A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) perdeu o apoio da maioria e, agora, depende da fraude eleitoral e da repressão sangrenta. No mínimo 30 pessoas foram mortas pela polícia entre 19 de outubro e 6 de novembro, denunciou a Human Rights Watch (HRW). Os protestos irromperam no rastro da eleição presidencial de 9 de outubro. “A Frelimo deve cair”, entoavam os manifestantes indignados diante das evidências de fraude.
Estátua de Samora Machel, líder histórico da Frelimo, na Praça da Independência, em Maputo (Moçambique)
A Frelimo detém o poder desde a independência de Moçambique, quase meio século atrás, em 1975 após a Revolução dos Cravos em Portugal. Seu candidato presidencial, Daniel Chapo, teria obtido mais de 70% dos votos, segundo a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado pelo governo. Contudo, o candidato oposicionista independente Venâncio Mondlane denunciou imediatamente uma fraude de largas proporções e o assassinato de seus assessores Elvino Dias e Paulo Guambe pelas forças de segurança.
Uma missão de observadores da União Europeia alertou para uma “injustificada alteração” de resultados em centros eleitorais que conseguiu monitorar. Violências eleitorais são frequentes em Moçambique, mas a onda de protestos e repressão deflagrada em outubro tem inédita magnitude.
A Frelimo, fundada em 1962, dirigiu a luta pela independência contra as forças coloniais portuguesas. Na época, recebeu auxílio da URSS e da China. Sua rival, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), nasceu em 1975, sob o patrocínio da antiga Rodésia (atual Zimbábue) e da África do Sul, ambas ainda sob domínio das minorias brancas, e agrupou dissidentes anticomunistas moçambicanos.
À independência, seguiu-se uma longa, amarga, guerra civil entre Frelimo e Renamo, encerrada apenas em 1992, com os acordos de paz de Roma. Moçambique adotou, então, um sistema pluripartidário e a Renamo abandonou a luta armada, transformando-se em partido político.
A paz não durou muito, mas o país também não retornou à guerra civil aberta. Desde 2013, alternaram-se ciclos de instabilidade, marcados por insurgências localizadas, com ciclos de trégua negociada.
Venâncio Mondlane, líder opositor moçambicano
Finalmente, em 2019, o governo e o partido insurgente firmaram um novo acordo de paz que propiciou duas eleições presidenciais. Em outubro de 2019, Ossufo Momade, candidato da Renamo, obteve 22% dos votos; semanas atrás, apenas 6%.
A diferença é que, no pleito mais recente, emergiu a figura de Mondlane.
Deputado da Renamo, Mondlane desafiou a cúpula do partido ao lançar-se como pré-candidato presidencial contra Momade. A disputa interna degenerou em violências contra apoiadores do desafiante e na sua ruptura com o partido. No fim, Mondlane registrou sua candidatura através do Podemos, um partido secundário fundado em 2019 por dissidentes da Frelimo.
Mondlane, um engenheiro florestal, ganhou notoriedade no movimento Jovens Solidários, que deu amparo à vítimas das inundações devastadoras de 2000, e depois como comentarista em programas de TV e rádio. A candidatura independente tornou-se um ponto de convergência do descontentamento popular com o governo e, também, com a oposição turbulenta e autoritária agrupada na Renamo.
Na campanha presidencial, sua plataforma distinguiu-se pela proposta de uma reforma tributária que dirigiria recursos de impostos sobre empresas estrangeiras para o desenvolvimento de comunidades locais, de uma reforma no sistema de saúde e da concessão de créditos destinados a pequenos empreendedores. Além disso, prometeu negociar a paz com o grupo armado jihadista que conduz uma insurgência na província setentrional de Cabo Delgado.
Na capital, Maputo, tradicional bastião da Frelimo, ocorreram os maiores protestos contra a fraude eleitoral. Em meio à fumaça das bombas de gás lacrimogêneo e de pneus queimados pelos manifestantes, erguiam-se cartazes com a frase “Cansamos de ser escravos de ladrões”.
A corrupção da Frelimo, a estreita relação das autoridades com as empresas estrangeiras que operam e a desigualdade social crescente encontram-se na base dos protestos populares que mancharam o processo eleitoral. Portugal, a antiga potência colonial, e os EUA, principal fonte de ajuda externa do país, pediram o fim da repressão. Sem sucesso: a Frelimo opera como partido único num sistema político formalmente multipartidário e não admite a hipótese de alternância no poder.
Protestos em Maputo (Moçambique) contra a Frelimo, em outubro de 2024
A repressão venceu, ao menos provisoriamente. Em novembro, Mondlane tomou o rumo do exílio, refugiando-se na África do Sul. Num vídeo postado no Facebook, o candidato descreveu um ataque armado à sua casa e uma fuga desesperada, junto coma esposa e a filha. Diante da informação, o ministro do Exterior sul-africano declarou que seu governo não tinha conhecimento da entrada do líder oposicionista moçambicano no país.
Mondlane tem motivos para temer por sua vida. Várias vezes, ao longo dos anos, dissidentes e opositores foram caçados e assassinados por esquadrões da morte. Não por acaso, a Ordem dos Advogados de Moçambique acendeu o alerta para a hipótese de um “banho de sangue”.
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