Graco Babeuf, que terminou guilhotinado em 1797, durante o governo do Diretório
Foi em 1794, durante o período da ditadura jacobina na Revolução Francesa, que a expressão “terrorista” surgiu no vocabulário político. Foi empregada pelo jornalista e agitador político Graco Babeuf para se referir à política de execuções sumárias que o governo de Robespierre e Saint-Just estava aplicando a seus opositores.
No ano seguinte, o pensador inglês Edmund Burke empregou a mesma palavra “terrorista” (primeiro registro na língua inglesa) nas Cartas sobre uma paz regicida, nas quais acusa os jacobinos de deixarem “milhares daqueles cães infernais chamados terroristas… soltos sobre o povo” da França. O dicionário inglês Merrian-Webster registrou o vocábulo pela primeira vez em 1840.
Com o tempo, a palavra e seu sentido se popularizaram no Ocidente, onde o fenômeno se tornou um aspecto da política contemporânea e um motivo de crescente preocupação para os Estados. Mas apenas em 1930 o conceito apareceu no campo jurídico internacional, quando da III Conferência Internacional para a Unificação do Direito Penal, realizada na Bélgica. No entanto, cada país adotava definições diferentes que refletiam suas especificidades nacionais e, também por isso, quando se estuda o fenômeno do terrorismo podem ser encontradas centenas de definições.
Atualmente, a ONU emprega a definição para terrorismo adotada na resolução da Assembleia Geral de 9 de dezembro de 1994: “Atos criminosos destinados ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, ou em pessoas ou um grupo de pessoas em particular, por propósitos políticos injustificáveis”.
Essencialmente, duas características distinguem o terrorismo de outras formas de ação política. Em primeiro lugar, o terrorismo visa ao não-combatente, ou seja, mira os civis. Em segundo lugar, a violência é utilizada para impressionar e provocar medo no público-alvo. A criação deliberada de pavor é o que distingue o terrorismo de um simples assassinato ou agressão, pois o efeito psíquico alcança muitas mais pessoas do que as vítimas diretas.
Atentado com gás sarin no metro de Tóquio, em 1995, tornou real o risco do uso de armas químicas por terroristas
O Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino distingue “terror” e “terrorismo” associando-os a diferentes atores. Terror é “o instrumento de emergência a que um governo recorre para manter-se no poder”, sendo a ditadura jacobina o primeiro exemplo. Já o terrorismo seria o contrário: “o instrumento ao qual recorrem determinados grupos para derrubar um governo acusado de manter-se por meio de terror”. O atentado político seria, sob a perspectiva dos terroristas, uma resposta ao terror do Estado desferida por grupos organizados e ideologicamente homogêneos, que atuam clandestinamente, buscando despertar a consciência popular para a necessidade de se envolverem ativamente nesse “atalho no processo de crescimento revolucionário”.
Ainda de acordo com o Dicionário de Política, essa forma clássica de terrorismo teria três características fundamentais:
Essa definição de terrorismo político, que é a mais disseminada, está associada a movimentos revolucionários de esquerda ou a movimentos anticoloniais. Nesses casos, tenta-se legitimar suas ações sob a alegação de que representariam a luta contra o Estado opressor, em nome do povo oprimido ou do proletariado.
Representação do atentado anarquista ocorrido em Barcelona em 1896, durante as celebrações de Corpus Christi. Os anarquistas imaginavam que, por esse meio, desafiavam ao mesmo tempo o Estado e a Igreja
Os estudiosos do tema identificam o primeiro movimento baseado no uso da violência contra uma força ocupante na Palestina, durante o século I, quando a irmandade dos Zelotes (também chamados Sicários) tentou levantar os judeus da Judéia contra o Império Romano. Misturados à multidão e portando adagas, os zelotes assassinavam autoridades romanas e seus apoiadores, inclusive judeus. A influência dos zelotes sobre a história judaica foi decisiva, pois a reação repressiva que desencadearam incluiu a segunda destruição do Templo (ano 70) e o suicídio coletivo em Massada (ano 73).
Os zelotes também foram chamados de sicários porque a pequena adaga que empregavam para matar seus inimigos era chamada sica
Depois, alguns poucos casos de recurso à violência arbitrária para atingir fins políticos são registrados, até o final da Idade Moderna. Porém, é na Era Contemporânea que o terrorismo desponta e se dissemina como tática política. Tática porque terrorismo é meio e não, fim.
Refletindo a progressiva laicização da sociedade e o surgimento das democracias liberais, com sua correspondente multiplicação de partidos, grupos e organizações mobilizadas em torno de diferentes demandas, o terrorismo ganha espaço principalmente entre grupos que não possuem uma base social mais ampla para se fazerem ouvir. Nesse sentido, o terrorismo guarda um certo traço populista, pois os terroristas se pretendem porta-vozes das massas oprimidas.
Comumente encontrado em setores mais radicais da esquerda revolucionária e em movimentos de libertação colonial, os grupos terroristas reagiram ao discurso dominante das forças políticas que combatem produzindo um contra-discurso em defesa da legitimidade de seus atos. Assim, argumentam que o “terrorista” é, na verdade, um “soldado da liberdade”, buscando também se desvincularem do sentido pejorativo que a palavra adquiriu.
No ambiente das lutas de independência na Ásia e na África, não poucos intelectuais passaram a conferir legitimidade a atos de terror dirigidos contra as forças das potências coloniais. O efeito dessa mudança de percepção foi bloquear as discussões quanto à necessidade de se estabelecerem leis internacionais de combate ao terrorismo e mesmo de encontrar uma definição comum.
Até que, em 22 de julho de 1968, o grupo palestino Frente Popular para a Libertação da Palestina sequestrou, em Roma, um voo da companhia israelense El Al desviando-o para a cidade de Argel. Como explicou o líder da FPLP, George Habash, “quando sequestramos um avião, tem mais efeito do que matar cem israelenses em batalha. (…) Pelo menos o mundo está falando sobre nós agora.” Tinha início uma onda de sequestros de aviões e tiroteios em aeroportos que marcaria a década de 1970 e só desapareceria no início da década seguinte.
Para muitos, foi nesse momento que o terrorismo se tornou um fenômeno internacional, pois o espaço de atuação de cada grupo transcendeu as fronteiras nacionais.
Avião da El Al pousado em Argel, onde ficou retido por mais de 40 dias
Progressivamente, o terrorismo transformou-se em questão de segurança global. No âmbito das Nações Unidas, as discussões foram sendo destravadas enquanto intensificavam-se os esforços de cooperação contraterrorismo entre os Estados. Assim, surgiram:
Os atentados do 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas e o Pentágono se tornaram o paradigma de um novo tipo de terrorismo que, entre outras coisas, mistura ideologias religiosas e políticas, num caldo de ideias bastante fragmentado.
Nas semanas seguintes ao 11 de setembro de 2001, os EUA passaram a sofrer com o risco de novos atentados, provocados por um pó tóxico chamado anthrax
E quando o então presidente dos EUA, George W. Bush redefiniu a política externa americana, enterrando definitivamente a Doutrina Truman e anunciando a Doutrina Bush, ou simplesmente a “Guerra ao Terror”, a nação que simbolizava a democracia passou a instituir normas e estratégias antiterrorismo que trouxeram graves violações aos direitos humanos e relevantes danos à liderança do país no cenário internacional.
Já as leis europeias definiram, em 2002, o terrorismo como perturbação à ordem pública por meio de atentados em transporte público; destruição de infraestrutura, incluindo serviços de informação, entre outras coisas. E há tendência à ampliação do que deve ser classificado como terrorismo. No Canadá, até grandes manifestações que, mesmo involuntariamente, provoquem a destruição de bens públicos ou privados podem ser classificadas como atos terroristas.
De qualquer modo, a legislação internacional ainda carece de uma definição universalmente aceita sobre o que seja o crime de terrorismo, pois enquanto para alguns o que importa é o método, para outros, deveriam prevalecer os objetivos. É aí que surgem as brechas legais que permitem aos Estados avançarem sobre os direitos civis em nome da segurança – situação tão bem representada pelo Patriot Act adotado nos EUA após o 11 de setembro de 2001. A ONU, inclusive, alerta que a falta de uma definição comum do termo pode servir para abusos de direitos humanos, bem como para seu uso indevido.
Charge da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) alerta para as ameaças do Patriotic Act aos direitos civis
Finalmente, a pergunta: Estados podem cometer atos de terrorismo a fim de intimidar não-combatentes?
A resposta é sim. Os Estados podem empregar violência desmedida contra seus próprios civis. Os exemplos são Saddam Hussein usando armas químicas contra os curdos iraquianos; ou Stalin, contra os ucranianos e outros povos soviéticos. Os Estados também empregam a tática do horror contra populações inimigas, como fizeram os Aliados com os bombardeios incendiários ou nucleares contra cidades alemãs e japonesas na etapa final da Segunda Guerra Mundial.
Mas há uma diferença fundamental. Quando Estados cometem crimes, eles estão sujeitos à fiscalização de órgãos internacionais que atuam em nome de tratados como os da Convenção de Haia, que definem leis de guerra e crimes de guerra, simplesmente ignorados por terroristas. Por isso, a ideia é usar o conceito de terrorismo para identificar atores não estatais, que adotam formas não-convencionais de violência para disseminar o medo coletivo.
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