Les Sauvages, romance de Louatah que inspirou uma série de sucesso na TV francesa
Muçulmanos que escolheram a França como sua pátria estão mudando de ideia. A nação francesa já não os quer mais, explicam, partindo para o Reino Unido, os EUA ou o Canadá em busca de paz.
“De fato, foram os ataques de 2015 que me fizeram partir, porque entendi que eles não nos perdoariam”. Sabri Louatah refere-se à série de atentados terroristas cometidos por uma célula do Estado Islâmico na noite de 13 de novembro, em Paris, que deixaram 130 vítimas fatais. Sua conclusão (“eles não nos perdoariam”) sugere que, no fim, os terroristas triunfaram, pois “eles” – isto é, os franceses – atribuíram o massacre aos muçulmanos, não especificamente aos jihadistas.
Louatah, 38, romancista e roteirista, experimentou a islamofobia, foi insultado na rua (“árabe sujo”) e recebeu uma cusparada. Francês, neto de imigrantes argelinos, mudou-se para a cidade americana de Filadélfia, onde sente-se mais seguro que em Paris. Não é um caso isolado. Especialistas registram um fluxo emigratório crescente de profissionais qualificados muçulmanos que se ressentem de discriminação social cada vez mais aguda.
Amar Mekrous, 46, filho de imigrantes, passou a infância e a juventude num dos subúrbios de Paris mas transferiu-se há pouco, com a mulher e três filhos, para Leicester, na Inglaterra. “É só fora da França que sou francês. Sou francês, casado com uma francesa, falo francês, vivo no França, amo a comida e a cultura francesas. Mas, em meu próprio país, não sou francês”.
O que significa ser francês? De acordo com a Constituição, a nacionalidade e a cidadania nada tem a ver com a origem dos antepassados ou com a religião. Na prática, porém, o “sangue” vai se tornando o fundamento do contrato nacional.
A xenofobia e a islamofobia são marcas distintivas de Marine Le Pen, candidata da Reunião Nacional, o partido da direita nacionalista francesa. Contudo, na campanha para a eleição presidencial de abril, elas passaram a ser compartilhadas por outros dois fortes candidatos: Éric Zemmour, de uma direita ainda mais extremista, e Valérie Pécresse, da centro-direita moderada.
Zemmour, um comentarista político de TV, promete conceder aos empregadores o direito de negar emprego a árabes e negros. Pécresse, candidata dos Republicanos, o partido gaullista tradicional, qualificou os subúrbios habitados por pessoas de origem árabe como “zonas de não-França”. Juntos, segundo as pesquisas mais recentes, Le Pen, Zemmour e Pécresse somam cerca de 45% das intenções de voto.
Fonte: Financial Times, 18/2/22
A vitória eleitoral pende para Emmanuel Macron, o presidente centrista que provavelmente prevalecerá no segundo turno. Mas a força dos candidatos da extrema-direita e o fracasso das candidaturas de esquerda (Mélenchon, Roussel) ou centro-esquerda (Taubira, Hidalgo) evidenciam a profunda cisão que atravessa a França. Mais grave ainda é a incorporação do discurso anti-muçulmano por Pécresse, a representante da centro-direita gaullista. Tudo indica que, desse caldeirão, surgirá uma maioria xenófoba na Assembleia Nacional.
Quase 20 anos atrás, em 2004, a França baniu o uso do véu e de outros símbolos religiosos por estudantes das escolas públicas. A lei justificava-se pelo conceito de que as meninas muçulmanas não deveriam ser identificadas como “diferentes” no espaço de igualdade cidadã das escolas. Depois, porém, as restrições aos símbolos e costumes muçulmanos se estenderam para os adultos, em todos os espaços públicos.
Em 2010, aprovou-se uma lei proibindo trajes que cubram completamente o rosto, como o niqab e a burca, mas não o hijab ou o chador (véus). Em 2021, baniu-se o uso do véu por menores de idade em qualquer área pública. Atualmente, tornou-se mais ou menos comum, embora ilegal, a prática de negar emprego a mulheres que utilizam hijab ou chador.
Uma investigação oficial de 2017 constatou que jovens negros ou de aparência árabe tinham 20 vezes mais chance de terem suas identidades requisitadas pela polícia nas ruas. Segundo as estatísticas governamentais, ataques anti-muçulmanos cresceram 52% na França em 2021. Em novembro passado, um relatório do governo trouxe a informação de que candidatos a emprego de nomes árabes tinham chance 32% menor de serem chamados para uma entrevista.
Os muçulmanos formam cerca de um décimo da população francesa. Obviamente, a imensa maioria deles não sairá do país. Mas, entre a minoria de profissionais qualificados, a emigração aparece como solução para uma discriminação que não para de crescer.
Éric Zemmour e Marine Le Pen, duas faces da “França do sangue”
Um exemplo é Elyes Saafi, 37, filho de tunisianos, cujo pai trabalhou como operário numa fábrica têxtil de Remiremont, no leste da França. Saafi casou-se com uma francesa, especializou-se na área de marketing e transferiu-se para Londres, onde trabalha como executivo de uma empresa financeira americana. Ele e Mathilde, sua mulher, deixaram sua pátria porque não a consideram um lugar seguro para criar o filho de 2 anos, que carrega um sobrenome árabe.
Myriam Grubo, 31, percorreu um trajeto paralelo. Filha de imigrantes senegaleses, formou-se em Direito Europeu e administração de projetos, nunca conseguiu emprego na França. Trabalhou na Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra (Suíça), e no Instituto Pasteur de Dacar (Senegal), antes de retornar a Paris. Agora, procura um emprego – fora da França.
“Sentir-me uma estrangeira em meu próprio país é o problema”, explica Grubo. Louatah, o roteirista que se estabeleceu na Filadélfia, experimenta o mesmo dilema. Agora, ele escreve um romance que trata do exílio. Nele, a França não será nomeada.
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