QUEM VAI CHORAR POR CUBA?

 

Elaine Senise Barbosa

27 de novembro de 2023

 

Os Jogos Pan-Americanos de 2023, realizados em Santiago (Chile) e encerrados em 5 de novembro, tornaram-se parte de uma outra lista: a que conta quantas vezes esportistas cubanos aproveitaram para fugir e não retornar a Cuba. Dessa vez foram oito atletas, sendo que uma delas já entrou com pedido de refúgio político.           

Exemplos? Em 2015, depois do Pan de Toronto, ao menos 30 atletas cubanos desertaram. Em 2021, no México, durante o Campeonato Mundial sub-23, metade (12) dos jogadores de beisebol abandonaram a delegação. No ano passado, três atletas fugiram após a disputa do Mundial de Atletismo realizado em Eugene, nos Estados Unidos. Poderíamos recuar até 2007 e os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, quando dois boxeadores fugiram, pediram asilo ao governo brasileiro e dias depois foram enviados de volta à ilha porque o presidente Lula da Silva achou mais importante agradar Havana do que acatar as convenções internacionais sobre direito de refúgio que o Brasil subscreve. 

Os esportes sempre foram muito valorizados pelos partidos comunistas pois oferecem excelente “material de propaganda” para seus regimes. Mesmo nos últimos anos, com o agravamento da crise econômica, atletas ainda constituem uma elite em Cuba, com acesso a nutrição adequada (enquanto cada vez mais gente vive em carência), a tratamento médico e odontológico (a escassez de remédios é um problema grave em todo o país), e à mais cobiçada de todas as vantagens: viajar para o exterior para participar de competições.

É preciso encarar os fatos e perguntar por que logo essas pessoas fogem? Por que desertam indivíduos relativamente privilegiados, geralmente jovens e submetidos ao discurso patriótico em tempo integral?

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A delegação de Cuba em Santiago do Chile, dias antes da fuga de oito de seus atletas

Algo de podre em Cuba…

Nos últimos dois anos, mais de 300 mil cubanos deixaram a ilha. O relatório 2022/2023 da Human Rights Watch sobre Cuba informa que, em nove meses (janeiro a setembro de 2022), a Patrulha de Fronteira dos EUA deteve mais de 200 mil cubanos. Por que fogem?

Em agosto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou que o país sofre “um colapso do sistema público de saúde” e um “aumento generalizado da pobreza e da desigualdade”. Meses antes, as autoridades cubanas reconheceram haver uma crise no serviço de energia do país que “paralisava uma parte importante da economia”. Prolongados apagões no final do mês de julho desencadearam vários focos de protestos populares, duramente reprimidos pelo governo. Cenas de protestos foram gravadas por todo o país.

Os últimos anos foram muito duros para a população cubana, especialmente após a pandemia de Covid-19, que derrubou o turismo, que representa atualmente a principal fonte de divisas do país. Uma das acusações feitas pelos ativistas e defensores dos direitos humanos é que Havana continua investindo na construção de hotéis, enquanto parcelas cada vez maiores da população não têm acesso a saneamento básico ou tratamento médico, e cada vez mais gente vive nas ruas.

Em 2021, a organização de uma manifestação pacífica por parte de agentes culturais de Havana, ocorrida em 11 de julho (11J), tornou-se o marco do endurecimento explícito da ditadura do Partido Comunista Cubano. Pessoas comuns foram às ruas porque não suportaram mais estar calados frente a tanta decadência. Falta energia, falta transporte, falta saneamento básico simples, as casas e edifícios estão desmoronando, a escassez de comida já é caso antigo. Um aspecto positivo das redes sociais é que, no Instagram, existem algumas páginas mostrando tudo isso em tempo real.

 

Ditadura sem disfarce

Mas o Partido não pensa assim. A velha acusação de ingerência externa ainda serve, ao menos para manter apoios diplomáticos de governos amigos, que se recusam a registrar as evidências de que o regime se tornou o maior inimigo do povo. A elite econômica do país, constituída pelos dirigentes do Partido, prospera à custa do empobrecimento brutal da população. A nova onda emigratoria cubana tem pouca a ver com ideologia: o que a move é a sobrevivência.        

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A crise econômica e social em Cuba manifesta-se em cenas como essa

 

Autoritário e farsesco, o governo de Miguel Díaz-Canel intensificou a repressão policial e realizou centenas de prisões, incluindo de menores de idade. Hoje existem mais de mil presos políticos em Cuba. Proporcionalmente, é a quinta maior taxa de encarceramento do mundo. Os que já passaram por julgamento foram condenados por diferentes variedades de “perturbação à ordem” e “ameaça ao Estado”, com longas penas de prisão. Muitos ficaram retidos durante meses sem nenhuma acusação formal, sendo liberados para prisão domiciliar ou com “sugestões” para que deixem o país. 

De acordo com o relatório da Human Rights Watch, a superlotação é a regra nas prisões e aqueles que se insubordinam são punidos com longos períodos de isolamento em solitária, espancamentos, restrição às visitas de familiares e médicos. Grupos de direitos humanos não conseguem obter autorização para visitar os cárceres. Em maio, a Anistia Internacional exigiu a libertação dos artistas e presos políticos Luis Manuel Otero Alcántara e Maykel “Osorbo” Castillo, assim como do líder da oposição José Daniel Ferrer, declarados “prisioneiros de consciência” pela organização.

Segundo a exilada Camila Rodríguez, “a repressão se intensificou após a entrada em vigor do novo Código Penal (…), que estende a pena de morte para cerca de 20 crimes, a maioria deles de natureza política, e penaliza o recebimento de fundos para apoiar a sociedade civil com até 10 anos de prisão. Ao mesmo tempo, não foram anunciadas quaisquer disposições que legalizem os direitos de reunião e associação pacíficas.”

 

Quem vai chorar por Cuba?

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Luis Barrios Diaz, 37 anos, pai de um menino de 6

A falta de assistência médica ao preso Luis Barrios Díaz causou sua morte por broncopneumonia. Condenado a nove anos de prisão, Luis era mais um do milhar de presos políticos que existem em Cuba desde o “11 J”. Seu genro relatou que “os guardas que o levaram (até o hospital) disseram não ter combustível para substituir o guarda que estava cuidando dele, e que no hospital não havia antibióticos para tratá-lo”. Por esses motivos, Luis foi levado de volta à prisão, morrendo horas depois.

Foram registrados vinte casos de pessoas que morreram sob custódia do Estado desde 2022. Nesse momento, outra meia dúzia de presos do 11J, apresentam condição de saúde extremamente debilitada. A recusa de tratamento médico tem sido considerada pelas agências humanitárias como uma forma de tortura.

Foi sob o impacto da morte de Barrios Diaz que o representante especial da União Europeia para Direitos Humanos, Eamon Gilmore, chegou a Havana na semana passada para participar do IV Diálogo sobre Direitos Humanos União Europeia-Cuba, criado a partir do acordo firmado em 2016 entre o governo cubano e a EU. Os ativistas e familiares de presos, dentro e fora do país, cobraram de Gilmore que ele buscasse contato com esses familiares e procurasse visitar alguma penitenciária, porque nenhuma organização tem autorização para visitar os cárceres. Pediram, ainda, que fizesse uma declaração mais contundente a favor dos direitos dos presos e das condições arbitrárias e desumanas em que se encontram.

Para os ativistas, sem isso a visita do representante europeu pode ter o efeito de legitimar o regime. Além disso, lembram, Cuba apoia a Rússia na invasão da Ucrânia e nesse momento, inclusive, jovens cubanos estão sendo levados para lutar no leste europeu. Todos estão de acordo sobre a positividade da existência do acordo, mas cobram que a entidade europeia busque atores da sociedade civil para participarem desses “diálogos”.

Javier Larrondo, presidente da ONG Prisioners Defenders declarou ao jornal Diário de Cuba: “Há uma crença na esquerda europeia de que Cuba poderá se desenvolver se o embargo for eliminado. Não se dão conta de que Cuba não está construída com a intenção de se tornar uma democracia, é o pátio da família Castro, e esse pátio deve ser mantido como for, via Chávez ou Rússia, mas nunca com direitos e liberdade, porque então o sistema se acaba. Aqui, o único que bloqueia é o governo de Cuba.”

 

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