IMIGRAÇÃO NOS EUA: O QUE OS NÚMEROS DIZEM

 

30 de julho de 2018

 

A onda recente de histeria sobre a imigração nos EUA começou em 2004. O marco foi a publicação de Who Are We? The Challenges to America’s National Identity, do cientista político Samuel Huntington. O livro, que inspirou as correntes nativistas, especialmente no Partido Republicano, argumentava que, ao contrário de ciclos imigratórios anteriores, a vaga migratória de latino-americanos ameaça dissolver a identidade nacional americana. Na base da tese encontra-se o conceito nativista de que os Estados Unidos não são uma nação de imigrantes, mas uma nação de colonos – brancos, europeus e protestantes. A ideia remete a outra: a cola que une os Estados Unidos não é um contrato político, mas a cultura e a religião (ou, dito de modo mais direto, o “sangue” e a “raça”).

Os Estados Unidos são, de longe, o maior destino de migrantes internacionais do mundo. Segundo dados de 2017, os imigrantes nos EUA somam 49,8 milhões. O segundo colocado é a Arábia Saudita, com 12,2 milhões, e o terceiro, a Alemanha, com praticamente o mesmo número. Contudo, os números relativos colocam as coisas no seu devido contexto: os imigrantes representam 15,3% da população americana, menos que os 21,5% do Canadá, os 28,8% da Austrália ou os 29,6% da Suíça, e não longe dos 14,8% da Alemanha. As estatísticas evidenciam que os EUA não estão sendo “inundados” por imigrantes. Mais: mostram que há uma nítida tendência histórica de redução da imigração para o país – e que o fenômeno é anterior à chegada de Donald Trump à Casa Branca.

Os asiáticos perfazem cerca de 11,5 milhões dos quase 50 milhões de imigrantes que vivem nos Estados Unidos, com chineses (2,6 milhões), indianos (2,3 milhões), filipinos (2,1 milhões), vietnamitas (1,4 milhão) e coreanos (1,2 milhão) representando os grupos mais numerosos. Já os latino-americanos somam cerca de 24,7 milhões, ou seja, praticamente a metade de toda a população imigrante. Nesse conjunto, fonte da histeria dos nativistas, os mexicanos perfazem 12,7 milhões – um quarto da população imigrante nos EUA.

                                                       Fonte: Migration Policy Institute, 2017

 

O México ocupa, em termos absolutos, a segunda posição no mundo entre os países de emigração, atrás apenas da Índia. Os emigrantes mexicanos, 12,96 milhões, representam cerca de um décimo dos habitantes do México. Quase todos os emigrantes mexicanos dirigem-se aos EUA. Tudo isso confere alguma verossimilhança ao discurso nativista de Huntington e de Trump. Contudo, o fenômeno mais relevante encontra-se em outro lugar: a emigração mexicana atingiu um ápice no período 2000-2005 e, depois disso, entrou em acentuado declínio. Naquele intervalo, a emigração líquida superou a marca de 2,8 milhões; entre 2010 e 2015, ficou pouco acima de 500 mil.

Gráfico: migração internacional

 

As causas do declínio emigratório são variadas, mas suas raízes principais assentam-se no solo da economia: a relativa estabilização da economia mexicana, de um lado, e a perda de dinamismo do mercado de trabalho nos EUA, de outro. De qualquer modo, as radicais políticas anti-imigratórias de Trump nada tem a ver com o fenômeno.

A emigração de porto-riquenhos também está em declínio, embora lento, assim como a de salvadorenhos. O saldo migratório negativo de Cuba caiu de 194 mil, entre 2005 e 2010, para 80 mil, entre 2010 e 2015. Entre as principais origens de imigrantes latinos nos EUA, apenas a República Dominicana continua a exibir saldo migratório negativo mais ou menos constante (cerca de 150 mil a cada intervalo de cinco anos, desde 1995). A redução da emigração é um fenômeno geral na América Latina, abrangendo Guatemala, Honduras, Nicarágua, Colômbia e Peru.

Em termos absolutos, os Estados Unidos seguem sendo o maior destino de emigrantes no mundo. Contudo, o saldo migratório líquido positivo dos EUA atingiu um auge entre 1995 e 2000 (8,7 milhões), reduzindo-se significativamente depois disso para um patamar semelhante ao de 1990-95, de cerca de 5 milhões a cada intervalo de cinco anos. Trump, obviamente, não exerceu nenhuma influência sobre esse fenômeno.

Gráfico: migração EUA

O consenso, entre os economistas, diz que a imigração funcionou, no último meio século, como fator positivo para a economia dos Estados Unidos. Os ciclos de imigração geram um mercado de trabalho mais flexível, o que estimula o investimento produtivo. O saldo migratório positivo ameniza a tendência ao envelhecimento demográfico da população e ao aumento da parcela de aposentados. Por isso, principalmente, o sistema previdenciário americano sofre pressão menor que os sistemas europeus. Finalmente, em média e a longo prazo, está comprovado que os imigrantes são contribuintes líquidos para o orçamento de seguridade social.

A xenofobia trumpiana não tem sentido econômico. A histeria nativista não reflete uma análise sólida das tendências históricas. Mas o nativismo e a xenofobia podem ser eficientes, do ponto de vista político-eleitoral. Trump é uma prova disso.

 

 

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