A sucessão de atos ilegais cometidos pelo governo de Donald Trump não para. Além de perseguir os imigrantes indocumentados que constroem os Estados Unidos, atiçando a xenofobia de uma população cujos antepassados um dia também imigraram para o país em busca de um sonho, agora o governo tenta associar a palavra imigração ao termo terrorismo. Para isso, mobiliza o Departamento de Segurança Interna (DHS), ao qual o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) está subordinado, justificar deportações sob a alegação de segurança nacional. Nesse passo, paralelamente viola a Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão.
De fato, pessoas estão sendo presas e deportadas por não rezarem na cartilha trumpista. A divergência política, enquanto não degenerar em crime ou incitação a ele, não pode ser transformada em motivo para ações estatais preventivas. Contudo, sob Trump, os direitos civis tendem a depender das simpatias políticas. Faz sentido para quem acha que as leis expressam a vontade de um único governante e, deliberadamente, investe contra a ordem jurídica a fim de provocar múltiplos curto-circuitos, reforçando o descrédito da população na ordem legal.
Mahmoud Khalil, preso político?
Tudo começou no início desse mês com a rumorosa prisão de Mahmoud Khalil, um refugiado palestino criado na Síria, que vive há anos nos EUA e estudou na Universidade Columbia, em Nova York. Ele se tornou um rosto conhecido na liderança dos protestos realizados pelos alunos da universidade contra os ataques de Israel à Faixa de Gaza.
Nem seu Green Card (residência permanente), nem o fato dele estar casado com uma cidadã americana grávida impediram o governo de pedir sua deportação, momentaneamente barrada por um juiz federal.
Khalil liderou manifestações nas quais tremularam nítidas bandeiras antissemitas, como a célebre “Palestina livre, do rio até o mar”, que clama pela destruição do Estado judeu. Mas, sob a Primeira Emenda, que se aplica a residentes permanentes, opiniões abomináveis não constituem crime. Para a presidente da União pelas Liberdades Civis de Nova York, Donna Lieberman, trata-se de uma “retaliação seletiva e um ataque extremo à Primeira Emenda”.
Trump tem repetido em sua rede social (Truth Social) que expulsará “simpatizantes de terrorismo”. Foi a acusação lançada contra a médica, professora e pesquisadora libanesa Rasha Alawieh, que trabalha na Universidade Brown há vários anos. Ela foi detida no Aeroporto Internacional de Boston ao regressar da viagem que fez ao Líbano no mês de fevereiro. Acusação: ter sido fotografada no estádio onde foi realizada um grande cerimônia em memória do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
De acordo com o porta-voz do Departamento de Segurança Interna, a médica não negou seu apoio ao grupo e fotos de líderes da organização aparecem em seu smartphone. Já a porta-voz da Casa Branca, Tricia McLaughlin declarou que “glorificar e apoiar terroristas que matam americanos é razão para o visa ser negado”. A pergunta dos jornalistas que ficou sem resposta é: como o DHS soube que ela esteve num evento ao qual compareceram dezenas de milhares de pessoas, mesmo não havendo registros de atividades políticas de Alawieh nos Estados Unidos?
Profissional exemplar e simpatizante do Hezbollah
Mas Washington não acredita em lágrimas e, tendo aprendido a lição, acelerou os trâmites para a deportação de Alawieh antes que sua prima conseguisse obter de um juiz federal uma ordem contra a deportação. O fato foi consumado e a ordem judicial foi ignorada por agentes do poder Executivo.
Alawieh é, claramente, uma simpatizante do Hezbollah, como tantos libaneses xiitas. Suas opiniões políticas podem ser condenáveis – mas, sob o sistema democrático, não são crime. Trump opera como pretendente a ditador, criminalizando a palavra.
Também houve o rumoroso caso do professor francês barrado no aeroporto do Texas em 9 de março, enquanto se dirigia a uma conferência sobre Física Nuclear em Houston. O professor, cujo nome não foi divulgado, foi selecionado para uma revista por agentes da ICE no aeroporto. Nas redes sociais dele, encontraram postagens com pesadas críticas a Trump pelos cortes financeiros para pesquisa em ciências e a sugestão de que os cientistas deveriam se mudarem para a França.
São opiniões comuns – e talvez justificadas, tomando-se em conta a hostilidade do governo Trump à ciência. Mas os agentes da ICE alegaram que tais opiniões podem ser enquadradas como ameaça de terrorismo e chamaram o FBI para iniciar uma investigação. No dia seguinte, o pesquisador foi colocado em um avião de volta para a França e as acusações contra ele foram retiradas. O governo francês teve que engolir.
Na semana passada foi a vez de 238 venezuelanos serem enviados para a super-prisão de Nayib Bukele em El Salvador, acusados de integrarem facções do crime organizado ligadas ao tráfico de drogas. As facções do narcotráfico mexicano foram classificadas como organizações terroristas por Trump, em janeiro.
No caso dos venezuelanos, Trump invocou uma lei de guerra criada em 1789 para justificar a celeridade da ação, definindo-a como questão de segurança nacional. Enquanto advogados tentavam separar inocentes de criminosos, um avião do governo já cruzava céus e fronteiras. O ato constitui clara violação dos tratados internacionais sobre imigração, que proíbem a deportação para terceiros países.
Não foi de graça. A Casa Branca pagou US$ 6 milhões ao governo salvadorenho que, sem dúvida, descobriu um ótimo negócio para obter recursos financeiros sem depender do legislativo de seu país. Quando um juiz federal emitiu ordem para que o avião retornasse, o que se viu foi uma postagem irônica do presidente Bukele zombando da justiça do país que costumava ser a maior democracia do mundo: “ops, tarde demais”. Enquanto isso, Trump passou a se referir a “juízes esquerdistas” que deveriam sofrer impeachment por contrariarem um chefe de Etado eleito pelo voto popular.
A Doutrina Bush, da “guerra ao terror” , foi uma resposta ao atentado às Torres Gêmeas e rapidamente adotada por todo tipo de governo autoritário como álibi para perseguir opositores políticos e negar-lhes direitos fundamentais de defesa e liberdade de expressão. Guantánamo e Abu Dhabi tornaram-se exemplos paradigmáticos das muitas ilegalidades que Estados cometem em nome da “segurança nacional”. Agora os americanos correm o risco de ter essa experiência em seu próprio território – e isso, sem qualquer atentado terrorista.
Super-prisão salvadorenha de Bukele. Trump tornou-se sócio-contribuinte do regime policial daquele país
Em todos esses casos, há três elementos em comum: primeiro, o desprezo pela ordem judicial e, portanto, pelo cumprimento da lei, ignorando o princípio republicano de divisão de poderes para impedir um governo tirânico. Segundo, a acusação de que estrangeiros entram no país para desestabilizá-lo, corrompendo sua essência benéfica. É essa imagem de criminosos, assassinos, estupradores que Trump explora em seus discursos. Por fim, e fundamental, a invocação do terrorismo, o crime máximo do atual direito internacional, que admite todo tipo de excepcionalidades.
Não se deve confundir dois aspectos da política trumpista. Na forma, é a caricatura do valentão chutando a porta. Na alma, é a expressão do pensamento nativista, que disputa espaço na política desde o século XIX e que, agora, chegou ao poder. O discurso que emana da Casa Branca fala de um país a ser purificado, após décadas de políticas imigratórias “esquerdistas” baseadas nos princípios da Carta de Direitos Humanos de 1948 e responsáveis por corromper a essência do povo. (Para conhecer melhor essa história leia aqui).
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