A ditadura chilena de Augusto Pinochet perdurou entre 1973 e 1990, cometendo incontáveis crimes contra a humanidade.
O golpe de Estado, liderado pelo general e Comandante-em-Chefe do Exército, Augusto Pinochet Ugarte, ocorreu em 11 de setembro de 1973 e destituiu o governo democraticamente eleito do socialista Salvador Allende. Em seu lugar instalou-se uma ditadura militar que, diferente de suas congêneres latino-americanas do mesmo período, teve uma única face em seus 17 anos: a de Pinochet, declarado Chefe Supremo da Nação e Presidente da República.
Em 1990, Pinochet deixou de ser presidente mas permaneceu como senador vitalício e comandante do Exército até 1998 o que lhe conferiu imunidade e impediu que fosse processado. Ao morrer, em 2006, o velho ditador contava com uma ordem de detenção internacional. Seu regime conheceu mais de 400 processos e inúmeras condenações por crimes contra a humanidade.
A ditadura chilena foi responsável por uma violenta política repressiva que deixou aproximadamente 40 mil vítimas sendo 3.225 mortos ou desaparecidos, segundo a Comissão da Verdade de 2010 estabelecida no país.
Terceira ditadura instalada na América Latina no contexto da Guerra Fria, após o Brasil e o Uruguai, o Chile também experimentou a ideologia anticomunista expressa na Doutrina de Segurança Nacional que justificou o golpe de Estado. Os militares chilenos frequentaram a Escola das Américas, mantida pelos EUA, e contaram com apoio explícito e decisivo do governo de Richard Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, na trama para derrubar uma administração que – inadmissível! – era encabeçada por um membro do Partido Socialista Chileno e integrava uma coligação de forças de centro-esquerda, a Unidade Popular.
Henry Kissinger, secretário de Estado de Richard Nixon, com o ditador Augusto Pinochet
Nesse contexto polarizado, o governo Allende foi também vítima da radicalização dos grupos de extrema-esquerda que, motivados pelo sucesso da Revolução Cubana, acreditaram ser possível iniciar uma revolução proletária para destruir a sociedade capitalista e impor o comunismo. Era o velho debate entre “revolucionários” e “reformistas” e, para os primeiros, o governo Allende era “fraco” ou “traidor do povo” devendo, portanto, ser pressionado a radicalizar.
Até essa data os tradicionais partidos Conservador e Liberal imprimiam as cédulas eleitorais e, assim, controlavam os votos de seus dependentes e empregados (como um “voto de cabresto”). A partir de então, o Estado assumiu essa função e os dois partidos tradicionais perderam o controle sobre a massa camponesa.
Com o lema conservador-reformista “Revolução na Liberdade”, Frei foi eleito com ampla maioria dos votos. Houve intensa mobilização da CIA durante toda a campanha a fim de evitar a vitória do socialista Salvador Allende; para tanto, produziu e financiou intensa propaganda nos meios de comunicação. A administração Frei iniciou programas sociais e econômicos, particularmente em educação, habitação e reforma agrária, incluindo a sindicalização dos trabalhadores agrícolas, o que lhe valeu o apoio do campesinato.
O Congresso de Unidade Revolucionária foi realizado em Santiago, capital, e seu objetivo era unificar as forças da esquerda radical para alcançar seus intentos revolucionários. Participaram mais de 90 delegados dos seguintes grupos: Vanguarda Revolucionária Marxista-Rebelde (VRM-R); Partido Obrero Revolucionário (POR, essencialmente trotskista); uma ala do Partido Socialista Revolucionário (PSR); sindicalistas do Movimento de Forças Revolucionárias (MFR). O primeiro Secretário Geral do MIR foi o médico trotskista Enrique Sepúlveda. A Declaração de Princípios da organização afirmava tratar-se de uma “vanguarda marxista-leninista da classe trabalhadora e das camadas mais oprimidas do Chile”.
A lei se baseava em ampla classificação do que seriam “propriedades expropriáveis” de modo a viabilizar uma significativa distribuição de terras. A imediata reação dos latifundiários gerou impasses cada vez mais difíceis para o governo Frei, enquanto o MIR denunciava o “reformismo” do governo.
Manifestação do MIR, em Santiago
O compromisso explícito com a ação revolucionária fortaleceu alas mais radicais encabeçadas por Miguel Enríquez, que foi eleito novo Secretário Geral da organização. Influenciados pela Revolução Cubana, decidem adotar táticas de guerrilha urbana e rural. O conflito de ideias pôs fim à heterogeneidade política do bloco, com a expulsão dos trotskistas e sindicalistas independentes.
O fundador da organização, Jacques Chonchol foi um dos autores da lei de reforma agrária aplicada pelo governo Frei, mas rompeu com a Democracia-Cristã acusando-a de ceder às pressões dos latifundiários. O MAPU apoiou a Unidade Popular que elegeria Allende. Chonchol se tornaria ministro da Agricultura.
Começou a se formar em 1969 com estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Chile e financiado pela CIA. Anticomunista e autoritário, adepto de ações paramilitares, envolvia-se frequentemente em brigas de rua com seus oponentes esquerdistas. Organizou-se formalmente após a eleição de Allende. Depois do golpe de Estado, deixou de existir e seus membros foram incorporados às forças secretas de repressão.
O médico, membro do Partido Socialista, integrava a coligação Unidade Popular (UP), que reunia socialistas, comunistas, trotskistas, anarco-sindicalistas, dissidentes da democracia-cristã, o MAPU. Obteve 36% dos votos, em votação em um só turno. Oficialmente, o MIR não fez parte da UP. O programa de governo previa avanço nos direitos dos trabalhadores; aprofundamento da reforma agrária; nacionalização de bancos e das minas de cobre e de salitre, em boa parte sob controle de empresas dos EUA; política externa independente e “solidária”; “poder popular”. A reação de Washington à eleição de Allende foi imediata: criaram-se uma série de barreiras econômicas destinadas a minar a economia chilena e, por extensão, o novo governo.
As ações apoiavam-se em uma lei de 1932, segundo a qual o Estado poderia nacionalizar empresas consideradas estratégicas que paralisassem sua produção. Na prática, trabalhadores pró-UP paralisavam as fábricas para, em seguida, pedir intervenção do governo, que estatizava a indústria. O sistema foi julgado ilegal pela direita, mas foi sancionado como legal pela Controladoria da República.
Reforma agrária: o governo não mexeu na lei, mas levou-a às últimas consequências, expropriando sem direito à reserva patronal as propriedades “mal exploradas”. Só que a lei não definia claramente o que era uma propriedade “mal explorada”, ficando a cargo de técnicos do Estado, que eram filiados a partidos políticos, decidir. No fim das contas, o governo anterior da Democracia Cristã (Frei) expropriou 3,5 milhões de hectares em cinco anos, enquanto a Unidade Popular, 5,3 milhões em três anos. Somadas, 43% das terras agrícolas do Chile foram expropriadas.
A polarização de classes gerou impasses insolúveis, enquanto Washington orientava a CIA a “resolver o problema”.
Allende é recebido por Fidel Castro, em Cuba, 13 de dezembro de 1972
Após um breve período de melhorias para as camadas populares, com recuo no desemprego e melhor distribuição de renda, as condições sócio-econômicas voltaram a se deteriorar, em parte devido ao próprio controle de preços imposto pelo governo, que favorecia o desabastecimento, e em parte devido aos boicotes americanos, que incluíam a retirada de capitais investidos no país. Em outubro, uma greve de caminhoneiros estimulada pela CIA agravou a situação de escassez e de falta de combustível, fazendo a inflação explodir.
Resultado das expropriações de terras e indústrias que vinham sendo realizadas.
Alas do exército tentam derrubar o governo eleito, mas são frustradas pelas tropas legalistas lideradas pelo Comandante-em-Chefe do Exército, general Carlos Prats. Ganhou essa alcunha porque os oficiais rebelados empregaram principalmente tanques para ocupar ruas da capital e alguns prédios governamentais. Apesar do fracasso, os golpistas usaram a experiência para listar fidelidades e programar melhor o próximo passo.
Mediante cobranças no interior das Forças Armadas para que restaurasse a ordem, o general percebe ter perdido as condições de comando e renuncia a todos os cargos que ocupava, passando para a reserva. O comando foi assumido pelo general Augusto Pinochet, considerado leal ao governo. Prats partiu voluntariamente para o exílio dois dias após o golpe pinochetista.
Última foto de Allende vivo, no Palácio de La Moneda, em 11 de setembro de 1973
O Palácio La Moneda, sede do governo, amanheceu cercado por tanques, que ocuparam a Praça da Constituição enquanto helicópteros sobrevoavam o local. Às 8:30, as Forças Armadas exigiram a renúncia do presidente. Às 10 horas os tanques abriram fogo contra o palácio, de onde se iniciou uma tentativa de resistência armada. Ao meio-dia, a Força Aérea iniciou o bombardeio e a ala norte do edifício pegou fogo. Os golpistas invadiram o palácio para prender os ocupantes; os que resistiram foram mortos. Allende se suicidou.
No mesmo dia era anunciado o Decreto Lei Nº 1, que declarava o propósito de “restaurar a alma nacional chilena, a justiça, e a institucionalidade quebrada”, além de “salvar a democracia do totalitarismo marxista”. O decreto fechava o Congresso Nacional; impunha o estado de sítio e o toque de recolher; proibia os partidos e as manifestações políticas; estabelecia censura à imprensa; instaurava a pena de morte. Criava-se uma Junta Militar encabeçada por Pinochet, na qualidade de comandante mais antigo das Forças Armadas.
Em poucos dias 5373 pessoas foram presas. As prisões massivas eram facilitadas pelo estado de exceção e decorriam de mandatos de busca em empresas, povoados, assentamentos rurais, centros mineradores e universidades. O grande número de presos levou o novo governo a transformar os estádios Nacional e do Chile em prisões, onde muitos foram fuzilados às vistas de todos.
Nos meses seguintes ao golpe, o Estádio Nacional de Santiago, palco da Copa do Mundo de 1962, foi convertido em prisão política
Até o final do ano o número de presos chegou a quase 23 mil, enquanto os desaparecidos eram uns 18 mil, o que corresponde a praticamente 50% das vítimas durante toda a ditadura. A maior parte eram altos funcionários e quadros destacados da Unidade Popular, dirigentes políticos, sindicalistas, indígenas, estudantes e líderes comunitários; além de elementos “antissociais” como delinquentes e mendigos. A maioria foi morta abertamente, em execuções sumárias em locais públicos ou acusadas de tentativa de fuga dos centros de detenção. Cadáveres eram encontrados nas margens do rio Maipo, que atravessa Santiago, ou simplesmente deixados nas ruas durante as horas do toque de recolher, o que, apesar de tudo, deixava claro o paradeiro da vítima, diferente de tantos outros enterrados clandestinamente e nunca encontrados.
No final do mês, a Junta propõe criar um órgão de inteligência capaz de centralizar e coordenar as ações de repressão. O tenente-coronel Manuel Contreras apresenta um modelo, sobre o qual vinha trabalhando nos anos anteriores. Pinochet, que deposita confiança crescente em Contreras, lhe dá carta branca para organizar tal aparato.
O plano fictício foi inventado pelos militares para justificar o golpe e a violenta repressão. De acordo com o “plano”, o governo da Unidade Popular planejava dar um autogolpe para impor-se definitivamente, assassinando grande número de oficiais das Forças Armadas.
Cerca de 75 militantes foram mortos nessa operação ordenada por Pinochet e comandada pelo general Sergio Arellano Stark, conhecido como El Lobo. Os militares designados para executá-la atravessaram o país de sul a norte, sequestrando e executando os detidos, muitos dos quais já haviam sido condenados nos tribunais militares e estavam presos.
De acordo com esse documento, a Junta de Governo “exercerá com energia o princípio da autoridade, reprimindo drasticamente todo princípio de indisciplina e anarquia”. Em outras palavras, anunciava-se a disposição de suspender e restringir as liberdades públicas em nome da “segurança nacional” e, para tanto, lançar mão de órgãos policiais secretos para reprimir qualquer oposição, atividade sindical e estudantil.
A central de inteligência recebeu o mesmo nome da comissão criada em novembro do ano anterior, a partir da qual Manuel Contreras vinha arregimentando, treinando e organizando o pessoal que trabalharia sob suas ordens.
O decreto de junho definia a DINA como “um organismo técnico-militar profissional, dependente diretamente da Junta de Governo”. Como a Junta rapidamente seria subordinada ao poder de Pinochet, Contreras agiu todo tempo sob as ordens do general ditador.
Segundo uma historiadora do MIR: “Diferentemente da repressão do primeiro período da ditadura militar, o caráter seletivo do segundo tinha como objetivo a destruição dos partidos que podiam estruturar uma resistência à ditadura militar: o MIR, o OS e o PC. Segundo a DINA, para consegui-lo era necessário eliminar fisicamente seus militantes e destruir os altos comandos do partido, coisa que aceleraria a desarticulação e impediria a rearticulação clandestina de redes de oposição à ditadura.”
Protesto contra a ditadura de Pinochet de chilenos exilados na Alemanha em jogo do Chile na Copa do Mundo de 1974
Naturalmente, surgiram críticas em alguns setores do alto comando militar em decorrência do imenso poder acumulado por Contreras, e do qual Pinochet se valeu para eliminar qualquer possível contestação entre os pares à sua própria autoridade.
O ex-comandante das Forças Armadas do governo Allende foi morto com sua esposa quando um carro bomba explodiu no exato momento em que saíam de sua residência em Buenos Aires, onde haviam se exilado desde o golpe. Foi a primeira ação da DINA no exterior e contou com o auxílio de Michael Townley, um agente da CIA que posteriormente revelou o esquema e vive hoje clandestinamente sob o serviço de proteção a testemunhas nos EUA.
A postura radical do grupo levou-os a negar a opção do exílio ou do refúgio em embaixadas, apesar da repressão cada vez mais violenta da DINA. O resultado foi o desmantelamento quase completo da organização, com seus líderes e militantes sendo assassinados, enquanto os sobreviventes adotavam uma postura de enfrentamento cada vez mais violenta, alimentando o discurso repressor.
O ex-militante do MIR Andrés Pascal Allende, sobrinho do ex-presidente, rememorou, décadas depois: “50 mil pessoas tinham que passar para a clandestinidade, esconder-se em casas de segurança. Toda essa organização implicava também trabalhar em pontos de contato. Do ponto de vista pragmático, tratava-se de uma política incorreta, já que é muito difícil manter toda essa gente na clandestinidade.”
Avolumavam-se no exterior as denúncias sobre os abusos cometidos pela ditadura chilena, sobretudo por conta do grande número de “desaparecidos” que os familiares não deixavam de buscar. Uma Comissão Internacional de Direitos Humanos anunciava uma visita ao Chile. Nesse contexto, a DINA e a Aliança Anticomunista Argentina (Triple A), um esquadrão da morte ligado à ditadura argentina, decidiram fazer “reaparecer” 119 chilenos. A DINA entregou documentos falsos para a Triple A, que foram deixados junto a cadáveres irreconhecíveis mortos pelo esquadrão argentino. Os corpos apareceram em diferentes locais de Buenos Aires, junto com uma carta de justiçamento emitida pelo MIR, dando a entender tratar-se de um ajuste interno de contas entre os membros da organização.
Desde o golpe, o número de chilenos que atravessou os Andes para chegar à Argentina foi de aproximadamente 108 mil pessoas. Os miristas reuniram-se com montoneros argentinos e tupamaros uruguaios e retornaram ao Chile com a intenção de lutar contra a ditadura e desencadear a revolução proletária. Essa intensa movimentação nas fronteiras foi uma das principais causas para a organização da Operação Condor.
Na 7ª Conferência Bilateral de Inteligência entre Paraguai e Argentina, os responsáveis pelos órgãos de segurança concluíram ser necessário coordenar as atividades das agências nos dois países. Em outubro seguinte, Contreras organizou um encontro dos chefes de inteligência militar da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai que começou a estruturar o que viria a ser conhecido como Operação Condor: a reunião, armazenamento e troca de informações sobre líderes e grupos políticos na área do Cone Sul, além de operações conjuntas nos territórios dos países membros para sequestrar e levar aos países de origem os exilados políticos e eliminá-los.
O diplomata e ex-ministro do governo Allende, um importante opositor da ditadura que denunciava as violações de direitos humanos no Chile, é vitimado, bem como sua secretária, quando seu carro explode devido a grande quantidade de explosivos ali colocados. Mais uma vez, o agente da CIA Michael Townley foi o braço executor do plano.
Após contar com amplo apoio dos governos dos republicanos Richard Nixon e Gerald Ford, a situação começa a mudar com a chegada do presidente do Partido Democrata ao poder, particularmente depois do caso Letelier. A administração Carter passou a pressionar os organismos internacionais para que exigissem mais transparência e mais liberdade no Chile, especialmente para a imprensa.
As pressões sobre o governo Pinochet levam à substituição da DINA por outro órgão de inteligência e repressão, o CNI. Apesar de manter a mesma estrutura e o mesmo pessoal (exceto Contreras, que foi afastado no mês de novembro), o novo órgão de inteligência estava submetido ao Ministério do Interior, ao contrário da antecessora, que gozava de total autonomia. Do ponto de vista da estrutura, tornou-se maior que a DINA e tinha centros de detenção e tortura espalhados por todo o país. Prendeu, torturou e matou tanto quanto sua precursora.
Também chamada de Consulta Nacional, foi uma tática para legitimar a ditadura militar, cada vez mais contestada, sobretudo após a Assembleia Geral da ONU acusar o governo de desrespeitar os direitos humanos. Os resultados oficiais mostraram 78.6% da população favorável ao regime e sua continuidade. Todavia, não houve registro eleitoral que permitisse de fato avaliar a participação. Toda a oposição encontrava-se sufocada e os meios de comunicação sofriam forte censura.
Pinochet impõe essa lei para proteger de processos judiciais as pessoas suspeitas de terem cometido violações de direitos humanos entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1978.
A determinação de seguir lutando contra a ditadura e a crença de que assim se desencadearia a revolução popular levou a direção da organização a retornar ao campo de batalha. A nova estratégia combinava ações clandestinas com a luta aberta e direta, o que levava a uma militarização crescente da organização e à preponderância das alas mais radicais. Os militantes recebiam treinamento militar em Cuba. A radicalização do MIR recebeu igual resposta da CNI, que também passou a promover ações cada vez mais violentas.
No diagnóstico de uma historiadora: “Enquanto nos anos 1978 e 1979 as atividades violentas tenham sido pouco frequentes, os anos 80 foram marcados por um aumento das ações de terrorismo seletivo, roubos a bancos e instalação de artefatos explosivos (…). O assassinato do tenente coronel Roger Vergara, dia 15 de julho de 1980, teve uma importante relevância estratégica e foi uma das ações que marcou o início da fase mais agressiva da “Operação Retorno”.“
Meses após o golpe de 1973, Pinochet e a Junta de Governo nomearam uma comissão para elaborar uma nova Constituição para o país. O trabalho estendeu-se durante anos, pois a inexistência de um arcabouço legal servia melhor aos interesses do regime. Foi, portanto, somente com o aumento das pressões externas que Pinochet decidiu dar andamento ao processo. Ainda assim, o pré-projeto apresentado demorou mais dois anos sendo analisado pela Junta de Governo e o Conselho de Estado (um órgão complementar à Junta), no interior dos quais começaram a se manifestar algumas divergências, inclusive sobre o excessivo personalismo de Pinochet. Os que avançaram por esse caminho de crítica ao ditador supremo acabaram destituídos.
Pinochet anuncia que o projeto seria submetido a referendo popular. No entanto, a forte censura e o controle sobre os meios de comunicação impediram qualquer debate real. A oposição só teve chance de se manifestar uma vez, em ato liderado pelo ex-presidente Eduardo Frei Montalva, e mesmo assim no interior do teatro Caupolicán.
A proposta constitucional foi aprovada por 68,95% dos votos. Mais uma vez, os registros eleitorais não foram abertos e, apesar de inúmeras denúncias de irregularidades, não houve nenhuma investigação. Desenhada pelos militares, a nova legislação mantinha o general Pinochet como chefe supremo da nação até 1988, quando haveria um plebiscito sobre sua continuidade no governo por mais oito anos. Se o resultado fosse “não”, eleições seriam marcadas para o ano seguinte.
Segundo Eric Assis dos Santos: “Com a aprovação da Constituição de 1980, a ditadura chilena iniciou uma nova fase na qual os militares, com uma intensa colaboração de civis, seriam os responsáveis em preparar as instituições políticas e a sociedade chilena para o retorno à democracia plena. Sendo assim, Pinochet assumiu a presidência constitucional da República e governaria com a Junta de Governo (Oficiais comandantes da Armada, da Força Aérea, do Exército e dos Carabineros) – esta assumindo o poder Legislativo. Porém, a Constituição só entraria em vigor oito anos após sua aprovação, ou seja, em 1988. O texto vigente nesse período fora o anexo à Constituição, denominado Disposiciones Transitórias, que definia as funções dos poderes da República e organizava as diretrizes institucionais e administrativas. Por isso, para a ditadura, a transição à democracia no Chile teve início em 1980 e terminaria em 1988.”
Apesar da aparência de lento retorno à normalidade institucional, Pinochet continuava afirmando seu poder absoluto sobre todo o país: nessa data ele passou a ostentar o título de Capitão Geral, de origem colonial e nunca antes usado na história da República.
Aparentemente em decorrência de uma cirurgia. Em 2005 foram abertas investigações por suspeita de assassinato promovido pela CNI a partir de depoimento de um ex-agente da DINA que afirmou que a toxina causadora da morte fora desenvolvida em um dos laboratórios usados pelos órgãos da ditadura para criar armas químicas e biológicas a serem usadas contra aos inimigos.
O economista americano Milton Friedman (ao centro) é recebido por Pinochet, em Santiago, no início de 1975
A ditadura chilena tornou-se particularmente conhecida por ter empreendido desde o início reformas baseadas no receituário ultra-liberal dos economistas austríacos radicados na Universidade de Chicago, Friedrich Hayek e Milton Friedman, professores de jovens estudantes chilenos que levaram ao país tais propostas e as aplicaram. Nos primeiros anos da ditadura, os cortes abruptos em gastos sociais e investimentos conseguiram debelar a inflação e trazer crescimento econômico, ao mesmo tempo em que aumentavam a concentração da renda e a desigualdade social.
No início dos anos 80, quando toda a América Latina experimentou uma década de crises inflacionarias e baixíssimo crescimento, mais uma vez a ditadura chilena tentou usar seu poder arbitrário para calar os críticos. Mas as mudanças no cenário internacional, cada vez menos tolerantes com os regimes ditatoriais, obrigavam o ditador chileno a aceitar algumas reformas, por meio das quais vozes dissidentes e movimentos sociais puderam gradualmente se reorganizar.
Aliança entre o Partido Comunista, uma facção do Partido Socialista, o MIR, facções da esquerda cristã e o MAPU, convencidos que sua união seria o único meio para acabar com a ditadura. Responsável pelo reaparecimento dos movimentos sociais e trabalhistas e também por uma série de protestos e paralisações no período 1983-1987, que sinalizavam para o esgotamento do regime e o inescapável término da ditadura.
Operação da CNI na qual foram brutalmente assassinados sete chefes do MIR em diferentes cidades do país. Como de costume, a matança foi apresentada como resultado de enfrentamento dos “subversivos” frente às forças de segurança do Estado. Esta operação marcou a desestruturação do MIR por meio da eliminação das principais lideranças e seu definitivo enfraquecimento.
A Aliança Democrática, formada por democratas-cristãos, socialistas moderados e uma miríade de pequenos partidos, sob o patrocínio do cardeal Francisco Fresno, negociou com representantes do governo um plano de redemocratização. Tal acordo foi recebido com ceticismo por setores da extrema esquerda e sérias discordâncias de parte da Junta de Governo. O pacto estabeleceu a base da coalizão “Concertação Democrática”, que desenvolveu a prática de consenso político em cujos termos as principais decisões eram negociadas entre líderes socialistas e democrata cristãos. Não só a Concertação venceria Pinochet em 1988 como manteria o poder pelas duas décadas seguintes.
Comandos da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), braço armado do Partido Comunista, tentam matar o general durante uma viagem, após declaração do ditador de que pretendia se lançar candidato à presidência na eleição prevista para 1988. O fracasso desencadeou a Operação Albânia, uma violentíssima onda repressiva durante a qual vários frentistas foram assassinados.
Como previsto pela Constituição de 1980, foi realizado o plebiscito para decidir sobre a transição para a democracia. A anunciada candidatura de Pinochet transformou a eleição em um plebiscito sobre a continuidade do regime. O “não” obteve 54,71% dos votos, após a Concertação pela Democracia realizar campanha massiva pelo fim do regime militar. Apesar da tensão que se seguiu ao anúncio do resultado, não houve contestação da parte de Pinochet, que tinha a Constituição a seu favor: ele se tornaria senador vitalício, continuaria a chefiar o Exército e a integrar o Conselho Nacional de Segurança, órgão que detinha mais poder do que a própria presidência da República. Tanto os EUA quanto o Reino Unido, antigos aliados, trataram de alertar o ditador às vésperas da votação para que ele aceitasse o resultado em caso de derrota, pois não contaria mais com apoio externo. A Guerra Fria estava em seus últimos dias.
Integrante do Partido Democrata-Cristão e candidato pela Concertação pela Democracia, eleito com 55% do voto popular. Em segundo lugar, com 29%, ficou Hernán Buchi, que serviu à ditadura como ministro das Finanças de Pinochet.
A sombra de Pinochet permanecia como uma ameaça, que só se dissiparia em 1998, quando o general, então com 83 anos, deixou de ocupar qualquer cargo no governo.
Desde a volta à democracia, os chilenos buscaram levar a julgamento os responsáveis pelas incontáveis atrocidades cometidas pela ditadura militar. Nos primeiros anos, entretanto, os tribunais ainda eram dominados por juízes vinculados à ditadura e que sustentavam a validade da Lei de Anistia de 1978. Mesmo assim, em 1990 foi instalada a primeira Comissão da Verdade, presidida pelo jurista Raúl Rettig (que havia sido embaixador de Allende em Brasília).
O cantor Víctor Jara, assassinado no Estádio Nacional em 16 de setembro de 1973, aos 40 anos
Em 1998 veio a mudança fundamental: a Suprema Corte decidiu que a Lei de Anistia não poderia ser aplicada a casos de violações de direitos humanos, sobretudo sendo o Chile signatário de tratados internacionais nesse sentido. Então, em 2003 foi criada a segunda Comissão da Verdade, durante a qual as denúncias e processos multiplicaram-se, sendo revistos para cima o número de vítimas. Finalmente, uma terceira comissão foi criada em 2010.
O relatório da organização Human Rights Watch aponta 355 pessoas, entre militares e civis, condenadas por crimes cometidos durante a ditadura chilena, sendo que 262 receberam sentenças finais. Entre os condenados, figuram 39 coronéis e 16 generais. A estimativa de vítimas atualmente gira em torno de 40 mil pessoas, sendo 3.225 mortos ou desaparecidos.
Manuel Contreras, organizador da Operação Condor
A primeira figura importante condenada por crimes cometidos durante a ditadura foi Manuel Contreras, o temido chefe da DINA. Primeiro foram condenações no exterior pelas mortes de Orlando Letelier e do general Carlos Prats. Posteriormente essas condenações se repetiram em tribunais chilenos. Em 2005, foi condenado por homicídio qualificado do militante do MIR, Miguel Ángel Sandoval. Contreras usou de diversos artifícios para escapar da prisão e acabou acusando Pinochet de traição por não assumir nenhuma responsabilidade pelas ações, muitas das quais ordenadas diretamente por ele. A acusação foi de extrema importância porque tornava insustentável o argumento de Pinochet de que não sabia dos excessos. Em junho de 2008, Contreras foi condenado à prisão perpétua pela soma de todas as condenações e crimes sob sua responsabilidade, sobretudo no âmbito da Operação Condor.
Protegido de qualquer ação em função da imunidade garantida pelos cargos que ocupava, Pinochet manteve-se distante dos tribunais que se multiplicavam pelo Chile a partir da redemocratização, em 1990. A menção à possibIlidade de julgá-lo e prendê-lo era fator de graves divisões no interior da sociedade chilena pois os familiares das vítimas e elas próprias não se conformavam com a impunidade.
Em 1998, velho e doente, Pinochet aceitou retirar-se da vida pública. De caso pensado ou não, o fato é que ele viajou à Londres, onde contava com antigos apoios, especialmente da ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, para realizar um tratamento de saúde. Então, para surpresa mundial, o juiz espanhol Baltasar Garzón solicitou a prisão do ex-ditador e sua extradição para a Espanha, para ser julgado por crimes contra cidadãos de origem espanhola. Destaca-se aqui o contexto internacional à época, de relativo consenso em relação ao valor supremo dos direitos humanos.
Tentando equilibrar-se entre os valores humanitários e as velhas alianças, o governo britânico ordenou a prisão domiciliar do ditador, enquanto no Parlamento iniciava-se uma longa batalha legal para decidir sobre a extradição. No ano 2000, invocando razões médicas (e, portanto, cinicamente, humanitárias), a Câmara dos Lordes e o governo britânico recusaram a extradição e Pinochet retornou ao Chile.
Meses depois, a Suprema Corte chilena o indiciou por abusos de direitos humanos, mas acabou retirando as acusações, novamente com bases médicas. Pouco depois, os juízes avaliaram que o ditador tinha condições de responder ao tribunal e, em 2004, o processo foi reaberto. Pinochet foi colocado sob prisão domiciliar e aguardava a conclusão do julgamento quando morreu de ataque cardíaco em 10 de dezembro de 2006, antes que um veredito legal fosse aplicado. O veredito fica por conta da História.
Pinochet morreu sem enfrentar julgamento. Cartum de Frank Boyle
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