Camboja, Laos e Vietnã foram colônias da França no Sudeste Asiático administradas como se fossem uma coisa só: a Indochina. De fato, a Indochina é um corpo geográfico, pois é uma península, mas nunca foi um corpo histórico, tendo desenvolvido sociedades etnicamente distintas.
Fonte: Google Maps
Como em outras áreas coloniais, a dominação estrangeira trouxe a ideia de nacionalismo e as elites locais – que tinham acesso à educação e frequentavam escolas católicas e a universidade na França – se articularam para reivindicar a independência de seus países. Do Ocidente vieram também as ideias marxistas e, com elas, partidos comunistas, sindicatos e o entendimento de que a luta pela descolonização seria o primeiro passo para a revolução socialista.
Na Indochina, o mais importante desses movimentos foi encabeçado pelo Vietminh (Liga pela Independência do Vietnã), que influenciava grupos menores como o Partido Democrático do Kampuchea (nome tradicional do Camboja). Durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto a metrópole francesa desmoronava frente à invasão nazista (1941), o Japão ocupava a Indochina. Os grupos nacionalistas se militarizaram para combater o Império japonês e o Vietminh conseguiu controlar o norte do Vietnã e instalar sua capital na cidade de Hanói.
Encerrado o conflito mundial, a França acreditou poder retomar suas possessões. O erro de avaliação desencadeou a Guerra da Indochina, em 1946, marcando o início das lutas de descolonização na Ásia e África, que se estenderiam pelas três décadas seguintes. Derrotada, a França foi levada a mesa de negociações e à assinatura dos Acordos de Genebra, de 1954. Ali teve que reconhecer o fim do seu pequeno império no Sudeste Asiático e o nascimento de três Estados – Laos, Camboja e Vietnã (embora o Vietnã ficasse dividido entre o norte, dominado pelo Vietminh, e o sul monárquico alinhado ao Ocidente).
No contexto da Guerra Fria, a questão nacional vietnamita acabou sequestrada pelos estrategistas dos Estados Unidos com sua “teoria do dominó” e o problema local internacionalizou-se. A Guerra do Vietnã (1963-1975) assistiu ao crescente engajamento de forças americanas na Indochina e à difusão de guerrilhas por toda a península.
No vizinho Camboja, foi o aumento da presença de combatentes comunistas vietcongs (Frente Nacional de Libertação, do Vietnã do Sul, a área em disputa) que acendeu o pavio. Para a população camponesa não era fácil suportar os “confiscos revolucionários” da produção e as ações violentas desses invasores, mas piorou quando os americanos chegaram despejando toneladas de bombas sobre as terras cambojanas para atingir os vietcongs ali escondidos.
Um desastre. Camponeses perdendo tudo; vietcongs adentrando cada vez mais o território vizinho e ampliando os contatos com grupos revolucionários cambojanos; a monarquia abandonando o neutralismo e fazendo vistas grossas à entrada dos guerrilheiros antiamericanos; o presidente Richard Nixon negando em rádio e TV que os Estados Unidos estivessem atacando um Estado neutro – ainda mais sem declaração prévia de guerra. Há consenso quanto ao fato do crescimento do apoio camponês ao Khmer Vermelho ter sido uma reação aos bombardeios americanos.
No fim, os Estados Unidos foram derrotados, o Vietnã foi unificado sob a bandeira comunista e o Laos e o Camboja também adotaram regimes de esquerda. Politicamente, foi a maior derrota que a superpotência ocidental sofreu na Guerra Fria, com múltiplos desdobramentos.
Assinados os Acordos de Genebra (1954), o Camboja restabeleceu a monarquia pelas mãos do príncipe Norodum Sihanouk. Até meados dos anos sessenta, o país manteve-se internacionalmente neutro e internamente tranquilo, com fracos grupos de esquerda. O Partido Comunista do Kampuchea (PCK), por exemplo, rompeu com o Vietminh por divergências durante as negociações de paz em Genebra. Esse afastamento se aprofundaria e, quando no poder, combater o Vietnã seria uma obsessão dos comunistas cambojanos.
Em relação ao governo de Sihanouk, o PCK dividia-se. Havia o “comitê urbano”, que reconhecia no príncipe um líder da independência cujo neutralismo em relação aos Estados Unidos fazia dele uma peça valiosa na luta pela “libertação” do Vietnã do Sul. Já o “comitê camponês”, constituído por pessoas que viviam a dura realidade rural, defendia a imediata derrubada do “feudalista” Sihanouk. O apoio camponês ao grupo nos anos de guerrilha tenderiam a fortalecer a “ala camponesa”.
Já o príncipe cambojano colocou-se em uma armadilha ao decidir conceder refúgio aos civis do Vietnã que atravessavam as fronteiras fugindo da guerra em seu país. Entre os refugiados havia vietcongues que se uniam ao mesmo PCK (ou Khmer Vermelho), reprimido pelo governo. Aliás, veio do costume do príncipe Sihanouk referir-se aos grupos de esquerda como khmer rouge (“estrelas vermelhas”), o nome assumido pelos comunistas.
Em março de 1970, um golpe tramado pelos Estados Unidos derrubou o governo de Sihanouk sob a acusação de aliança com os comunistas. Os militares tomaram o poder encabeçados pelo general Lon Nol, um títere de Washington, e instauraram a República. Com apoio do governo, a partir de 1973, os bombardeios americanos se intensificaram, com estimativa de 150 a 300 mil mortos no Camboja. A revolta popular contra a superpotência transformava-se em apoio para o Khmer Vermelho, que controlava 85% do território cambojano antes de tomar o poder, enquanto milhares de camponeses rumavam para Phnom Penh, fugindo da fome.
A estratégia da superpotência americana empurrava todos para os braços do comunismo. Por isso, quando o Khmer ocupou as ruas da capital o povo comemorou a “revolução” imaginado tratar-se do fim dos bombardeios – apenas para, em seguida, ser levado a acreditar que os americanos atacariam a cidade e, portanto, ela deveria ser evacuada.
Em 1975, com a rápida retirada americana do Vietnã, o governo do general Lon Nol perdeu a sustentação. Em abril, o Khmer Vermelho iniciou uma ofensiva contra Phnom Penh enfrentando pouca resistência e assumindo o poder no dia 17. O novo regime adotou para o país o nome de Kampuchea Democrático.
Novamente, as tramas da Guerra Fria se impuseram à região. Desta vez, China e União Soviética disputavam influência sobre os novos países comunistas. O Vietnã tinha apoio da União Soviética, enquanto o Camboja do Khmer Vermelho alinhava-se com a China (ainda marcada pelo obscurantismo da Revolução Cultural). Assim, o Khmer Vermelho e o Vietminh foram regimes autoproclamados comunistas que trabalharam de costas um para o outro, e ainda pior, alimentaram uma rivalidade que chegaria à via militar (e, no fim, à própria deposição do Khmer Vermelho).
No poder, o Khmer Vermelho declarou-se o “Estado comunista número 1”, enquanto o governo do Vietnã respondia dizendo tratar-se de um desvio do marxismo ortodoxo – ao fundo, ecos das disputas entre China e URSS. No embate teórico, opunham-se a crença na força de vontade humana, capaz de superar as condições materiais e históricas, e o materialismo “ortodoxo”, com sua ideia da história como progressão inevitável de modos de produção. Sob Mao Tsé-tung e Pol Pot, os regimes da China e do Camboja acreditaram na “força de vontade humana” e, contraditoriamente, desprezaram os seres humanos até o nível da morte em massa por inanição.
Saloth Sar, mais conhecido como Pol Pot, nasceu em 1925 em uma família de fazendeiros no Camboja (na época Indochina francesa). O jovem estudou nas melhores escolas e, com 20 anos, viajou a Paris para estudar rádio graças a uma bolsa. Na França, Pol Pot conheceu as ideias marxistas e aproximou-se do Partido Comunista Francês. Retornou ao Camboja em 1953, com 28 anos, unindo-se imediatamente ao movimento comunista e à luta pela independência, conquistada no ano seguinte. Em 1962, Pol Pot assumiu o controle do Partido Comunista do Camboja tornando-se Secretário-Geral (cargo que ocupou até 1981). Fugindo às perseguições do governo de Sihanouk, refugiou-se na floresta, onde começou a organizar e armar um grupo de resistência baseado nas táticas de guerrilha, o Angkor/Khmer Vermelho. Na estrutura do grupo, ele era o “Irmão número 1”. Na foto, da década de 1980, Pol Pot no seu santuário de Phnom Malai, na faixa de fronteira com a Tailândia.
O Partido Comunista do Kampuchea foi muito influenciado pelo forte stalinismo do PC francês, dado o contato que alguns dos quadros mais expressivos, como Pol Pot, lá estabeleceram. Contudo, o desenvolvimento do pensamento comunista no Camboja foi bastante tortuoso, com influências hora de Enver Hoxha, da Albânia, hora da China maoísta, predominantemente. Além disso, o ultranacionalismo foi uma característica do regime Khmer, que mesclou a idealização do glorioso Império Angkor (IX-XV) com o temor aos vizinhos – outrora ocupantes – vietnamitas e tailandeses. A presença vietcong durante a guerra do Vietnã aguçou esse sentimento.
No poder, o Khmer Vermelho atacou explicitamente chineses, tailandeses e vietnamitas. Mesmo membros de alta posição no Partido que não pertenciam à etnia khmer foram destituídos e mortos. A diferença étnica aparece sobremaneira no campo religioso, com intensa perseguição aos cristãos e muçulmanos, especialmente a minoria Cham, que ocupava terras centro-orientais. Líderes religiosos foram executados assim como os que se recusaram a abjurar. A catedral católica de Phnom Penh foi demolida.
“Manter você não é um benefício, destruir você não é uma perda“. A sentença macabra não tem fonte unívoca, mas os sobreviventes dos massacres a recordam com clareza. Era a mensagem, transmitida como um mantra, por seus algozes.
Ao assumir o poder o novo regime instaurou o “Ano Zero” deixando clara sua intenção de recomeçar a História fazendo tabula rasa do passado. Projetos de reengenharia social com custos humanos indizíveis foram comuns aos regimes comunistas, mas o Camboja do Khmer Vermelho chegou ao limite da entropia social, com pessoas sendo literalmente sugadas para dar vida à Nova Sociedade onde haveria justiça e igualdade. Estima-se que em menos de quatro anos 25% da população do país tenha morrido por fome, cansaço, doenças básicas e execuções. Entre 1,5 e 2,2 milhões de pessoas, num total de 8 milhões!
Seguindo o modelo chinês, Pol Pot estava convencido de que o “comunismo agrário” era o que a sociedade cambojana precisava e que, para implantá-lo rapidamente seria necessário eliminar todos os setores da sociedade que representassem o passado desigual. Os alvos primordiais foram as famílias mais abastadas e educadas, incluindo professores, médicos, advogados, policiais, ex-funcionários do governo, vistos pelo regime como membros da “velha sociedade” e “inimigos de classe”.
O novo país surgia destruindo seu capital humano intelectual, cultural e científico. Em grandes expurgos, as forças do regime identificavam os “frutos podres” e “inimigos do povo”, eliminando os acusados e seus familiares, inclusive crianças de colo. Os dirigentes do Khmer explicavam que a eliminação sistemática dos inimigos visavam a purificar a sociedade cambojana de toda influência externa, como o capitalismo, a cultura ocidental, a vida urbana, as religiões – tudo isso deveria ser eliminado em favor de uma forma extremada de comunismo camponês.
Assim, estrangeiros partiram; embaixadas foram fechadas; toda a assistência médica e econômica externa foi recusada; o uso de idiomas estrangeiros foi proibido, assim como jornais, canais de televisão, rádios, telefone; o dinheiro foi banido; os negócios, fechados; as religiões, coibidas; o sistema educacional, o de saúde, a autoridade parental e a família foram oficialmente abolidas.
O caminho para a nova sociedade passava pela adoção de um Plano Quadrienal, ou seja, pela planificação da economia pelo Estado, cujas metas eram a coletivização de todas as propriedades e a produção em larga escala de arroz. Para dispor de mão de obra e atingir as metas, o Khmer Vermelho evacuou as cidades, desorganizando redes que demoram tempo para serem construídas. Na capital, Phnom Penh, dois milhões de habitantes foram obrigados a seguir, sob a mira de armas, quilômetros a pé em direção às áreas rurais. Estima-se que 20 mil andarilhos tenham morrido só nessa retirada.
Evacuação forçada de Phnom Penh, em abril de 1975
Como na China, as cooperativas deveriam substituir as famílias e, para tanto, os indivíduos eram separados e reorganizados em equipes de trabalho, começando pelas crianças. A jornada de trabalho era de 18 horas por dia com uma dieta alimentar insuficiente e descanso mínimo, supervisionados por soldados que atiravam pela menor infração. Mesmo famintas, as pessoas eram proibidas de comerem as frutas e arroz que produziam, pois a colheita destinava-se ao Khmer – membros do exército e do partido. Para os trabalhadores, a ração era de cerca de 180 gramas de arroz por pessoa, de dois em dois dias. Milhares morreram por inanição e exaustão.
O Museu do Genocídio de Tuol Sleng, e os Campos da Morte de Choeng Ek são dois dos principais locais para se aprender a história do Camboja sob o domínio do Khmer Vermelho.
O Museu situa-se em um antigo edifício que abrigava o centro de prisioneiros conhecido como S-21, o mais temível de todos. No espaço das salas de aula de uma antiga escola, foi instalado um centro de tortura, interrogatórios e execuções por onde passaram 15 mil a 30 mil prisioneiros, dos quais apenas sete sobreviveram para contar a tragédia. O Khmer Vermelho fotografou a grande maioria dos presos e deixou um arquivo fotográfico. Hoje, quase 6 mil desses retratos cobrem as paredes do museu.
Os campos de extermínio de Choeng Ek estão localizados a cerca de 15 quilômetros de Phnom Penh. A maioria dos prisioneiros mantidos em cativeiro no S-21 foram levados para os campos para serem executados e depositados em uma das aproximadamente 129 valas comuns. Estima-se que as sepulturas contenham os restos mortais de mais de 20 mil vítimas. Após a descoberta do local, em 1979, os vietnamitas o transformaram em memorial e armazenaram crânios e ossos em um pavilhão de madeira de paredes abertas.
Fonte: United States Holocaust Memorial Museum
Dia 21 de dezembro de 1978 o exército vietnamita lançou uma grande ofensiva e invadiu o Camboja, com apoio da coalizão Frente Unida para a Salvação Nacional do Kampuchea. No 7 de janeiro de 1979, Phnom Penh foi tomada e a tirania do Khmer Vermelho chegou ao fim. Pol Pot e seus homens não se renderam. Partiram para a Tailândia, de onde iniciariam uma prolongada resistência armada aos governos cambojanos até o fim dos anos 1990, quando a mudança de contexto internacional selou o destino do Khmer Vermelho e de seus líderes. Em 1979, Pol Pot foi julgado in absentia e sentenciado à morte por crimes de genocídio pelo governo instalado pelos ocupantes vietnamitas.
No 10 de janeiro de 1979, a Frente Unida para a Salvação Nacional assumiu o poder e renomeou o país: República Popular Kampuchea, mantendo a linha socialista. O programa do governo era reunificar a população; elaborar uma Constituição (adotada em 1981) para um “Estado democrático rumo ao socialismo”; retomar a política de não-alinhamento no plano externo e encerrar os confrontos com o Vietnã (com quem rapidamente assinaram um acordo de amizade e cooperação que era um reconhecimento de hegemonia do vizinho).
O problema foi a comunidade internacional não reconhecer o novo governo, justificando a existência de movimentos de oposição armada como o Khmer Vermelho, e não-armada, como o príncipe Sihanouk. Em 1985 os combates se tornaram tão intensos que formou-se uma onda de refugiados em direção aos países vizinhos.
Enquanto isso, a vida nos vilarejos e cidades tentava se recompor. A ajuda econômica internacional nesse período foi fundamental para impedir a fome generalizada. Aos poucos o Partido Revolucionário do Povo, eixo do regime pró-vietnamita, conseguiu impor seu controle sobre a maior parte do território e, na prática, mantinha uma ditadura menos radical. Naqueles anos, foram descobertas e expostas dezenas das valas comuns abertas pelo Khmer Vermelho para enterrar suas vítimas.
Em setembro de 1989, com o declínio da União Soviética, o Vietnã anunciou que se retirava integralmente do Camboja. Em 1991, chegou-se a um plano de paz entre o governo e os grupos armados. Ele estabelecia um novo governo formado por um Conselho Nacional Supremo (SNC, na sigla em inglês), coalizão de todas as facções, sob a presidência do príncipe Sihanouk. Enquanto isso, a Autoridade Transicional da ONU no Camboja (UNTAC) supervisionaria a administração do país por dois anos, até a realização das eleições. O país passou a se chamar Estado do Camboja e o budismo voltou a ser reconhecido como religião oficial.
O controle sobre algumas áreas fez com que o Khmer Vermelho tivesse sido aceito na mesa de negociações pela ONU – uma piada de mau gosto para muitos cambojanos – e mantivesse influência até ser definitivamente posto na ilegalidade, em 1994, ao mesmo tempo em que os ex-combatentes foram anistiados.
Quanto a Pol Pot, ele assistiu ao definhar de suas tropas até ser capturado por outro antigo chefe do Khmer Vermelho, Ta Mok, que o manteve “prisioneiro” na sua base. Entretanto, a comunidade internacional pressionava pela entrega de Pol Pot a tribunais no exterior, o que o foi finalmente aceito, em abril de 1998. Coincidentemente, Pol Pot morreu de ataque cardíaco na noite em que Ta Mok anunciou sua entrega.
Para os cambojanos, aos tormentos impostos pelo Khmer Vermelho somou-se o dos campos minados, indiscriminadamente usados nos anos oitenta e responsáveis por milhares de mortos e mutilados. O Vietnã criou, no Camboja, o maior campo minado do mundo, o K-5, que se estendia do Golfo da Tailândia até a fronteira com o Laos e pretendia conter o avanço das forças da guerrilha inimiga.
Museu dos Campos Minados, no Parque Nacional Angkor, no Camboja
Em 1997, o governo de Norodom Ranariddh requisitou à ONU assistência para estabelecer um tribunal que processasse os antigos líderes do Khmer Vermelho. Em 2001, o parlamento do Camboja aprovou uma lei criando uma corte específica para julgar crimes cometidos durante o período do regime do Khmer (1975-1979): as Câmaras Extraordinárias do Tribunal do Camboja (ECCC, na sigla em inglês). As Câmaras são mais conhecidas como “Tribunal do Khmer Vermelho” ou “Tribunal do Camboja”.
O Tribunal opera em território cambojano, com juízes cambojanos e estrangeiros, uma ajuda necessária decorrente das fragilidades do sistema judicial no país. O governo pediu participação estrangeira também devido ao caráter internacional dos crimes a serem julgados – a palavra genocídio já estava colada ao Khmer Vermelho e seus dirigentes. A ONU criou o seu Tribunal do Khmer Vermelho (UNAKRT, na sigla em inglês) para dar assistência às Câmaras Extraordinárias.
Sessão do Tribunal do Camboja, que julga os líderes do Khmer Vermelho, em Phnom Penh, no início de 2017
O ECCC pode processar apenas duas categorias de acusados por crimes cometidos entre 17 de abril de 1975 e 6 de janeiro de 1979: 1) líderes sêniores do Partido Kampuchea Democrático (Khmer Vermelho); 2) aqueles considerados os mais responsáveis pelas graves violações das leis nacionais e internacionais.
Em 2007, o Tribunal do Khmer começou a operar efetivamente, com a prisão de Nuon Chea – o “Irmão número 2” – por crimes contra a humanidade; em 2009, foi a vez de Kaing Guek Eav – o Duch – chefe do campo S-21 (o campo da morte de Tuol Sleng que agora abriga o Museu do Genocídio); depois veio Khieu Samphan, outro chefe do Partido. As acusações são crimes contra a humanidade, deslocamentos forçados de pessoas, tortura, desaparecimentos, ataques à dignidade humana.
A exorbitância do número de vítimas produziu imediata associação com o crime de genocídio e assim o desastre humanitário cambojano passou a ser chamado. Porém, a palavra genocídio foi tipificada no Direito Internacional e pressupõe certas características que não se aplicam ao caso cambojano (pois mesmo que o Khmer Vermelho tenha perseguido minorias, não era esse o foco dos expurgos). De fato, observa-se que os crimes imputados aos condenados estão classificados pelas leis internacionais como crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas não o crime de genocídio propriamente dito.
Em 2018, parece que parte da sociedade cambojana deseja encerrar o capítulo “Khmer Vermelho” e construir uma nova imagem para o país, distinta dos “campos da morte”. Os jovens certamente o querem. Esse é um dos argumentos do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sem, para se opor à abertura de novos processos pelo ECCC.
Se assim for, está concluído o trabalho das Câmaras Extraordinárias do Tribunal do Camboja (ECCC). O tribunal se encerra com muitas críticas em razão da morosidade, poucos resultados e alto custo. Efetivamente, foram três condenações, a primeira, de Duch e agora as condenações à prisão perpétua do “Irmão número 2”, agora com 92 anos, e Khieu Samphan, com 87.
Focando na questão do genocídio, a corte acusou a ambos de atacar as comunidades étnicas de vietnamitas-cambojanos e de muçulmanos Cham com a intenção de eliminá-los do seio da sociedade cambojana. As discussões foram prolongadas e não houve unanimidade sobre os veredictos, pois a “intencionalidade do extermínio” que caracterizaria o genocídio é negada por alguns especialistas. Porém, no caso dos vietnamitas cambojanos, a comunidade foi reduzida a zero! Quem não fugiu foi morto. Os Cham perderam 36% de uma população de trezentos mil. No fim, Nuon Chea foi condenado por crimes contra a humanidade e Khieu Samphan, pelo genocídio dos vietnamitas. Ele foi o único condenado por esse crime.
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