EUROPA FECHA O CERCO AOS MIGRANTES

 

Fachada da Agencia Europeia de Migração e Asilo EUAA

Agência da União Europeia para o Asilo

 

Os migrantes que fogem de perseguições têm um lugar na Europa?

Oficialmente, sim. “A União Europeia é um espaço de proteção para pessoas que fogem de perseguições ou ofensas graves em seu país de origem. O asilo é um direito fundamental e uma obrigação internacional dos países, conforme reconhecido na Convenção de Genebra de 1951 sobre a proteção dos refugiados.” Eis o que diz o portal da Agência da União Europeia para o Asilo (EUAA), que substituiu o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (CEAS).

Na prática, porém, a teoria é outra.

 

O Novo Pacto sobre Migração e Asilo

Os dilemas do fluxo de migrantes imposto à União Europeia (UE) a partir de 2015 refletem-se num novo capítulo jurídico: a entrada em vigor da nova legislação sobre os procedimentos do Sistema Comum de Asilo Europeu (SECA). Nela, é evidente o endurecimento das normas quando comparada à evolução do regramento da UE a partir dos anos 1990.

O Novo Pacto sobre Migração e Asilo estabelece a padronização das regras para os processos de reconhecimento de imigrantes e refugiados. O documento estabelece como um de seus objetivos primordiais garantir maior segurança e condições dignas os recém-chegados.

A parte politicamente sensível, porém, é a que aborda a “responsabilidade compartilhada” por todos os países membros do bloco europeu.  O plano é que todos os países recebam um percentual dos migrantes, existindo a possibilidade de não acolher ninguém em troca do pagamento de uma taxa para o fundo comum europeu.

Mesmo isso não agrada a todos O primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki, do partido Lei e Justiça (PiS), criticou os “representantes de Bruxelas” por quererem obrigar o país a aceitar as novas regras. É curioso, porque o governo polonês é dos mais envolvidos na guerra da Ucrânia e o país continua recebendo refugiados ucranianos. Um peso, duas medidas…

 

Último relatório sobre migrações

O ICMPD (International Centre for Migration Policy Development) publicou em 4 de julho passado seu mais recente relatório sobre os fluxos migratórios, sobretudo os que atingem a Europa.

Os dados mostram um aumento da ordem de 64% no número de migrantes presos (327.131 mil) pela Frontex tentando cruzar irregularmente as fronteiras em 2022. Já os pedidos de asilo aumentaram em 46%. O aumento foi significativo em comparação a 2021, quando a pandemia da Covid-19 restringiu o fluxo de pessoas em todo o mundo. Contudo, ainda são números inferiores ao da crise dos refugiados sírios de 2015.

Os países mais visados pelos requerentes de asilo são Alemanha (24%), França (17%), Espanha (13%), Áustria (12%) e Itália (9%). As duas principais causas para o aumento da pressão migratória desde 2022 foram a guerra na Ucrânia, responsável pelo maior número de refugiados em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, e o volume de imigrantes indocumentados.

A Rota dos Bálcãs e a Rota do Mediterrâneo Central respondem por 75% dos ingressos irregulares na União Europeia. A primeira está ligada à presença da Sérvia, país que não integra a UE e não exige visto de inúmeros países, como Índia (cujo detenções de nacionais nas fronteiras tem chamado a atenção), Turquia e Tunísia (muitos tunisianos preferem tentar ingressar na UE via Sérvia do que se arriscar no Mediterrâneo).

Escritorio da Frontex

Escritório na sede da Frontex monitora as atividades nas fronteiras

No Mediterrâneo Central, o principal elemento para o enorme fluxo de embarcações ilegais operadas pelas máfias decorre da desorganização política da Líbia desde a derrubada do ditador Muammar Kadhafi em 2011. Contudo, os números apontam para o aumento do número de embarcações partindo da Tunísia, que já supera a Líbia.

Na Rota do Mediterrâneo Oriental predominam migrantes de origem síria (20%), afegã (11%) e nigeriana (10%). Na Rota do Mediterrâneo Ocidental, destacam-se argelinos (49%), marroquinos (41%) e sudaneses (5%). Na Rota da África Ocidental, marroquinos (36%) e senegaleses (17%).

Os migrantes provenientes do Egito, Marrocos e Tunísia têm em comum o deslocamento motivado por causas econômicas. Ao mesmo tempo, são três países estratégicos para a contenção da migração ilegal.

O governo marroquino, por exemplo, impediu que aproximadamente 56 mil pessoas cruzassem o Mediterrâneo no ano passado, ao mesmo tempo em que endurece o controle sobre a população. Já o governo egípcio, após uma série de acordos com a UE, praticamente zerou o número de embarcações partindo de seus portos, comprovando a necessidade de Estados minimamente estruturados para se obter resultados. Não por acaso, um dos principais planos do atual governo italiano para conter o fluxo migratório consistem em estabelecer acordos de cooperação com a Tunísia.

Muitos países da UE têm buscado acordos bilaterais com países que apresentam grandes fluxos de migrantes, com o objetivo de não beneficiar apenas os  países ricos, mas principalmente desenvolver cooperação para tratar da questão imigratória, como gerar empregos, fazer campanhas sobre os direitos dos imigrantes e contra o tráfico ilegal, assegurar garantias de retorno e reintegração para os repatriados.

 

Cerco fechado 

O Novo Pacto propõe que os procedimentos de fronteira sejam rápidos, de tal maneira que aqueles que não têm direito de asilo sejam rapidamente deportados. Para tanto, calcula-se ser necessário dispor de espaço e estrutura em pontos de entrada das fronteiras externas capazes de acomodar um mínimo de trinta mil pessoas. O problema é colocar a ideia em prática, como se observado em deploráveis campos de refugiados e imigrantes na Grécia. Há imensas dificuldades logísticas para a criação e manutenção de tais estruturas.

A situação a que se pretende chegar é uma ficção legal, pois não haverá registro de entrada das pessoas enquanto toda a papelada não for processada. Isso significa um limbo jurídico que facilitará a remoção dos migrantes, de volta para seus países de origem. Na prática, vai se disseminando a ideia de que a solução seria encontrar um país exterior à Europa que aceitasse receber essas pessoas. Especialmente depois que, em 2020, a Turquia parou de aceitar os imigrantes recusados pela Grécia.

Quando o governo conservador do Reino Unido firmou um acordo com o governo de Ruanda para o mesmo fim, houve reações indignadas e agora mesmo esse assunto está sob debate no país, com a Suprema Corte barrando as primeiras deportações. Visto em perspectiva, é de se temer que a medida extrema venha a ganhar força. E com a mais cândida das explicações: a responsabilidade de refúgio não desaparece, apenas transfere o problema para vizinhos distantes.

Giorgia Meloni e Mateusz Morawisek

Reunião dos chefes de governo Mateuz  Morawiecki e Giorgia Meloni, aliados na xenofobia

É por isso que acordo costurado pelo governo italiano de Giorgia Meloni com o presidente da Tunísia, Kaïs Saïed, é crucial. Ele prevê que o FMI repasse dois bilhões de euros ao país norte-africano em troca da manutenção da ordem democrática e da restauração plena dos direitos civis, num momento em que essas condições se deterioram rapidamente. Oficialmente, esse dinheiro não está destinado ao combate da emigração e os críticos do acordo apontam para o fato do presidente Saïed não ter se comprometido em receber os migrantes que chegam clandestinamente à Itália e Europa..

Os países que funcionam como fronteiras externas da Europa (e, portanto, servem de porta de entrada), são os que sofrem com o problema efetivo do destino dos migrantes que chegam às centenas, diariamente. Esses governos não aceitam mais ficar com o ônus do problema, enquanto impedem que os imigrantes sigam em direção aos destinos que realmente almejam, como Alemanha e França. Mas as ações questionáveis e muitas vezes condenáveis de autoridades de fronteira italianas, gregas ou espanholas não podem ser sustentadas indefinidamente sem que se abra uma crise na própria União Europeia. 

 

Parceiros

Receba informativos por e-mail