O Exército Republicano Irlandês, ou simplesmente IRA (Irish Republican Army), foi formado na ilha da Irlanda no início do século passado, quando a revolta irlandesa contra a opressão britânica saiu das manifestações de rua para a luta armada. Ao longo de séculos, a Irlanda foi capturada pelas necessidades da história inglesa, desde que Henrique VIII criou a Igreja Anglicana e o território da ilha vizinha passou a ser o visto como um lugar por onde o inimigo católico continental poderia desembarcar para atacar.
O IRA expressava o reconhecimento da desigualdade de forças e o conhecimento prático sobre a brutalidade das forças de ocupação britânicas sobre os irlandeses, sempre vistos como inimigos e inferiores “católicos”. A luta armada, a tática de guerrilha, o elemento surpresa era a única chance de chamar a atenção para o problema. O principal objetivo do IRA sempre foi obter a independência de toda a Irlanda em relação ao Reino Unido, do qual tornou-se parte involuntariamente no início do século XIX. Por isso a opção pelo republicanismo, que ressurgia na era liberal como expressão de uma ordem política mais igualitária.
O Reino Unido e as suas capitais
Assim como no caso do grupo basco ETA, a história do IRA ilustra os dilemas dos movimentos políticos que no século XX lutaram pelo direito à autodeterminação e se tornaram populares, mas, ao adotarem o terrorismo como modus operandi, perderam o apoio social que almejavam conquistar.
Existem duas fases nessa história, a primeira foi a que resultou na divisão entre Irlanda e Irlanda do Norte (Ulster) e que veremos aqui; a segunda, a partir dos anos 1960, girou em torno da disputa pelo Ulster e será contada na Parte 2.
Cristianizados a partir do século V, os povos da Irlanda estavam divididos em clãs rivais até serem parcialmente submetidos pela invasão normanda, em 1169, e postos sob a soberania do rei da Inglaterra. Trezentos anos depois, enquanto a centralização monárquica desenhava as fronteiras dos reinos europeus, o processo de Reforma Protestante contribuiu para enfraquecer a autoridade dos Papas e da Igreja.
Foi o que aconteceu no reino da Inglaterra, onde o rei Henrique VIII, da Dinastia Tudor, rompeu com a Igreja Católica em 1534. A nova Igreja Anglicana reconhecia a supremacia do rei sobre a instituição religiosa ampliando os poderes da Coroa. Os irlandeses, contudo, mantiveram-se fiéis ao Papa e a Roma, não só por questões de fé, mas como um modo de autoafirmação frente ao domínio inglês.
São Patrício e o trevo de 3 folhas (metáfora da Trindade).
Tentando evitar que a ilha vizinha fosse usada pelos inimigos católicos do continente como base para um ataque, Henrique VIII decidiu ocupar a Irlanda. A resistência local foi tenaz, mas, depois de quase 60 anos de guerra, a Irlanda foi submetida no reinado de Elizabeth I (século XVII).
Quando a Revolução Puritana depôs a monarquia inglesa (1642-1649) e o radical anticatólico Oliver Cromwell assumiu o controle do Parlamento, os irlandeses tiveram suas terras confiscadas em favor dos protestantes. Esses recém-chegados se concentraram no norte da ilha, onde as terras foram divididas em frações menores, sempre em prejuízo dos católicos.
Quando a monarquia foi restaurada, na chamada Revolução Gloriosa de 1688, o parlamentarismo foi adotado como sistema de governo. Para os irlandeses nada mudou, eles continuaram sendo tratados como inimigos, enquanto o fluxo imigratório de ingleses e escoceses aumentou incessantemente. Em 1800, o Union Act vinculou oficialmente a Irlanda ao Reino Unido da Grã-Bretanha.
Quando a “primavera dos povos” atingiu a Europa, na metade do século XIX, e a ideia de autodeterminação se tornou um pilar dos movimentos nacionalistas, na Irlanda, especialmente na cidade de Dublin, surgiram organizações católicas como a Irmandade Republicana Irlandesa. Seus membros eram conhecidos como Fenians e pregavam independência e insurreição armada contra o poder britânico.
Mas nada contribuiu mais para despertar o nacionalismo irlandês do que a Grande Fome de 1846 a 1849, provocada por uma praga na batata, que era então a base da alimentação popular. Calcula-se um milhão de mortos de fome e outro, de emigrantes que partiram para os Estados Unidos; dois milhões era algo como 25% da população irlandesa. Mas apesar de algumas medidas governamentais para reduzir a crise social, nada escondia o fato de os irlandeses estarem perdendo suas terras para os protestantes (ingleses, escoceses e galeses).
Em 1994, o primeiro-ministro britânico Tony Blair foi porta-voz de um pedido de desculpas oficial ao povo irlandês, um gesto que simbolizava o desejo daquele momento, de construir um processo de paz.
Em 1905, Arthur Griffith, um antigo membro dos Fenians, fundou o Sinn Féin (“nós sozinhos”, ou seja, independentes), um partido político cujo objetivo era conquistar a independência por meios eleitorais e institucionais. No mesmo ano, os contrários à separação fundaram o Partido Unionista do Ulster (UUP), liderado por Edward Carson.
Embora o Sinn Féin exista até hoje, o partido conheceu inúmeras subdivisões e diferentes opções táticas. A história do IRA é indissociável da história do Sinn Féin, porque durante muito tempo o partido foi a face pública da organização armada clandestina, embora partido e grupo fossem basicamente organizações distintas.
Na semana da Páscoa de 1916 irrompeu na capital, Dublin, o primeiro levante nacionalista expressivo, conhecido como “Levante da Páscoa” (Easter rising), rapidamente reprimido pelas forças leais à Coroa, que deixaram quase 500 mortos. Os líderes da rebelião foram executados após serem arbitrariamente julgados em cortes marciais; quase quatro mil pessoas foram presas e, dessas, 1800 foram deportadas. A Irlanda foi posta sob lei marcial.
A rebelião do Sinn Féin na Irlanda, em 1916. Ponte de Connel, com a cidade de Dublin ao fundo, nos escombros, onde ocorreram os combates mais violentos.
A brutalidade repressiva contribuiu decisivamente para aumentar as simpatias pela causa dentro e fora da Irlanda. E, o mais importante, deu força à opção de enfrentamento armado contra o “ocupante”, em detrimento da via política institucional. Considera-se que esse acontecimento foi o embrião do Exército Republicano Irlandês, até então divido em pequenos grupos armados independentes.
A expressiva votação obtida pelo Sinn Féin, nas eleições de 1918, deu ao partido 73 dos 105 assentos correspondentes à Irlanda no Parlamento britânico. E o impensável aconteceu: esses eleitos, reunidos em Londres em janeiro de 1919, declararam a independência da Irlanda e imediatamente anunciaram a criação de um parlamento (Dáil) em Dublin. Londres reagiu banindo o Sinn Féin e declarando todo o processo ilegal. Começava a guerra de independência da Irlanda (1919-1921).
Nesse momento as várias organizações armadas ligadas aos nacionalistas irlandeses se uniram dando vida ao Exército Republicano Irlandês (Irish Repuplican Army ou IRA). A novidade foi atuarem de forma coordenada, adotando táticas de guerrilha para atacar policiais e representantes da Coroa. A resposta britânica foi ainda mais brutal, incluindo prisões arbitrárias e o uso de técnicas de tortura para manter sob controle uma população cada vez mais indócil. Mas o modelo militarizado da luta se estabeleceu como padrão.
Os irlandeses que “fizeram a América” se tornaram importante suporte financeiro para a guerra nacionalista. O cartaz anuncia a irmandade entre a bandeira dos Estados Unidos e a verde, da Irlanda.
A escalada do conflito levou a uma difícil negociação entre Londres e Dublin. Embora os irlandeses exigissem o reconhecimento de seu autoproclamado Estado Livre da Irlanda, ou Eire (o nome da ilha na língua gaélica), e de seu governo republicano, o governo britânico jamais admitiu tal possibilidade e, em meio a ameaças de guerra, o acordo foi assinado no dia 6 de dezembro de 1921.
O combinado foi que o Estado Livre da Irlanda teria o mesmo estatuto que o Canadá, o que significava ampla autonomia com direito a um parlamento local; grande autonomia financeira; e, em contrapartida, reconhecer-se parte integrante do Império, incluindo jurar obediência ao monarca inglês; e manutenção do controle sobre certos portos considerados estratégicos pela marinha britânica.
A parte mais complexa das negociações envolvia a situação das províncias do norte (Ulster), habitadas por maioria protestante. O acordo previa a população dessas províncias teria o direito de não tomar parte do novo Estado Livre da Irlanda o que, de fato, aconteceu. Desde então a Irlanda do Norte tornou-se parte integrante do império britânico.
O tratado deveria ser ratificado pelos dois parlamentos para entrar em vigor. Em Londres tudo foi rápido, mas em Dublin as coisas se complicaram e o Dáil se dividiu. A ala encabeçada pelos negociadores do acordo Arthur Griffith e Michel Collins defendia o tratado, lembrando que em mais de uma ocasião o Primeiro Ministro Lloyd George afirmou que o fracasso das negociações provocaria guerra imediata, o que o Sinn Féin e o IRA sabiam que não poderiam enfrentar. Já os contrários a aprovação, chamados “irregulares”, eram liderados pelo presidente do governo provisório Éamon de Valera e alegavam que aceitar o acordo naqueles termos era aceitar a soberania britânica sobre toda a Irlanda.
Michel Collins foi escolhido presidente do primeiro governo do Eire, mas acabou assassinado por irlandeses anti-tratado, em agosto de 1922, em plana guerra civil.
A diferença apertada a favor do acordo desencadeou a Guerra Civil Irlandesa, iniciada em junho de 1922 e encerrada em maio do ano seguinte. O conflito foi marcado por grande brutalidade de ambas as partes, mas no fim os “irregulares” foram derrotados. Éamon de Valera rompeu definitivamente com o Sinn Féin para fundar o partido Fianna Fáil, que em pouco tempo se tornaria o partido mais importante da República da Irlanda.
Enquanto isso, o Sinn Féin e o IRA iriam se concentrar nas seis províncias do Ulster para libertá-las da opressão protestante.
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