DIA NACIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

 

Elaine Senise Barbosa

20 de setembro de 2021

 

Dia 21 de setembro marca o início da Primavera, a estação mais festejada do ano por seus significados de renascimento e renovação.  Por esse motivo foi a data escolhida para representar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado desde os anos oitenta por todos aqueles envolvidos com o tema.

A oficialização da data integrou os esforços da ONU/UNESCO para dar visibilidade ao trabalho de promover a integração das pessoas com deficiências, no âmbito da implementação da cultura de direitos humanos proposta pela Carta de 1948. Por isso, desde 1992 existe o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro.

De acordo com o último censo realizado no Brasil, em 2010, mais de 45 milhões de pessoas possuem algum tipo de deficiência. Naquela data, o total da população era de pouco mais de 190 milhões de habitantes – ou seja, os deficientes são praticamente 25% da população. Se levarmos em conta as famílias de cada um e as batalhas diárias para cuidarem desses parentes, temos um número tão grande de pessoas que somos obrigados a repensar o senso comum de que deficientes são “casos isolados”. No máximo, são ocultos.

As deficiências são divididas em quatro categorias: física, auditiva, visual e mental e, como as paraolimpíadas vêm ensinando a todos, dificuldades não devem ser entendidas como sinônimo de incapacidade. Pelo contrário, assistir ao desempenho desses atletas surpreende, encanta e ensina porque demonstra habilidades e soluções onde estamos habituados a enxergar apenas limitações.

O nadador paraolímpico Daniel Dias encerrou sua carreira nos jogos de Tóquio como o maior medalhista brasileiro nos jogos, com 27 medalhas conquistadas. Dias se tornou um ícone do esporte mundial

Felizmente, avança o entendimento de que não é possível falarmos em diversidade e inclusão mantendo a velha postura de esconder os deficientes, privando-os do convívio social e das experiências do viver. O mesmo valendo para os ditos “normais”, porque normalidade é padrão e realidade é confusão. Aprender a estar no mundo do século XXI é aprender que conviver com a pluralidade de corpos e mentes.

 

Antídoto contra a eugenia

De modo geral, as pessoas com deficiência foram discriminadas ao longo da historia. Os espartanos eliminavam recém-nascidos considerados inaptos séculos antes de Cristo. O cristianismo alternou entre a piedade e o stigma do pecado. O circo, como um mundo à parte, foi um destino para muitos deficientes ao longo da história e talvez a melhor sorte que poderiam ter.

No século XIX, os que não estavam no padrão foram levados para os sanatórios e hospícios criados pelo higienismo burguês e pelas ideias racistas, que explicavam as deficiências como resultado de atos negativos: pecado, crime e castigo. O corolário do racismo é a eugenia, ou seja, o ideal de purificação e aprimoramento das raças, de acordo com as leis darwinistas de evolução da espécie. Não por acaso, a primeira medida dos nazistas no poder foi o programa Ação T-4, de purificação da raça ariana por meio da esterilização de pessoas com deficiências, rapidamente transformado em programa de eutanásia pura e simples.

A história do jovem Kaspar Hauser, cujo silêncio e comportamento incomum o transformaram em objeto de estudo na Europa do século XIX, mostra como a ciência ajudou a construir padrões de “normalidade” e “anormalidade”

A questão epistemológica posta pela constatação da monstruosidade nazista, ou seja, a tentativa de entender como o ser humano produziu campos de extermínio levou a novos paradigmas. Antes de mais nada, compreendemos que o discurso científico não é “neutro”, e que a criação de uma sociedade de super-homens baseada em conceitos de pureza racial está fadada a produzir genocídios.   

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, escrita sob o impacto da guerra ao nazismo, foi prevista como um novo guia para a ação ética e política dos Estados. A grande mudança foi estabelecer o valor supremo da vida humana, cuja defesa estaria acima dos direitos soberanos dos Estados, como explica o professor Celso Lafer. O novo enfoque trouxe uma lição importantíssima: a humanidade não é um ideal de perfeição, mas um entendimento da sua variedade e potencialidade.

 

O papel das instituições

A transformação da realidade a partir desse novo enfoque depende, no entanto,  do empenho que instituições e autoridades aplicam às práticas inclusivas. Marcar datas no calendário para manter assuntos na pauta, promover espaços de educação adequados, organizar as paraolimpíadas…

Desde os anos 90, o ponto focal das ações para a inclusão das pessoas com deficiência está no acesso à escola regular (tanto no sentido do currículo, quanto no sentido do espaço físico, junto aos demais estudantes). No Brasil, entre 2003 e 2014 o MEC registrou um aumento de 381% no número de matrículas desse público. Em 2020 já eram 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência matriculados na educação básica, dos quais 86,5% estudavam em escolas regulares, com os demais alunos.

Em 2015, foi sancionada a Lei 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa lei é considerada a mais importante legislação brasileira sobre o tema, pois reúne, em um só documento, as diretrizes de acessibilidade e conduta que devem ser aplicadas para todos os tipos de deficiência. Segundo a lei, “pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

A pessoa com deficiência é comumente alvo de uma dupla privação de direitos, de um lado como cidadão aos quais se nega ou dificulta, por exemplo, o acesso à educação ou ao trabalho digno; de outro lado, adentrando a esfera criminal, muitas dessas deficiências impõe condições de vulnerabilidade que as tornam alvos fáceis de malfeitos. Não por acaso o Estatuto criminalizou “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, assim como abandonar pessoas com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres, apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência e reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinado ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem”.

 

As palavras do ministro da Educação

No entanto, enquanto torcíamos por nossos atletas paraolímpicos, o ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, Milton Ribeiro, declarou que crianças e jovens deficientes em salas de aula regular “atrapalham” o desenvolvimento dos demais estudantes. Em consonância com o perfil do atual governo, o ministro emite um juízo de valor retrógrado sobre o tema, que evidentemente desconhece. Só para se ter ideia, a batalha pela inclusão levou mais de 90% dos estudantes com deficiência ou superdotados a se matricularem no Ensino Fundamental em escolas regulares e não há sinais de que estejam “atrapalhando” os colegas.

O ministro da educação, Milton Ribeiro

Os ocupantes do MEC, que preferem homeschooling à escola pública e laica, obtiveram, em outubro de 2020, via decreto presidencial 10.502 uma nova Política Nacional de Educação Especial, que é vista como um grave retrocesso, tendo sido suspensa por liminar. Isso porque sugere reconduzir os deficientes para classes especiais ou escolas dedicadas – ou seja, a proposta segrega esses alunos do convívio com as demais crianças e jovens, para oferecer-lhes em geral uma educação muito limitada, que pouco estimula seu potencial de desenvolvimento. A medida também impedirá que a comunidade escolar como um todo pratique de fato a diversidade que a educação atual anuncia.

Para o professor Rodrigo Hubner Mendes, presidente do Instituto Rodrigo Mendes, que se dedica ao tema da inclusão escolar, é legítima a pergunta sobre qual é o ambiente educacional mais adequado para a pessoa com deficiência. Ele diz: “a escola especial nasceu a partir da ideia de que a deficiência representa uma incapacidade. A impossibilidade da pessoa se desenvolver plenamente, precisando, portanto, de um atendimento separado, apartado. Nesse sentido, é uma instituição que atende exclusivamente estudantes com deficiência e raramente segue os conteúdos curriculares definidos pelo respectivo estado ou município. Após décadas de experiência com esse modelo, estudos apontam que os resultados são extremamente negativos. A falta de interação com o resto do mundo, de estímulo e de desafio determinam, de antemão, o ponto de chegada. Esses alunos tornam-se adultos totalmente dependentes de suas famílias (ou de serviços de assistência social). É como se o destino fosse traçado na chegada antes da largada na corrida da vida”.

E continua: “O contrário disso é a escola inclusiva, que recebe todos os alunos e reconhece a diversidade como valor fundamental. Isso não significa que não existam apoios especializados, pelo contrário, eles estavam previstos desde a legislação de 2008. A perspectiva, entretanto, é que esse apoio é complementar, não substitutivo, e que deve ser realizado por profissionais capacitados, em horário extraclasse. O objetivo é identificar os obstáculos ao acompanhamento escolar”.

A integração dos alunos com deficiência é benéfica para todos, pois diminui o preconceito na sociedade a partir do contato de pais, professores e alunos com a diversidade

Educação é um direito humano fundamental e cabe à sociedade como um todo somar esforços para combater atitudes fundadas em preconceitos, mesmo quando envoltos em palavras bem-intencionadas. Educar para a diversidade, a tolerância e o respeito deveria ser política de Estado e jamais oscilar ao sabor de um governo que já deu largas demonstrações de não se preocupar com o futuro do país.  

 

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