A Suprema Corte britânica acaba de julgar ilegal a política empreendida pelo primeiro-ministro, Rishi Sunak, e seu Partido Conservador, que pretendia transferir para Ruanda pessoas que atingiram o território inglês “ilegalmente”, com pretensões à imigração e, em muitos casos, a consistentes pedidos de asilo político.
Batizada Stop the boat (“Pare o barco”), a política lançada em 2019, no governo de Boris Johnson, propõe deter os ilegais e enviá-los para campos de refugiados em Ruanda, onde deveriam aguardar o processamento e aprovação dos pedidos de refúgio ou imigração, antes de se instalarem no Reino Unido. Os juízes consideraram que os cerca de 6.600 quilômetros de distância entre os dois países não permitem ao governo britânico garantir a segurança dos “enviados” (o mais correto seria “deportados”).
Manifestação contra deportações e racismo no Reino Unido
A ação judicial, movida por organizações que trabalham com imigrantes, levantava duas questões. A primeira: Ruanda, cujo nome traz à lembrança o genocídio, não é um país conhecido pelo cuidado com os imigrantes forçados e refugiados que recebe aos milhares em seu território, vindos dos vizinhos Uganda, Etiópia, Sudão, como atestam relatórios do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR). A segunda: transferir solicitantes de asilo e residência fere as leis sobre refúgio, tanto nacionais quanto europeias.
“Hoje é um bom dia para os contrabandistas de pessoas”, mas “um dia ruim para o povo britânico”, declarou a ministra do Interior, Suella Braverman logo após a divulgação do veredicto. Ela explica que o governo eleito se comprometeu com a resolução da crescente imigração clandestina, promovida por máfias de traficantes de pessoas que não param de ampliar seus “negócios”. Supostamente, não são os imigrantes que se combate, mais sim os coiotes, os traficantes.
Esse é o argumento legalista que a direita mais conservadora tem usado para justificar políticas deliberadas de repressão aos imigrantes e violação de direitos humanos de milhares de pessoas que tentam entrar em seus países. Os britânicos, votaram pelo Brexit, em 2016, para evitar a chegada de imigrantes legais provenientes do leste europeu. Agora, o governo britânico pretende desestimular a imigração ilegal transferindo as pessoas para outros países, o que é totalmente contrário ao espírito das leis internacionais de asilo.
O governo de Ruanda, que aceitou receber os enviados em troca de compensação financeira vultosa, comentou a decisão da corte de justiça polidamente, apenas garantindo ser capaz de cumprir o compromisso firmado e manter todos os enviados bem amparados.
O acordo prevê, por exemplo, que o governo ruandês não pode deportar pessoas expostas, cujas vidas estariam em perigo caso voltassem para os respectivos países. Mas há um detalhe a ser observado em meio a essa grande polêmica: o acordo entre o Londres e Kigali prevê que seriam aceitos meros cem refugiados. É um número ridiculamente pequeno, diante da maré de imigrantes.
Certamente o governo britânico sabia que, caso tivesse sido aprovado, o acordo não resolveria a questão. Ao mesmo tempo, nos últimos meses, a insidiosa burocracia imigratória do Reino Unido tornou o processamento dos pedidos cada vez mais lentos, enquanto as filas de requerentes ficaram cada vez maiores. Parece claro que a verdadeira política do governo Sunak é essa: criar o inferno e o temor permanente para quem se aproximar, tornando o risco alto demais. Muito civilizado. Bem britânico.
A rota que ainda brilha no imaginário da maioria dos imigrantes cruza a França em direção ao Passo de Calais, às margens do Canal da Mancha, de onde deve-se atravessar para a outra margem, atingindo as terras inglesas na altura de Dover. É um caminho bem mapeado.
O inferno – também chamado “selva” – de Calais, no lado francês do Canal da Mancha
Por isso, chama atenção a falta de diálogo entre franceses e britânicos sobre esse problema compartilhado. Praticamente inexiste qualquer coordenação entre as marinhas e guardas de fronteira dos dois países na repressão aos traficantes de pessoas, esses sim, merecedores de políticas ostensivas de repressão.
Cada vez mais isolado da Europa, o Reino Unido ameaça agora abandonar o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, do qual não deixou de ser parte mesmo após o Brexit. Foi Sunak quem sugeriu que o país poderia se retirar do órgão depois que uma decisão desse tribunal interrompeu aquele que seria o primeiro voo para Ruanda.
O fato é que o governo conservador não tem nenhuma proposta alternativa – assim como a oposição trabalhista também não têm – para abordar o tema imigratório. Contudo, já dispõe de alguns “culpados” para responsabilizar pelo fracasso: os “europeus” e os “esquerdistas” britânicos.
Paradoxalmente, os rostos dos atuais defensores da xenofobia britânica são de autoridades oriundas da imigração
Os “europeus” são a União Europeia, álibi tradicional dos conservadores britânicos. Além deles, Sunak e Braverman imprecam contra os advogados preocupados com os direitos humanos e com a correta interpretação do direito internacional, de modo a conter as tendências autoritárias de qualquer Estado.
O governo conservador prometeu recorrer da decisão da Suprema Corte, mostrando que o tema da imigração continuará mobilizando atenções e, por isso, deve ser um dos assuntos dominantes da próxima campanha eleitoral.
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