EXTREMA-DIREITA PROMOVE VIOLÊNCIA NO REINO UNIDO

      

Elaine Senise Barbosa

 19 de agosto de 2024

 

Quase um mês após as eleições gerais no Reino Unido trazerem de volta ao poder o Partido Trabalhista, com clara derrota do Partido Conservador, o mês de agosto começou com uma violenta onda de protestos em diversas cidades do país. Motivados por boataria difundida nas redes sociais por grupos de extrema-direita, centenas de pessoas saíram às ruas em manifestações anti-islâmicas, xenófobas e racistas, atacando mesquitas e centros de hospedagem para imigrantes e enfrentando a polícia deixando dezenas de feridos.

Tudo começou no dia 29 de julho, quando crianças da cidade de Southport participavam de uma oficina temática e foram atacadas por um jovem. Ele matou três meninas a facadas, feriu oito crianças, cinco delas gravemente, e mais dois adultos, antes de ser detido e preso pela polícia. A princípio, as autoridades disseram que o assassino tem 17 anos e, por isso, sua identidade será preservada no andamento das investigações.

EXTREMA-DIREITA PROMOVE VIOLÊNCIA DO REINO UNIDO

Tommy Robinson é o fundador da Liga de Defesa Inglesa (EDL) e utiliza as redes sociais para impulsionar discursos xenófobos e islamófobos

Enquanto o país lamentava a tragédia, grupos de extrema-direita começaram a circular a falsa notícia de que o rapaz era muçulmano e imigrante recém-chegado em um bote pelo Canal da Mancha, e de que era preciso ir às ruas demonstrar o descontentamento em relação à crescente entrada de estrangeiros não brancos e não-cristãos. No dia seguinte ao crime, o que começou como uma vigília de moradores no centro de Southport terminou com 50 policiais feridos nas proximidades de uma mesquita

A partir de então e nos dias seguintes, mesquitas e centros de abrigo para imigrantes que aguardam o julgamento de seus pedidos de asilo foram atacados em cidades como Liverpool, Manchester, Hull, Blackpool e Belfast. Em Londres, mais de cem pessoas foram presas em Whitehall, próximo à Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro. Em todas as partes as palavras de ordem entoavam “parem os barcos” (de imigrantes que cruzam o Canal da Mancha) e “salvem nossas crianças”, enquanto tijolos, barras de ferro, bombas de gás e garrafas eram atirados contra as barreiras policiais, abrigos e comércios de “estrangeiros”.

Em meio ao caos, a polícia informou que o autor dos crimes nasceu em solo inglês, filho de pais católicos vindos de Ruanda. Foi irrelevante para todos aqueles que convocaram os protestos e decidiram sair às ruas.  

 

A nova extrema-direita

A polícia já identificou os polos irradiadores dos boatos e incitações à revolta. Sem surpresa, encontraram as conhecidas agremiações de extrema-direita, algumas com décadas de existência. A Grã-Bretanha conhece organizações e partidos com esse perfil desde os anos 1920.

EXTREMA-DIREITA PROMOVE VIOLÊNCIA DO REINO UNIDO

Emblema e bandeira da Liga de Defesa Inglesa, um dos principais grupos de extrema-direita do Reino Unido

Contudo, o personagem mais citado nesse momento, Tommy Robinson (pseudônimo de Stephen Yaxley-Lennon), tem se destacado por apresentar um discurso abertamente xenófobo, islamofóbico e – isso é importante -, de desafio ao “sistema”, que ele acusa de ser dominado por uma grande conspiração de globalistas e judeus. Em 2009, Robinson fundou o Liga de Defesa Inglesa (EDL) que, teoricamente, foi obrigada a encerrar suas atividades há mais de uma década. Membros de outros grupos de extrema-direita e suas contas na rede social X (ex-Twitter) também foram apontados. É o caso do Alternativa Patriótica, um dos organizadores dos protestos que pediam deportação em massa.

A nova geração, parida pela revolução da informática e das comunicações em tempo real, não se organiza a partir de uma estrutura institucionalizada, como antigos partidos, sindicatos ou entidades civis. São pequenos grupos que vão se formando nas redes sociais, mais por força dos algoritmos do que por associação espontânea, afinal, todo mundo pode ser um “influencer” se conseguir alguns milhares de seguidores. Isso significa que não existe liderança formal, e que a disseminação das (des)informações se dá em velocidade de PG (progressão geométrica).

O Telegram tem se destacado entre os aplicativos usados por grupos de direita radical para disseminarem desinformação e organizarem protestos. Agora esse papel é dividido com a plataforma X, de Ellon Musk, que passou a hospedar o canal de Tommy Robinson, banido pelo Twitter. A plataforma tem cerca de 2,7 milhões de seguidores em todo o Reino Unido, mas saltou para 3,1 milhões nos dias seguintes ao assassinato das meninas.

 

A velha direita que se deixa sequestrar

Como em outros países, o Reino Unido também viu o tema da imigração ganhar bastante espaço nessa última eleição. Uma pesquisa realizada no início desse ano mostrou que para 52% dos britânicos os níveis de imigração no país são elevados. Há apenas dois anos eram 42%, é uma diferença substancial. Contudo, e isso talvez também ajude a explicar a derrota do Partido Conservador, a pesquisa revela que para a maioria das pessoas a chegada dos imigrantes é essencialmente benéfica.

EXTREMA-DIREITA PROMOVE VIOLÊNCIA DO REINO UNIDO

Imigrantes e refugiados se arriscam na travessia do Canal da Mancha, partindo da Europa continental para a Grã-Bretanha

O que tem ocorrido ao Partido Conservador é o mesmo fenômeno que outros partidos de direita vem experimentando: a pressão para incorporar discursos e propostas cada vez mais radicais, retrógradas mesmo, para não perderem os votos para essa nova extrema-direita que cresceu junto com as novas plataformas de comunicação digital e sua incontrolável rede de desinformação. A lei aprovada de enviar solicitantes de asilo para aguardar o processamento dos pedidos em Ruanda é o exemplo mais gritante.

O resultado é que, hoje, a média dos membros do Partido Conservador é mais xenófoba e intolerante do que a média da população. Por exemplo, enquanto apenas 30% dos britânicos acreditam que o islamismo é uma ameaça ao seu modo de vida, 58% dos deputados do PC estão de acordo, informa o jornal The Guardian. Isso significa que a extrema-direita está vencendo a disputa pela normalização das ideias bizarras, e isso é grave.

 

É preciso chamar as coisas pelo seu nome

As organizações de extrema-direita crescem e radicalizam cada vez mais para gerar maior engajamento. Apesar de diversas e descentralizadas, seu ideário compartilha mais semelhanças do que diferenças, e uma delas, é sobre a validade no emprego da violência contra pessoas comuns para atingir determinados fins.  

É para essa nova forma de organização autônoma e violenta que a principal organização dedicada ao estudo da extrema-direita no Reino Unido, Hope not Hate,  alerta: é preciso chamar as coisas pelo seu nome, e o que esses pequenos grupos supremacistas fazem não é “coisa de hooligans”, é terrorismo mesmo. O fato de tratá-los como “vândalos” – como disse o novo PM – faz com que tanto a sociedade quanto as forças de segurança continuem a ver e pensar pelas lentes da islamofobia. Isso porque “terrorismo” foi quase transformado em sinônimo de muçulmano depois do 11 de setembro.

E enquanto apenas uma ameaça de organizações de extrema-direita é investigada, outras seis se referem a grupos islâmicos. Mas, em março de 2022, o comissário assistente Matt Jukes, chefe de antiterrorismo, disse que de cada 20 menores de idade presos por envolvimento com crimes de terrorismo, 19 estavam ligados a ideias de extrema-direita.

O governo britânico conta, há mais de uma década, com um sistema de prevenção ao terrorismo doméstico chamado Prevent. Uma de suas premissas é que é preciso evitar que os jovens se envolvam com esses grupos clandestinos na deep web. O problema é que para a comunidade muçulmana esse programa tornou-se suspeito de espionagem e delação, apenas reforçando a islamofobia. Mas a crescente onda de ataques “isolados” e ameaças frustradas pelos agentes de segurança, demonstram que o Prevent precisa olhar rapidamente para seus próprios cidadãos.

Uma semana após as manifestações violentas, em 7 de agosto contramanifestações antirracista e antifascista reuniram milhares de pessoas e tomaram conta das cidades do Reino Unido para dizer que a maioria da população não concorda com os radicais ultranacionalistas. 

Aos Estados democráticos cabe empreender ações legais capazes de reprimir e evitar que o radicalismo se espalhe a partir de dentro. A presença maciça de cidadãos nas ruas por todo o país, em manifestações muito maiores e mais representativas, deve ser compreendida pelo novo governo do Partido Trabalhista.            

 

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