Capa da obra publicada pela Casa Stefan Zweig
Perseguidos pelo nazifascismo, eles refugiaram-se no Brasil. Entre 1933 e 1945 milhares de cidadãos foram proibidos de produzir arte e ciência, exercer seus ofícios e manifestar sua opinião. Foram perseguidos pela tirania e deixaram tudo para trás, encontrando uma nova pátria, onde recomeçaram do nada ou de muito pouco – e contribuíram de forma marcante para a sociedade que os recebeu.
O Dicionário dos refugiados do nazisfascismo no Brasil (Rio de Janeiro, Casa Stefan Zweig, 2021), recém lançado, recupera a trajetória e a contribuição de 300 personagens destacados entre os cerca de 15 mil que chegaram ao país tangidos pelo pesadelo dos campos de concentração.
Um livro ilustrado de 832 páginas, o Dicionário é mais uma realização da Casa Stefan Zweig, situada em Petrópolis no mesmo imóvel em que o grande escritor austríaco refugiado do nazismo faleceu com sua mulher em 1942. Fundada pelo jornalista Alberto Dines (1932-2018), a entidade dedica-se à preservação da obra e da mensagem humanista do seu patrono.
Valorizar os refugiados do nazifascismo do passado é jogar luz sobre os refugiados do presente. Assim como aqueles trouxeram notável contribuição para a terra que os acolheu, estes, com todas as diferenças que configuram a presente situação, também devem ser encarados como potencial de enriquecimento e fermento para a nossa sociedade, noção que se soma às considerações de humanismo e solidariedade. Esta obra se projeta como reforço à visão positiva da figura do imigrante, personagem cada vez mais presente no conturbado mundo atual, manchado pela exclusão, a segregação, o racismo, a xenofobia e o nacionalismo extremista.
Na conjuntura complexa em que vivemos, é preciso encontrar mecanismos de preservação dos direitos humanos dos migrantes e refugiados e equipar as sociedades com novas, criativas e generosas formas de absorção de deslocados. A pressão das correntes migratórias tem de ser distribuída com equilíbrio entre as nações. As necessidades dos grupos que chegam precisam ser harmonizadas com a infraestrutura e os sistemas de benefícios sociais que os países desenvolvidos alcançaram historicamente e não podem implodir esses sistemas.
A solução política e diplomática dos conflitos deve minimizar os bárbaros efeitos das guerras sobre os seres humanos. O auxílio econômico às populações carentes deve ajudar a fixá-las em seu território original. As sociedades que se arvorarem como bunkers contra imigrantes devem sofrer o repúdio internacional. Nada disso é fácil. Pelo contrário, é um formidável desafio, que teremos que enfrentar coletivamente, como foi enfrentado nos trágicos tempos da Segunda Guerra Mundial.
Um estudo elaborado em 2018 pela Universidade de Oxford em associação com o Citigroup revelou que dois terços do crescimento da economia dos EUA desde 2011 podem ser diretamente atribuídos à imigração; que, ao contrário da percepção intuitiva, o migrante tende a consumir menos benefícios sociais e custa menos aos cofres públicos do que o nativo; e ainda que, naquele país, os migrantes são responsáveis por 30% dos novos negócios, embora representem apenas 14% da população.
Se outros argumentos mais fortes não existissem para denunciar a xenofobia, bastaria lembrar do médico oncologista Ugur Sahin e de sua mulher Ozlen Türeci, imigrantes turcos na Alemanha, fundadores da empresa BioNTech, responsável, juntamente com a Pfizer, pelo desenvolvimento de uma das mais efetivas vacinas contra a Covid-19.
Zbigniew Ziembinski (1908-1978) em cena de “Pega Fogo”, em 1950. O ator e diretor teatral nasceu na Polônia e exilou-se no Brasil em 1941
O exílio marca a história da humanidade, desde o êxodo dos hebreus para a Babilônia e o ostracismo ateniense, passando, ao longo dos séculos, pelo banimento de pensadores e artistas como Ovídio, Dante Alighieri, Victor Hugo, Karl Marx, Trotsky, Dalai Lama, Soljenitsin, Sakharov, além das milhares de vítimas da perseguição e intolerância do nazismo, entre elas Albert Einstein, Sigmund Freud, Thomas Mann, Stefan Zweig, assim como os incontáveis refugiados de diferentes tiranias contemporâneas, inclusive as sul-americanas. Por todos eles, falou Dante Alighieri: “Deixarás tudo o que mais entranhadamente amas, que é o primeiro infortúnio sofrido no desterro. Verás quão amargo é o pão alheio, o quão duro o caminho quando se deve subir e descer por estranha escada” (Paraíso, canto XVII, 55-60).
No Dicionário, é notável observar a presença entre os refugiados de um grande número de artistas plásticos (57), escritores (34), cientistas (31), músicos (26) empresários (25), matemáticos, arquitetos, atores, diretores teatrais, fotógrafos, bailarinas, psicólogos e psicanalistas, e até mesmo figurinistas, esportistas, policiais, palhaços. A maioria deles provinha da Alemanha e da Áustria, além de importantes contingentes da Polônia e outros países da Europa centro-oriental, da Itália, da França, da Bélgica. Havia japoneses e incluímos até mesmo um francês nascido na Indochina.
Os refugiados do nazismo e do fascismo que chegaram ao Brasil eram homens e mulheres formados na alta cultura europeia, todos eles vivenciando uma trajetória de perseguições, expropriações, ameaças de morte, fugas desesperadas, lutas incansáveis por vistos, aclimatação ao Brasil e ao idioma diferente e, enfim, a realização profissional na nova terra, seguida do reconhecimento da fecunda atuação em nosso meio. No campo da concessão de vistos, nunca é demais destacar o papel desempenhado pelo diplomata Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954), então embaixador na França, intitulado “justo entre as nações” pelo Yad Vashem (Museu do Holocausto de Israel), em 2003.
Muitos dos refugiados, apesar da importância da sua contribuição, tiveram que ser resgatados dos arquivos históricos, outros nunca tiveram sua notoriedade apagada. Só para citar alguns: Enrico Bianco, Nydia Licia, Otto Maria Carpeaux, Victor Civita, Ernesto De Fiori, Samson Flexor, Hans Günther Flieg, Vilém Flusser, Marika Gidali, Ida Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Vladimir Herzog, Hans-Joachim Koellreutter, Frans Krajcberg, Berta Loran, Jean Manzon, Emeric Marcier, Emilio Mira y Lopez, Henrique Morelenbaum, Oskar Ornstein, Fayga Ostrower, Samuel Rawet, Paulo Rónai, Mira Schendel, Maria Helena Vieira da Silva, Paul Singer, Arpad Szenes, Zbigniew Ziembinski, Stefan Zweig.
Casa Stefan Zweig, em Petrópolis (RJ)
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