacional.

  • 30 de novembro de 1980 – Referendo para aprovar a reforma constitucional

Para surpresa dos militares, 57,9% dos eleitores votaram contra a proposta e 42%, a favor. O resultado gerou um impasse e provocou negociações destinadas a restaurar a democracia. Além disso, a inflação atingia níveis tão elevados que toda a sociedade empobrecia e o descontentamento aumentava. Em 1981, o país de 3 milhões de pessoas devia US$ 4 bilhões.

  • 1 de setembro de 1981 – O general Gregório Conrado Álvarez assume a presidência da República

Álvarez era secretário do Conselho de Segurança Nacional desde 1973 e comandante das Forças Armadas entre 1978 e 1979.

Gregório Álvarez, ditador entre 1981 e 1985, com o general-presidente brasileiro João Figueiredo, em Brasília, em 1984. Em 2009, Alvarez foi condenado a 25 anos de prisão por seu envolvimento na morte e desaparecimento de 37 uruguaios no contexto da Operação Condor.

Gregório Álvarez, ditador entre 1981 e 1985, com o general-presidente brasileiro João Figueiredo, em Brasília, em 1984. Em 2009, Alvarez foi condenado a 25 anos de prisão por seu envolvimento na morte e desaparecimento de 37 uruguaios no contexto da Operação Condor. Morreu em janeiro de 2017, aos 91 anos, cumprindo pena por ter violado direitos humanos

 

  • 1º de maio de 1983 – Primeira manifestação sindical desde 1973
  • 27 de novembro de 1983 – Manifestação popular contra a ditadura

Considerada a maior da história do país, ocorreu na capital e reuniu cerca de 500 mil pessoas. Na prática as organizações de esquerda iam reconquistando seu lugar na cena política.

  • 3 de agosto de 1984 – Pacto do Clube Naval

Foi a negociação que traçou as linhas para a restauração do poder civil de fato, acordado entre o general-presidente Gregorio Álvarez, o Partido Colorado, a União Cívica e a Frente Ampla. Os representantes do Partido Nacional (Blanco) se retiraram das negociações por não concordarem com o plano militar, que previa a anistia plena dos militares.

O amplo acordo definia, entre outros pontos, que o Conselho de Segurança Nacional (COSENA) daria assessoria ao presidente sem contestar suas decisões, exercendo papel destacado em temas relacionados à defesa da soberania e do território; uma nova constituição seria elaborada pela Assembleia Geral, que atuaria como constituinte e a proposta seria submetida a escrutínio público em 24 de novembro de 1985. A nova Carta entraria em vigor a partir de 1 de março de 1986. Enquanto isso, a Constituição de 1967 seria restaurada. Seriam  convocadas eleições para novembro de 1984.

  • 25 de novembro de 1984 – Eleição direta para a presidência da República 

Vitória do candidato do Partido Colorado, Julio Maria Sanguinetti.

  • 1º de março de 1985 – Posse do presidente eleito
  • 22 de dezembro de 1986 – Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado

O governo Sanguinetti não processou os oficiais militares que se envolveram na repressão e violação de direitos humanos. Pelo contrário, propôs a anistia ampla dos militares, subscrita pelos principais partidos.

Prisão do ex-ditador Bordaberry, em 2006

Prisão do ex-ditador Bordaberry, em 2006

Por duas vezes, 1989 e 2009, os uruguaios votaram em referendos pela manutenção da Lei de Caducidade. Em 2011, ela foi finalmente revogada pela lei de número 18831, abrindo o caminho para a responsabilização legal dos mandantes de crimes e violações de direitos.

 

OPERAÇÃO CONDOR

A Operação Condor foi um mecanismo de coordenação de ações repressivas organizado pelas ditaduras do Cone Sul. A operação nasceu em fevereiro de 1974, quando se reuniram em Buenos Aires representantes das organizações de inteligência da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. A primeira reunião formal ocorreu em Santiago do Chile, em outubro de 1975. O Brasil não assinou a ata de fundação, mas coordenou atividades. Em 1977 o Peru e o Equador tomaram parte do grupo.

Os primeiros documentos falavam em combater a “subversão” e listavam os inimigos, como os Montoneros argentinos, o MIR chileno e os Tupamaros uruguaios.

Concebida sob a lógica da Guerra Fria, a decisão de utilizar métodos que ignoravam as garantias do Estado de Direito converteu a Operação Condor em uma organização criminosa.  Informações recentes revelam colaboração dos serviços de inteligência de Estados Unidos e França, bem como de alguns governos latino-americanos. A última atividade registrada pelos documentos data de 1981. Todavia, o assassinato de Eugenio Barríos (um antigo agente do serviço secreto chileno), no Uruguai, em 1992, é visto por muitos como um episódio tardio desse mesmo esquema.

O “sequestro dos uruguaios” no Brasil, em novembro de 1978, é um caso comprovado da existência da Operação Condor e da colaboração entre as ditaduras brasileira e uruguaia. Oficiais do exército uruguaio entraram secretamente no Brasil e rumaram para a cidade de Porto Alegre, onde sequestraram o casal de ativistas Universindo Díaz e Lilian Celiberti, juntamente com seus dois filhos, Camilo e Francesca, de cinco e três anos de idade.

A ação veio a público porque o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo João Baptista Scalco, da revista Veja, foram avisados ​​por um telefonema anônimo de que o casal uruguaio havia desaparecido. Ao chegarem ao apartamento da família para checar a informação, ambos foram considerados membros da oposição e presos. Enquanto isso, Universindo e os dois filhos já haviam sido levados clandestinamente para o Uruguai.

Identificados os jornalistas, eles foram libertados e a Operação Condor começou a ser exposta. Acredita-se que graças a esse incidente o casal e seus dois filhos não tenham sido assassinados, pois a notícia do sequestro de cidadãos uruguaios no Brasil provocou forte reação na imprensa brasileira e se tornou um escândalo internacional.

Os governos militares do Brasil e do Uruguai ficaram em posição defensiva. Alguns dias depois, as autoridades determinaram que as crianças fossem levadas aos avós maternos, em Montevidéu. Universindo e Lilian foram levados para prisões militares no Uruguai e detidos pelos cinco anos seguintes. Quando a democracia foi restaurada no Uruguai em 1984, o casal foi libertado.

O casal de uruguaios sequestrados por militares uruguaios no Rio Grande do Sul, no contexto da Operação Condor, em novembro de 1978

O casal de uruguaios sequestrados por militares uruguaios no Rio Grande do Sul, no contexto da Operação Condor, em novembro de 1978

Em 1980, os tribunais brasileiros condenaram dois inspetores do DOPS (Departamento de Polícia e Ordem Social) por terem prendido os jornalistas no apartamento de Lilian. Os repórteres e o casal uruguaio os identificaram como participantes do sequestro. Este evento confirmou o envolvimento direto do governo brasileiro na Operação Condor.

Todos os uruguaios sequestrados no exterior, cerca de 180 pessoas, seguem “desaparecidos”. Os únicos que conseguiram sobreviver foram Lilian, Universindo e seus filhos.

 

 

 

SAIBA MAIS

  • Filme: Uma noite de 12 anos
    (Direção: Alvaro Brechner)
    Durante a ditadura no Uruguai, José Mujica, Mauricio Rosencof  e Eleuterio Fernández Huidobro foram presos e enfrentaram uma verdadeira jornada de sobrevivência. Confinados e torturados por mais de 12 anos, sobreviveram às condições mais adversas.
  • A ditadura militar no Uruguai
    Produzido pelo Instituto de Estudos Latino-americanos-UFSC
    www.facebook.com/institutodeestudoslatinoamericanos/videos/1371312882985080/
  • Dictadura militar em Uruguay
    Quase 1 hora, destaca-se pelo grande número de detalhes factuais que apresenta e conduzem a narrativa da história da ditadura no Uruguai. Traz trilha sonora com diferentes músicas da época. Em espanhol.
  • A 40 años del golpe: El 27 de junio de 1973
    (9/7/2013) – Televisión Nacional Uruguay
    Depoimentos e memórias de personagens históricos e analistas sobre a noite do golpe e suas implicações. 25 minutos. Em espanhol.
  • Tupamaros – La fuga
    History Channel
    Documentário sobre a fuga da prisão de Punta Carretas
  • Tupamaros. Documentário [Completo]
    (1997) – Diretor: Rainer Hoffmann e Heidi Specogna.
  • Estado de Sítio
    (1973) – 
    Direção: Costa-Gavras
    Baseado na história de Dan Mitrione
  • A ditadura civil-militar uruguaia: doutrina e segurança nacional
    Enrique Serra Padrós
    O artigo analisa a interpretação que os militares uruguaios fizeram da Doutrina de Segurança Nacional, entendendo que ela foi o fator basilar da política repressiva estatal que colocou a proteção da Segurança Nacional como premissa principal, justificadora e legitimadora da disseminação do terrorismo de Estado. A leitura feita sobre a Guerra Fria, a ameaça do “inimigo interno” e a ameaça da “subversão” foram elementos mobilizadores presentes nos comunicados oficiais e nas palavras dos principais representantes da ditadura civil-militar que atingiu o Uruguai.
  • A economia sob o regime militar (em inglês)
  • Museo de la Memória (MUME), em Montevidéu. Um dos museus dedicados à preservação da memória dos crimes contra a humanidade de regimes totalitários ou autoritários.

 

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