ANGOLA V: O ESTADO NACIONAL

 

 

Logo após a independência de Angola, o comandante David Moises “Ndozi”, do Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), disse em entrevista: “Comecei a lutar há dez anos. Foi no leste de Angola. Tínhamos de aprender as línguas das tribos locais e comportarmo-nos de acordo com seus costumes. Era uma condição essencial para sobreviver – de outra forma, ter-nos-iam tratado como estrangeiros a invadirem suas terras. E, no entanto, éramos todos angolanos. Mas eles não sabem que este país se chama Angola. Para eles, a terra termina na última vila onde as pessoas falam uma língua que eles entendem. Essa é a fronteira de seu mundo.” (R. Kapuscinski, p.55).

Angola, como Estado Nacional baseado na ideia de povo comum e soberano, é um fato político muito recente. Os desafios são enormes, seja pela dimensão territorial, seja pela diversidade humana. Essa falta de unidade se refletiu na eclosão, logo após a independência, da prolongada guerra civil que se estendeu até 2002. A resistência de Jonas Savimbi, líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), em aceitar que o país fosse governado pelo MPLA mostrou a força das identidades étnicas, para além das ideologias políticas.

A presença de movimentos separatistas ainda hoje, mesmo que de pouco apelo popular, expõe a complexidade de se instalar essa invenção europeia que são as fronteiras e sua suposta unidade cultural humana. 

Um sinal dessa nova era de Angola como Estado soberano é a mudança de nomes de cidades e lugares atribuídos pelo colonizador português por nomes locais, africanos, frequentemente mais antigos. É uma atenção que devemos manter ao consultarmos os mapas de Angola, especialmente os de elaboração recente.

Consulte o mapa oficial de Angola. Clique sobre cada província e obtenha mais informações.  

 

A luta pelo poder pós-independência

Bandeira de Angola

A bandeira nacional angolana foi escolhida pelo MPLA e inspirada no símbolo comunista da foice e do martelo. No caso, o facão, dos trabalhadores rurais, e uma engrenagem, representando o proletariado

 

Angola tornou-se oficialmente independente pelo Acordo de Alvor, em 11 de novembro de 1975. Curiosamente, o Brasil da ditadura militar aliada dos EUA foi o primeiro país a reconhecer o novo governo de Angola, encabeçado pelo MPLA e apoiado por Moscou.  

Mas as divergências entre os três movimentos de libertação nacional inviabilizaram a formação de um governo provisório. O MPLA controlava a maioria das províncias do país, incluindo Luanda, sua base política e capital histórica de Angola. Quando o governo em Luanda foi reconhecido como o novo governo de Angola, Holden Roberto, comandante da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) proclamou sua república na província de Bengo, e Jonas Savimbi e a UNITA formaram a sua na província de Huambo.

Mas os gestos de ambos tiveram curta duração, tanto pela falta de reconhecimento externo quanto pela incapacidade de enfrentar militarmente o MPLA, municiado pelo amigo soviético. Em fevereiro de 1976 a Organização da Unidade Africana (OUA) reconheceu o MPLA como o governo legítimo de Angola e o país tornou-se o 47º Estado-membro da entidade. Em dezembro foi a vez das Nações Unidas aprovarem o novo governo – que os EUA não reconheceram – e Angola ganhou a 146ª cadeira na Assembleia Geral.

Nesse intervalo, o presidente Agostinho Neto e a direção do MPLA começavam a organizar o que seria esse novo país e logo priorizaram o petróleo como recurso capaz de produzir riquezas. Nacionalizaram as instalações petrolíferas estrangeiras e criaram a empresa estatal Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol) para prosseguir com a exploração na costa de Cabinda. Em meio à guerra civil que se instalou e, portanto, com uma economia desorganizada, o volume de recursos trazidos pelo petróleo tornou-se estratégico para sustentar as despesas.

Ponte destruída

Não é só uma ponte destruída. São relações de comércio, educação e assistência médica interrompidos durante anos. A prolongada guerra civil deixou um rastro de destruição que continua, décadas depois, a afetar a população 

A prolongada guerra intensificou a emigração da população de origem portuguesa, fator de desorganização econômica e administrativa por fuga de trabalhadores especializados. Reocupar esses postos, recriar e fazer funcionar a máquina administrativa levou tempo. A participação de Cuba, enviando médicos, professores e técnicos para ajudar transferir conhecimento técnico, ficou na memória.

Contudo, ao assumir o controle desses aparatos sem reformá-los, foram mantidos traços negativos da administração pública portuguesa como o autoritarismo (que a guerra civil reforçaria) e a venalidade (irmã do patrimonialismo). Até hoje, as queixas de abuso das forças policiais angolanas contra civis, incluindo o uso indiscriminado de tortura e até violência sexual são denunciadas pelas organizações de direitos humanos. 

Não fossem poucos os problemas, o presidente Agostinho Neto descobre um câncer que o leva rapidamente à morte, em setembro de 1979, aos 57 anos.

Após algumas disputas no MPLA ainda em torno da presença de mestiços e brancos na direção do partido, o sucessor escolhido foi José Eduardo dos Santos. Ele era um quadro importante do partido e, naquele momento, exercia a função de ministro do planejamento. Nos anos 1960, Dos Santos viveu em Baku, na então União Soviética, onde se formou engenheiro petroquímico.   

 

Guerra Fria na guerra civil

O apoio da União Soviética ao MPLA inscrevia-se na lógica da disputa de poder entre as superpotências. A mesma lógica e a mesma subordinação política conduziram o governo cubano a enviar apoio militar e técnico ao MPLA a partir de 1974, após pedidos de Moscou, para vencer os inimigos e implantar um regime de partido único e economia planificada. A URSS não se envolvia diretamente na guerra civil, a fim de evitar o hipotético envolvimento direto dos EUA.    

angolano_y_cubano: Dangereaux Kimenga e Carlos Fernandez Gondin

Os comandantes do exército cubano, Carlos Fernandez Gondin e das forças angolanas (FAR), Dangereux Kimenga

O fim da presença portuguesa causou maior interferência dos EUA na África Austral, apesar dessa época coincidir com uma série de leis do Congresso destinadas a reduzir as operações militares no exterior, após o fiasco do Vietnã. O presidente Gerald Ford (1974-1977) foi convencido pelo secretário de Estado Henry Kissinger que era crucial impedir que o MPLA mantivesse o poder. Uma série de manobras foram feitas a partir da Casa Branca para transferir milhões de dólares para Angola e financiar as forças da FNLA e, cada vez mais, da UNITA.

Jonas Savimbi, que por algum tempo recebeu apoio da China e inicialmente falava em comunismo agrário, mais próximo da maioria da população, mudou de discurso e aceitou a ajuda dos EUA depois que a morte de Mao Tsé-tung mergulhou o gigante asiático em um período de turbulência interna. 

Enquanto isso, ao norte de Angola, no enclave de Cabinda, ganhava força o movimento separatista encabeçado pela Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). Criada nos anos 1960 para combater os portugueses, a FLEC fundava sua legitimidade nos antigos reinos de Cacongo, Loango e Angoio. Depois de ser ignorada nas negociações da independência, a FLEC voltou-se contra o governo do MPLA, que dava início à exploração de petróleo na costa. A Casa Branca apoiava.

Os EUA precisavam do aval do ditador Mobutu Sese Seko, do Congo-Zaire, para manter, na fronteira sul do país, corredores por onde armas e outros materiais chegassem ao FNLA e UNITA. Mobutu, que invocava “neutralidade”, estava mais preocupado em estabilizar as fronteiras com Angola e, para isso, precisava estabelecer relações diplomáticas com o governo do MPLA, o que ocorreu em 1978. O ditador congolês afastou-se do FNLA até, por fim, ordenar que fossem expulsos de suas bases no sul do Congo, de onde operaram por tantos anos.

Mapa: GuerraCivil

Sem conseguir ganhar apoio além das províncias de maioria ambundo, o FNLA foi perdendo relevância à medida que Holden Roberto tornava-se uma liderança errática, o que acabou provocando cismas internos. Nos anos 1990, o FNLA reconstituiu-se como partido político.

 

Descolonização e apartheid

A luta para desestabilizar o governo angolano levada a cabo pelos EUA não teria sido tão prolongada sem o apoio da África do Sul, governada pelo Partido Nacional e seu odioso regime de apartheid. Vizinhos com algumas antigas questões de fronteiras, o país mais rico e militarizado da África Austral tinha suas próprias razões para combater um governo do MPLA – e elas atendiam pelo nome de Namíbia.  

A ex-colônia alemã havia sido ocupada desde 1920 pela África do Sul. Desde a chegada do Partido Nacional ao poder, em 1948, o mesmo regime de segregação racial foi imposto à população da Namíbia, onde também surgiram movimentos nacionalistas de libertação.

De fato, a Namíbia era a última colônia em solo africano e, portanto, combater o governo de Pretória e o apartheid eram ações coerentes com o ideário pan-africano, de fim do colonialismo e de combate ao racismo. Essa oposição vinha de vários lados. Havia o movimento nacionalista namíbe chamado Organização do Povo do Sudoeste Africano (SWAPO), aliado do MPLA, e havia a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

O pretexto usado pelo governo sul-africano para lançar ataques contra o sul de Angola a partir de bases na Namíbia era combater o “expansionismo cubano”. A ação foi condenada em março de 1976, tanto por EUA quanto por URSS, na voz do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O resultado foi provocar um envolvimento cada vez maior de forças cubanas, a pedido do MPLA, que ultrapassaram 50 mil homens em 1988, quando a guerra chegou a um impasse.  

A existência do apartheid tornou-se elemento de instabilidade na África Austral. Capturados pelos interesses geopolíticos da Guerra Fria, os jovens governos de uma África recém-descolonizada e seus movimentos políticos concorrentes acabaram servindo de instrumentos às duas superpotências, que alimentavam o horror das guerras com os armamentos que forneciam. Mas, sobretudo, o combate ao regime de minoria branca era uma questão africana, de não admitir mais a existência de um regime político baseado na discriminação racial, no continente arrasado por ela durante séculos.

 

A pacificação da África Austral

A chegada de Mikhail Gorbachev  ao poder na URSS, em 1985, mostrou uma União Soviética enfraquecida após a fracassada ocupação do Afeganistão (1979-1989). A superpotência foi obrigada a cortar parte dos seus dispendiosos gastos militares.

Armamento-UNITA

O poder bélico tornou-se cada vez mais destrutivo. Na guerra civil angolana, os dois lados utilizaram armas modernas, de alto poder de fogo

Nos Estados Unidos, ao contrário, o governo de Ronald Reagan (1981-1989) investia na retórica militarista e financiava a construção de um quartel-general fortificado para a UNITA, em Jamba-Cueio, na província de Cuando-Cubango, de onde Savimbi continuava a lançar ataques contra o governo angolano. Organizou-se uma grande operação militar para retomar o controle daquela parte do país.

As forças do governo acabaram encurraladas na localidade de Cuito-Cuanavale, na província de Cuando-Cubango e, entre novembro de 1987 e março do ano seguinte, transcorreu uma luta encarniçada das forças da UNITA e sul-africanas contra as forças oficiais e seus aliados cubanos, com elevadíssimas baixas de ambos os lados.

A Batalha de Cuíto-Canavale foi a maior da guerra civil e a maior em solo africano desde a batalaha de El-Alamein, no Egito, durante a Segunda Guerra Mundial. O governo angolano tomou a região, mas não conseguiu avançar, enquanto os sul-africanos recuaram para a Namíbia.

Os dois lados cantaram vitória para os respectivos públicos, mas a situação chegara a um beco sem saída. A Guerra Fria havia entrado em sua fase final, com os primeiros acordos para controle de armas nucleares sendo assinados por Reagan e Gorbachev. O custo da guerra havia se tornado alto demais. Era hora da diplomacia.

Em 22 de dezembro de 1988, representantes dos governos de Angola, África do Sul e Cuba reuniram-se na sede da ONU, em Nova York, para assinarem uma série de acordos mediados pelos Estados Unidos pondo fim à guerra na África Austral. Os Acordos de Nova York previam: retirada total das tropas cubanas de Angola, retirada das tropas sul-africanas da Namíbia e realização de eleições livres, criação de uma força de paz da ONU para supervisionar o processo.

Os militares cubanos saíram entre janeiro de 1989 e maio de 1991. Enquanto isso, o Muro de Berlim caía, Nelson Mandela era libertado da prisão na África do Sul e a União Soviética se desintegrava.

 

Uma nova chance…desperdiçada

Nelson Mandela em Angola

Assim que saiu da prisão, em 1990, Nelson Mandela decidiu viajar a Angola para agradecer ao MPLA seu apoio na luta contra o apartheid

Frente ao novo cenário mundial, em maio de 1991 foi assinado, em Portugal, o Acordo de Bicesse, entre o presidente José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, sob o patrocínio de soviéticos, americanos e portugueses. Haveria um cessar-fogo, seguido pela libertação de prisioneiros de guerra e presos políticos. Não seria admitida assistência militar externa e seria criado um novo exército com as forças armadas de ambos os partidos.

Em 1992, Angola realizou suas primeiras eleições multipartidárias. Em maio de 1993, Washington finalmente reconheceu o governo de Angola. 

Contudo, a divisão étnica alimentada pela UNITA, que condenava a presença de brancos e mestiços no governo, havia se aprofundado. Savimbi questionava até a “angolanidade” do presidente José Eduardo dos Santos. De certa forma, o MPLA era o mundo dinâmico das cidades, o mundo mestiço para além dos vínculos étnicos: o partido falava aos “camaradas angolanos”, mesmo que para muita gente isso tivesse pouco significado.

No fim, a maioria dos angolanos temeu esse discurso revanchista e escolheu seguir com o MPLA. Mas a UNITA foi amplamente votada nas províncias e localidades de maioria ovimbundo, porque Savimbi encarnava a revolta de um povo humilhado e desprezado por muito tempo. A novidade foi o terceiro partido mais votado, o Partido Renovador Social (PRS), organizado a partir da etnia chokwe, predominante nas províncias de Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico, o centro da extração de diamantes. A FNLA basicamente só obteve votos no norte do país.

O líder da UNITA, que se tornava cada vez mais personalista e autoritário, não aceitou o resultado, acusou fraude eleitoral e retomou a guerra, dessa vez sem ajuda externa. Foi preciso que Savimbi morresse em campo de batalha para que a guerra chegasse ao fim, e isso demorou mais uma década.

 

Heranças de sangue

Para sustentar a guerra sem o apoio dos EUA, a UNITA recorreu ao contrabando de diamantes. A transação era realizada por meio de uma complexa rede internacional. Envolvia intermediários e líderes políticos em países africanos e no leste europeu, que se valiam de mecanismos jurídicos e fiscais proporcionados pela globalização e pela revolução tecnológica para não deixar rastros. A disputa pelo controle das minas e das rotas clandestinas tornou-se tão violenta que passou a ser apresentada pela imprensa internacional sob o rótulo “diamantes de sangue”. 

O fato desses diamantes terminarem nas grandes joalherias na Europa, EUA e Canadá resultou em cobranças e pressões capazes de produzir uma legislação internacional destinada a impedir esse tipo de transação nebulosa, feita às custas de vidas inocentes. O Sistema de Certificação do Processo de Kimberly (SCPK) obriga os países produtores a criar mecanismos de controle, desde o garimpo até a exportação de diamantes, e os países compradores a impedir a entrada nos seus mercados de pedras desprovidas do certificado de origem.

As ações do governo angolano têm sido consideradas insuficientes, pois o volume de contrabando segue alto, com envolvimento de autoridades locais e grande violência nas áreas dos garimpos.

Diana, 1977

A princesa Diana deu visibilidade a uma das piores heranças da guerra civil: as minas terrestres

A outra herança perversa da guerra civil foram as imensas áreas minadas pelos exércitos: minas terrestres enterradas que explodiram ao serem pisadas por milhares de inocentes, especialmente as crianças. Na década de 1990, era um assunto recorrente em reportagens sobre Angola. Finalmente, em 1997, o país assinou a Convenção sobre Minas Antipessoas, comprometendo-se a não usar mais o artefato bélico e a empenhar mais esforços para limpar o subsolo.

A instituição de caridade britânica, a HALO Trust, responsável pela célebre visita da princesa Diana, lidera essa operação desde meados da década de 1990. Já foram destruídas cerca de 100 mil minas em todo o país. Contudo, a organização acredita existirem ainda uns mil campos minados a serem limpos. 

 

Construindo o país

O novo milênio trouxe finalmente a pacificação política. Como tantos partidos marxistas haviam feito após o fim do bloco soviético, o MPLA foi abrindo o país aos investimentos estrangeiros e abandonou o discurso socialista. O presidente José Eduardo dos Santos, um dos dirigentes mais corruptos do continente africano, foi celebrado por buscar entendimento com grupos políticos locais. A pacificação de Angola foi lenta e contou com sucessivas forças de paz da ONU durante todo o período, muitas vezes com resultados aquém do esperado.

Na realidade, Luanda sofre resistência no enclave de Cabinda, onde choques armados esporádicos entre separatistas e governo prosseguiam, apesar de um acordo de paz assinado em 2006. Nessa mesma época as províncias de Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico e Cuando-Cubango passaram a reivindicar um estatuto especial, por terem constituírem o antigo Reino de Lunda-Chokwe, antes da existência de Angola.

Em setembro de 2008, após 16 anos, os angolanos puderam votar e escolher representantes para os órgãos legislativos. O MPLA obteve 81.7% do total em disputa com mais de uma dezena de partidos. Meses antes, observadores internacionais como a Human Rights Watch questionaram a integridade das eleições, realizada à sombra do controle absoluto da máquina do Estado pelo partido governista.

Mas dessa vez não houve contestação interna que ameaçasse o MPLA. Dois anos depois, o parlamento aprovou uma nova Constituição e deu a José Eduardo dos Santos a possibilidade de seguir como presidente até 2022.

MAPA: SADC

As boas relações entre Santos e o presidente Jacob Zuma (2009-2018), da África do Sul, resultaram em vários acordos de cooperação econômica, especialmente nas áreas de mineração e petróleo. Angola também estreitou relações com o Brasil, cuja política externa busca maior cooperação entre os países de língua portuguesa (Comunidade Países de Língua Portuguesa) e a manutenção da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACA), um acordo entre os dois países que veta a transformação do Atlântico Sul em zona de disputas militares.

Desde a sua criação, em 1980, Angola integrou a Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC), destinada a promover a integração econômica regional e também fazer frente ao regime de apartheid na África do Sul. Em 1992, o bloco foi renomeado Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), com foco na integração econômica e na segurança regional. Hoje, os 16 países da África Austral e Central compõem a organização. Na condição de um dos principais produtores de petróleo do continente, o papel de Angola na política africana não é pequeno. 

 

A armadilha do petróleo

O fim da guerra civil, em 2002, coincidiu com um período de alta do preço do petróleo no mercado mundial que trouxe receitas fabulosas para Angola. Em 2006, Angola tornou-se membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Mas o ouro negro revelou-se a mesma armadilha experimentada por outros países produtores de petróleo (como a Venezuela), provocando dependência de uma única fonte de riqueza e reduzindo investimentos em outras atividades.

Desde 2004, estreitaram-se as relações com a China, graças a um vultoso empréstimo feito pelo Banco de Exportação e Importação da China para a construção de infraestruturas no país, a ser pago com petróleo. A assistência financeira traz amarrada a compra de bens e a contratação de empreiteiros chineses, enquanto os investimentos diretos no setor de petróleo são conduzidos por companhias chinesas.

Plataforma marítima da Sonangol

Plataforma marítima para extração de petróleo na região de Cabinda

 

Há mais de uma década, a China compra quase a metade das exportações angolanas, tendo se tornado sua principal parceira comercial. Sem condicionamentos éticos, a concorrência chinesa tem reduzido as cobranças internacionais sobre o governo angolano e seus membros nos temas transparência e justiça.

A corrupção e a má gestão dessa riqueza levaram o governo angolano a pedir um empréstimo de emergência ao FMI em 2009, justificando a deterioração do balanço de pagamentos pela queda no preço do petróleo. Desde o final de 2014 Angola enfrenta uma profunda crise econômica, financeira e cambial decorrente da quebra nas receitas petrolíferas. Em menos de dois anos o barril exportado caiu de mais de 100 para 36 dólares, segundo dados do Ministério das Finanças angolano.

Em 2021, o petróleo representava mais de 90% das exportações do país, aproximadamente 20% do PIB nacional e 40% das receitas fiscais do Estado.

 

A vez da sociedade civil

Mais uma vez na história angolana, a imensa riqueza extraída beneficiou poucos. Com o petróleo, beneficiou uma única família, a de José Eduardo dos Santos, que em pouco mais de duas décadas se tornou um dos homens mais ricos da África, enquanto sua filha Isabel dos Santos, administradora dos negócios familiares, foi declarada a primeira mulher bilionária do continente.

José Eduardo dos Santos e Isabel

José Eduardo dos Santos e sua filha, Isabel: dos circuitos internacionais estrelados às páginas policiais. Isabel vive no exterior desde a morte do pai

Enquanto isso, dados socioeconômicos informavam que a imensa maioria (70%) da população angolana vivia com menos de dois dólares por dia; que 25% das famílias não consegue enviar seus filhos à escola; que a urbanização não contempla luz elétrica ou rede de saneamento e águas para a imensa maioria da população; que Angola figura entre os países mais corruptos do mundo.

Em fevereiro de 2011, grandes manifestações públicas tomaram conta de Luanda para protestar contra o governo e o inamovível MPLA – e foram duramente reprimidas.

No Brasil, entre 2014 e 2021, a Operação Lava-Jato investigou as relações promíscuas entre as estatais, com destaque para a Petrobrás, e as grandes empreiteiras do país, como a Odebrecht (atual Novonor) e a Camargo Corrêa, que atingiram importantes figuras políticas do país. As investigações comprovaram atuações criminosas dessas empresas no exterior, incluindo Angola.

Em 2016, o presidente Dos Santos anunciou que se afastaria após as eleições no ano seguinte. Sob suspeitas e denúncias, o ex-presidente mudou-se para Barcelona para tratar de um câncer e lá morreu, em 2019.  

O MPLA indicou um novo candidato, o general aposentado e membro da velha guarda, João Lourenço, eleito em 2017 e reeleito em 2022. Ele retirou Isabel dos Santos da presidência da Sonangol e a justiça congelou seus bens. Já o filho do ex-presidente, José Filomeno dos Santos, foi condenado a cinco anos de prisão por fraude e corrupção em 2020.

protestos 2020

A sociedade civil organiza frequentes protestos contra a carestia, a corrupção e a falta de liberdade. Quanto tempo mais o MPLA conseguirá monopolizar o poder?

Mas o governo tem sido incapaz de investigar e julgar adequadamente os agentes da polícia que cometem violações dos direitos humanos, enquanto a repressão aos opositores e a perseguição aos críticos seguem duras. O controle dos meios de comunicação também restringe a liberdade de expressão e muitos jornalistas sofrem perseguição judicial como forma de intimidação. 

Em dezembro passado, Angola recebeu a última visita internacional do presidente dos EUA, Joe Biden (2021-2025). Ele participou de um encontro de investidores e governos, incluindo a União Europeia, para discutir a modernização do “Corredor de Lobito”, a antiga ferrovia que liga o litoral à fronteira com a República Democrática do Congo. Estratégica para o escoamento de minérios, é uma resposta à crescente influência chinesa, que já tem investimentos nesta região.

 

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