A China tem, na sua “Grande Muralha virtual”, o maior e mais sofisticado sistema de censura das redes do ciberespaço. Agora, a Rússia de Vladimir Putin deflagra uma série de iniciativas destinadas a copiar o modelo chinês.
No último 27 de julho, mais de 1,3 mil manifestantes foram presos em Moscou durante um protesto contra o veto ao registro de candidatos independentes às eleições para o parlamento local, em setembro. O cerco às liberdades políticas na Rússia abrange os mais diversos campos do “mundo real”. O Kremlin controla com mão de ferro o Judiciário e os órgãos eleitorais, intimida a imprensa e reprime manifestações oposicionistas com violência crescente. O “mundo virtual” funciona como um dos últimos espaços abertos à divergência política. Por isso, tornou-se alvo do regime putinista.
Xi Jinping definiu o arcabouço conceitual do modelo chinês na segunda Conferência Mundial de Internet, evento promovido pela China, em 2015: “Devemos respeitar o direito de cada país de escolher independentemente o seu próprio caminho para o desenvolvimento cibernético”. O “caminho próprio” de Xi Jinping envolveu a edificação de uma internet nacional, fechada sobre si mesma, com conteúdos monitorados e censurados pelo Partido Comunista Chinês.
A ChinaNet, para usar o termo cunhado pelo blogueiro Michael Anti, começou a ser construída no final da década de 1990, por meio do software “Escudo Dourado”, que propiciou a espionagem oficial de dados transmitidos pela internet e o bloqueio de endereços de IP e nomes de domínio. Em 2002, pela primeira vez, a China bloqueou o Google. Dois anos depois, o Google lançou a versão chinesa, autocensurada, de seu site e, mais recentemente, parece ter iniciado a construção do Dragonfly, um mecanismo de busca inteiramente adaptado ao padrão de censura do regime chinês.
Ao longo dos anos, os chineses aprenderam a utilizar as tecnologias de redes privadas virtuais (VPNs) e inúmeros atalhos criativos para circundar o bloqueio oficial. O contra-golpe de Xi Jinping veio em 2015, com o lançamento do “Grande Canhão”, um sistema capaz de detectar e substituir fluxos de dados que circulam pela rede. O novo software de censura revelou-se capaz de derrubar as VPNs que davam acesso a sites, blogues e redes “perigosos”. Ao mesmo tempo, o governo editou um conjunto de leis que criminalizam a publicação online de conteúdos “subversivos”
“A internet tornou-se o principal campo de batalha na luta pela opinião pública”. O enunciado de Xi Jinping, proferido em discurso sigiloso que acabou vazando, de agosto de 2013, hoje serve como estrela-guia para o governo russo.
Edifício da Duma, em Moscou. As leis de censura à internet foram aprovadas pela maioria parlamentar do partido Rússia Unida, de Putin
No início de março, a Duma (parlamento russo) aprovou duas leis gêmeas criminalizando “fake news” e “insultos” a autoridades, agências estatais, símbolos do Estado e à “sociedade”, na apropriadamente vaga definição legislativa.
Segundo as novas leis, que entram em vigor no início de novembro, cabe ao Roskomnadzor, órgão estatal de supervisão da mídia, a identificação das “fake news” e dos “insultos”. A legislação bloqueia caminhos alternativos. De acordo com ela, todos os sites da Web devem pedir registro no Roskomnadzor, sob pena de serem bloqueados no país.
As leis formam a pedra inaugural de um projeto muito mais ambicioso, apoiado sobre quatro pilares:
Moscou, julho de 2017. Vladimir Putin condecora Xi Jinping com a Ordem de Santo André, criada por Pedro I, O Grande, em 1698
Putin invoca, em defesa da RUnet, um argumento de “segurança nacional”: o suposto risco de um ataque geral americano para derrubar a rede na Rússia. No debate parlamentar sobre as novas leis que restringem a liberdade de expressão na internet, o deputado oposicionista Sergei Ivanov desnudou as verdadeiras intenções do Kremlin: “Isso nada tem a ver com proteger a internet russa de ataques estrangeiros. Vocês sabem como funciona a internet chinesa – há uma lista de sites banidos que não podem ser acessados da China e uma lista de palavras-chave que não podem ser alvos de pesquisa. É o que vocês querem?”.
Há uma triste ironia em tudo isso. Os serviços de inteligência russos notabilizam-se como centros de produção e difusão de notícias falsas destinadas a interferir em campanhas eleitorais nos EUA e alimentar as correntes da direita nacionalista na Europa. Contudo, o regime de Putin utiliza a expressão “fake news” como rótulo para sufocar a liberdade de expressão na internet russa.
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