BOLSONARO E NETANYAHU: TROCANDO SÍMBOLOS

 

Jean Goldenbaum

(Professor e pesquisador do Centro Europeu de Música Judaica da Universidade de Hannover e membro do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil)
22 de abril de 2019

 

O Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil nasceu no início de 2019 a partir do movimento Judeus contra Bolsonaro. Tem dois principais objetivos: 1) trazer para a comunidade o debate sobre a situação dos direitos humanos no país e 2) aportar temas sensíveis para a comunidade – como o antissemitismo – ao campo das entidades que fiscalizam o respeito aos direitos humanos e denunciam suas violações. Por isso, propõe a formação de um amplo painel de entidades congêneres, com a finalidade de garantir a defesa dos direitos humanos no país.

 

Afinal, quais eram os objetivos do presidente Jair Bolsonaro e do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu com seu encontro em Israel?

Para Netanyahu era simples: pela primeira vez em uma década, via-se diante da real possibilidade de não somente ser retirado do poder, como também de ser condenado por diversos casos de corrupção. Às vésperas da eleição de 9 de abril, ele quis impressionar a população israelense exibindo seu mais novo brinquedinho extremista como propaganda. Lembremos que, na campanha eleitoral, Bolsonaro o agradou e prometeu transferir a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, o que reforçaria a disposição de Netanyahu de negar o direito dos palestinos de fazerem de Jerusalém Oriental sua capital, minando completamente possíveis acordos de paz.

Já Bolsonaro possuía basicamente três objetivos em Israel. O primeiro foi realizado: satisfazer mais uma vez Donald Trump e se consolidar internacionalmente como um prócer da nova ultradireita mundial, se unindo à elite ultraconservadora na qual Netanyahu demonstra seu prestígio e que inclui até mesmo dirigentes que flertam abertamente com o antissemitismo, como o húngaro Viktor Orban.

Note-se que tanto Trump como Bolsonaro e Netanyahu se valeram dos serviços de Steve Bannon, o apóstolo mundial do movimento supremacista branco e mago das fake news nas redes sociais.

A segunda meta era: alinhando-se a Israel, Bolsonaro satisfaz o eleitorado evangélico que o apoiou em massa. É bom lembrar que, para muitos teólogos evangélicos, Jesus voltará quanto todos os judeus estiverem em Israel e o “aceitarem”, ou seja, se converterem (doutrina denominada dispensacionalismo).

Festa dos Tabernáculos de 2014, promovida pela Embaixada Internacional Cristã em Jerusalém

Festa dos Tabernáculos de 2014, promovida pela Embaixada Internacional Cristã em Jerusalém

Só faltaria o terceiro objetivo: a questão da embaixada. Acontece que o roteiro da lua de mel encenada pelos dois dirigentes esbarrou em problemas. Bolsonaro negou um convite de visita, feito pela Autoridade Palestina. E, depois de irritar o mundo árabe, um forte comprador de produtos brasileiros, foi obrigado a reunir embaixadores em jantar de desagravo, para não se indispor com os ruralistas, que o apoiaram de bandeira em punho.

A tal transferência da embaixada revelou-se tão espinhosa que os próprios aliados militares do brasileiro trataram de baixar a temperatura e assim Bolsonaro e Netanyahu tiveram de se contentar com um burocrático “escritório brasileiro” em Jerusalém.

E assim se resume a profana viagem do líder brasileiro à Terra Santa: uma espécie de jabuticaba diplomática com gosto de chuchu.

Por fim, um comentário relativo ao relacionamento entre Bolsonaro e a comunidade judaica brasileira, que, em sua maioria, o apoiou nas eleições. Foi em um clube judaico, a Hebraica do Rio de Janeiro, que Bolsonaro pronunciou um de seus discursos mais racistas, ofendendo os quilombolas negros. Foi em Israel que ele afirmou que o nazismo era “um movimento de esquerda”. Essa pirueta ideológica, que não resiste a qualquer evidência histórica, visa a aliviar a extrema direita dos crimes cometidos contra a humanidade, garantindo a Bolsonaro e a tantos outros algum grau de respeitabilidade. Trata-se de uma ofensa a todas as vítimas do nazismo, judeus ou não. E a tantos combatentes que deram suas vidas na luta contra o nazifascismo.

Estamos na Páscoa cristã, cuja origem é o Pessach judaico. Pessach, em hebraico, quer dizer “travessia”. Esperamos que este momento nos permita iniciar uma nova travessia, em sentido oposto à intolerância, reencontrando as melhores tradições judaicas, cristãs, islâmicas e de todas as religiões, de convivência pacífica e de respeito aos direitos de todos.

 

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