O valor dos crimes de guerra depende de seu resultado?
Perto de completar a segunda semana de invasão da Ucrânia por tropas russas, as ações de Vladimir Putin apontam para mais uma jogada do estadista da “grande pátria russa” no intento de reconstituir o finado império – não o soviético, mas o russo. Analistas externos apontam para o alto custo político dessa agressão militar, incluindo o isolamento internacional da Rússia e a desaprovação de parcela de seus concidadãos, mas Putin está mais interessado em defender o que define como interesse estratégico do país. E, tragicamente, na sua aventura o líder russo não respeita nem mesmo as leis de guerra inscritas na Convenção de Genebra.
A ONU e a Anistia Internacional responsabilizam o presidente russo por crimes de guerra, incluindo o uso de bombas de fragmentação, proibidas desde 2010 por tratado internacional, não ratificado nem pela Rússia nem pela Ucrânia. Logo nos primeiros dias da invasão, uma escola foi atingida por uma dessas bombas. “Nada justifica o uso de bombas de fragmentação em zonas habitadas, muito menos perto de uma escola”, afirmou a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard. Uma investigação já foi pedida junto ao Tribunal Penal Internacional com assinaturas de mais de 40 países e um procurador já se encontra no local reunindo informações e provas.
Destruição de Grozny, capital da Chechênia, pela artilharia russa, em 2000
A invasão da Ucrânia conseguiu o feito de, em tempo recorde, fazer a Assembleia Geral da ONU votar uma moção de condenação à Rússia no dia 2 de março. Além disso, sanções têm sido erguidas contra o país e seus cidadãos já sentem os efeitos econômicos, o que será mais um problema para Putin administrar. Na sexta feira, dia 4, os jornais estimavam em 7 mil o número de pessoas presas na Rússia por protestarem contra a guerra.
Em resposta, a Duma (Parlamento) aprovou leis de censura que proíbem qualquer menção às palavras “guerra” e “invasão” (na Rússia só se pode falar em “operação militar especial”), e ameaçam com 15 anos de prisão quem difundir notícias consideradas hostis ao regime. Tal medida inclui jornalistas estrangeiros que atuam no país. A BBC retomou uma prática da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, voltando a transmitir programas radiofônicos em ondas curtas para levar informação a russos e ucranianos. O direito fundamental à expressão e informação não é garantido pelo governo russo nem aos seus cidadãos.
O que as ações de Putin sugerem é a disposição de repetir contra os ucranianos a mesma tática que, vinte anos atrás, deu a ele o pódio do poder nacional. Trata-se de reproduzir as táticas de terror empregadas na Guerra da Chechênia, especialmente o massacre da população de Grozny.
A União Soviética implodiu em 1991 e Boris Yeltsin era o primeiro presidente eleito da Rússia. A Ucrânia, que se declarara independente, juntou-se à Belarus para assinar com a Rússia o tratado que deu origem à Comunidade de Estados Independentes (CEI). Enquanto isso, na região do Cáucaso – uma faixa de fronteiras estratégicas no sul da Rússia – minorias étnicas começaram a agitar bandeiras separatistas.
Sepultura coletiva aberta nos arredores de Grozny, ano 2000
Na Chechênia, nacionalistas declararam independência. Moscou enviou seus tanques em 1994, dando início à Primeira Guerra da Chechênia. Grozny, a capital, foi arrasada e o morticínio de civis alcançou a casa de dezenas de milhares. Mas o exército russo não conseguiu vencer a resistência dos rebeldes e retirou-se de forma um tanto humilhante em 1996, deixando colunas de tanques destruídos pelo caminho.
Em 1999, Yeltsin contava com um novo primeiro-ministro, o então quase desconhecido Putin. Naquele ano, jihadistas chechenos cometeram atentados em Moscou deixando centenas de mortos. Como chefe de governo, Putin comandou a segunda guerra contra a Chechênia.
Grozny passou meses sob sítio, sofrendo bombardeios de artilharia pesada e de aviões. Os civis chechenos pagaram pelos atos de terror dos jihadistas, que continuavam cometendo atentados contra civis russos. Em maio de 2000 sobravam poucos focos de resistência, isolados nas montanhas. Restaram pilhas de mortos e ruínas. Dois meses antes, Putin havia sido eleito, com ampla maioria, presidente da Federação Russa.
Nascia, sobre os escombros da capital chechena, o mito putinista.
Putin nunca foi responsabilizado ou penalizado pelos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos na Chechênia. Deve se sentir à vontade para não temer punições pelo que possa ocorrer agora em termos de violações de direitos humanos. Pelo contrário: completando a segunda semana de ataques, o líder russo segue o roteiro da segunda guerra na Chechênia. À medida em que os planos russos de ocupação não se realizam na velocidade esperada e os ucranianos resistem, as forças invasoras aumentam a brutalidade dos ataques sobre as áreas civis.
Ocupar a cidade portuária de Mariupol, como já fizeram com Kherson, é um alvo estratégico porque isso permitirá aos rebeldes apoiados pela Rússia, e que controlam as regiões a leste da Ucrânia, se reunirem às tropas na Crimeia, anexada no conflito de 2014. O resultado é, que nesse momento, a população de Mariupol sofre os ataques mais violentos. Os civis não têm como escapar: um corredor humanitário negociado foi coberto de fogo de artilharia russa em 5 de março.
Alvejar escolas, creches, casas, salas de música e ópera; usar bombas de fragmentação; atingir instalações nucleares para criar pânico mundial; dificultar a retirada de mulheres, idosos e crianças – eis os expedientes utilizados por um regime russo frustrado com o fracasso da primeira ofensiva. Há, ainda, acusações de estupro de mulheres ucranianas contra soldados russos, um crime de guerra definido desde o julgamento do genocídio de Ruanda.
No domingo, 6 de março, décimo dia da guerra de agressão, contavam-se mais de 1,5 milhão de refugiados ucranianos. Enquanto isso, Putin chantageia o Ocidente afirmando que cada sanção contra a Rússia é como uma declaração de guerra… cuja pena será paga pelos ucranianos. Até a palavra anexação já começou a surgir.
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