Reza um velho ditado que os únicos amigos dos curdos são as montanhas, onde eles se escondem quando vêm os inevitáveis conflitos.
Não deveria ter sido surpresa, portanto, o anúncio do presidente americano Donald Trump, em março deste ano, quando afirmou que os Estados Unidos iriam retirar suas forças de estabilização do nordeste da Síria. Ainda que qualquer anúncio de Trump deva ser recebido com uma dose de ceticismo – e, neste caso, tudo vai depender da preocupação dos americanos com a influência iraniana na Síria e a necessidade de manter uma presença dos EUA lá – trata-se de um golpe duro contra os curdos.
Os curdos sírios, através da YPG, sua milícia masculina, a YPJ, a feminina, e, depois, das Forças Democráticas Sírias (SDF), garantiram a erradicação do Estado Islâmico do norte da Síria. Onde outros exércitos haviam falhado – vide o apelido dado para as forças iraquianas que desertaram em Mossul diante dos fundamentalistas do Estado Islâmico (I Ran Away Quickly) – os curdos sírios garantiram a liberação de Kobane e outras cidades no norte e, por fim, tomaram Raqqa, que era a capital de facto do Estado Islâmico.
Durante todo esse tempo, os EUA ignoraram as pressões do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, para que parassem de armar os curdos sírios. O PYD, partido que manda em Rojava – como os curdos denominam seu território na Síria – é aliado próximo do PKK, o Partido dos Trabalhadores Curdos, considerado terrorista pela Turquia e outros países.
Em janeiro deste ano (2018), ficou claro que os curdos seriam rifados pelos americanos. Quando a Turquia começou a ofensiva sobre Afrin, capital do cantão curdo de mesmo nome, no noroeste da síria, os americanos lavaram as mãos. Somos aliados dos curdos apenas no combate ao Estado Islâmico, disseram. A oeste do rio Eufrates, o problema é entre vocês e os turcos, e nós não vamos ajudar. No raciocínio dos americanos, não vale a pena comprar uma briga com a Turquia, membro da OTAN, por causa dos curdos.
As forças turcas tomaram Afrin e deixaram um mar de refugiados (e ressentimento) curdos. No fim de março, veio o anúncio de Trump trazendo ainda mais incerteza.
Os curdos mantêm controle de uma área equivalente a 30% do território da Síria. Mas é um controle frágil, como mostra a perda de Afrin. Eles dominam a região nordeste do país, a leste do rio Eufrates. A oeste do Eufrates, o controle é de rebeldes apoiados pela Turquia. Ao sul, forças do exército sírio, apoiadas pelo Irã e pela Rússia. O Estado Islâmico sobrevive apenas em pequenos bolsões no leste da Síria, na fronteira com o Iraque.
Começam a transpirar notícias de que os curdos vão ajudar as forças de Assad na ofensiva em Idlib, considerado o último reduto da oposição, apoiada pela Turquia. O movimento é condenado pelos Estados Unidos. Entretanto, além do ressentimento com a “traição” do aliado americano, os curdos estão pensando em seu futuro.
Em 2012, um ano depois do início da guerra na Síria, quando as forças do ditador Bashar al Assad se viam cada vez mais sufocadas pelos ataques da oposição e de extremistas perto de Damasco e no litoral, Assad firmou um acordo tácito de não agressão com os curdos. O Exército sírio praticamente desapareceu das regiões curdas para se concentrar nas áreas sob maior ameaça. As regiões curdas escaparam dos ataques aéreos do governo sírio, que mataram dezenas de milhares nos redutos da oposição. Mas, agora, esse “pacto de não agressão” está sendo posto em xeque.
Na medida em que Assad derrota a oposição, inclusive grupos extremistas, e segue “ganhando” a guerra, aproxima-se o momento em que ele buscará recuperar o controle efetivo sobre as áreas curdas. O governo curdo não quer Rojava independente, mas quer manter a autonomia conquistada, inclusive o controle sobre suas forças de segurança. Assad, no entanto, tem deixado claro que quer o controle total, inclusive sobre a segurança.
Caso Damasco e a YPG cheguem a um acordo, isso não garantirá paz para Rojava. Os turcos ameaçam avançar para territórios a leste do Eufrates, para formar uma espécie de faixa de segurança livre de curdos ao longo da fronteira entre Síria e Turquia. A retirada total das forças americanas do norte da Síria será percebida como uma grande traição aos curdos, ao mesmo tempo em que abre terreno para o avanço do cada vez mais autoritário Erdogan.
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